31/08/2011 0
A Líbia, a Otan e o Grande Médio Oriente
Por José Luís Fiori
"Se aqui e no exterior todos perceberem que estamos prontos para a guerra a qualquer momento, com todas as unidades das nossas forças na linha de frente prontas para entrar em combate e ferir o inimigo no ventre, pisoteando-o quando estiver no chão, para ferver seus prisioneiros em azeite e torturar suas mulheres e filhos, então ninguém se atreverá no nosso caminho". John Arbuthnot Fisher, primeiro Lord do Almirantado da Marinha Real Britânica, (cit. in Norman Angell, A Grande Ilusão, Editora UNB, 2002, p: 275)
É preciso ser muito ingênuo ou mal informado para seguir pensando que a "Guerra da Líbia", foi feita em nome dos "direitos humanos" e da "democracia". E ainda por cima acreditar que o governo de Muamar Gadafi foi derrotado pelos "rebeldes" que aparecem nos jornais em poses publicitárias. Tudo isso enquanto a aviação inglesa comanda o ataque final das forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) à cidade de Sirta, depois de ter conquistado a cidade de Trípoli. Até o momento, a "primavera árabe" não produziu nenhuma mudança de regime na região, mesmo na Tunísia e no Egito, e não há nenhuma garantia de que os novos governos sejam mais democráticos, liberais ou humanitários que seus antecessores. Até porque, quase todos os seus líderes ocuparam posições de destaque nos governos que ajudaram a derrubar, com o apoio de uma multidão heterogênea e desorganizada. Sendo que, no caso da Líbia, não se pode nem mesmo falar de algo parecido a uma "mobilização massiva e democrática" da oposição, porque se trata de fato de uma guerra selvagem e sem quartel, entre regiões e tribos inimigas, que foram mobilizadas e "pacificadas" transitoriamente, pelas forças militares da Otan.
Na Líbia haverá um período de caos, seguido da formação de um governo de coalizão tribal e instável
Segundo Lord Ismay, que foi o primeiro secretário-geral da Otan, o objetivo da aliança militar criada pelo Tratado do Atlântico Norte, assinado em 1949, era "manter os russos fora, os americanos dentro e os alemães para baixo". E esse objetivo foi cumprido plenamente, durante todo o período da Guerra Fria. Mas depois de 1991, a Otan passou por um período de "crise de identidade" e redefinição do seu papel dentro do sistema internacional. Num primeiro momento, a organização militar se voltou para o Leste e para a ocupação/incorporação de alguns países da Europa Central que haviam pertencido ao Pacto de Varsóvia.
Além disso decidiu participar diretamente das Guerras do Kosovo e da Sérvia. E ao mesmo tampo, lançou, em 1994, um projeto de intercâmbio militar e de segurança, com os países árabes do norte da África, o chamado "Diálogo Mediterrâneo". Dez anos depois, na sua reunião de cúpula de 2004, em Istambul, os dirigentes da Otan decidiram expandir o seu projeto de segurança e criaram a "Iniciativa de Cooperação de Istambul" (ICI), voltada para os países do Oriente Médio. Além disso, nesse mesmo período, a Otan, que não havia apoiado as guerras do Afeganistão e do Iraque, decidiu aderir e colocar-se ao lado das tropas anglo-americanas, instalando suas forças também na Ásia Central.
Foram os ingleses que cunharam o termo "Oriente Médio", para referir-se aos territórios situados no meio do seu caminho, entre a Inglaterra e a Índia, e que pertenciam ou estavam sob a tutela do Império Otomano. Incluindo os territórios que foram retalhados e divididos depois do fim da 1ª Guerra Mundial, sendo transformados em "protetorados" da Inglaterra e da França, que já eram, naquele momento, as duas maiores potências imperiais da Europa, tendo submetido e colonizado a maior parte da África Subsaariana e todos os países árabes do norte do continente, hoje incluídos no "Diálogo Mediterrâneo" da Otan.
Mas foi o presidente dos Estados Unidos, George Bush, quem cunhou o termo "Grande Médio Oriente", apresentado pela primeira vez na reunião do G-8, realizada em Sea Islands, nos Estados Unidos, em junho de 2004. A ideia era definir e unificar um novo espaço de intervenção geopolítica, que iria do Marrocos até o Paquistão, e deveria ser objeto da preocupação prioritária das grandes potências, na sua guerra contra o "terrorismo islâmico", e a favor da "democracia" e dos "direitos humanos". Dessa perspectiva se pode compreender melhor o significado geo-estratégico da "primavera árabe", e da Guerra da Líbia.
Assim mesmo, o que se deve esperar que ocorra depois da guerra? Na Líbia, haverá um longo período de caos, seguido da formação de um governo de coalizão tribal, instável e autoritário, sob o patrocínio e a tutela militar da Otan. Ao mesmo tempo, terá sido dado um passo decisivo na construção de uma força de intervenção "ocidental", capaz de projetar seu poder militar sobre todo o território islâmico do Grande Médio Oriente. E de passagem, estará criado o primeiro "protetorado colonial" da Otan na África. Triste sina da África!
José Luís Fiori é professor titular e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ, e autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, 2007. Escreve mensalmente às quartas-feiras.
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
sexta-feira, 29 de julho de 2011
Artigo de Carlos Lessa sobre o economista Argentina Raúl Prebisch
Raúl Prebisch, a ascensão da China e o Terceiro Mundo
Carlos Lessa | Para o Valor, do Rio
29/07/2011
A coruja do conhecimento, geralmente, levanta voo ao entardecer. As grandes passagens da economia mundial produzem revoadas de corujas. Destas, muitas fazem a releitura de antigos pensadores deixados, provisoriamente, de lado. Essa releitura auxiliará a construção de novas interpretações. Hegel falava da fácil sabedoria da visão retrospectiva, ou seja, como o curso histórico tem suas razões, a releitura permite explicitar algumas delas. Entretanto, a criação intelectual que ilumina o amanhã exige o que Nietzsche denominava "espírito de águia", que não teme se debruçar sobre o abismo.
Li "Raúl Prebisch (1901-1986): A Construção da América Latina e do Terceiro Mundo", de Edgar Dosman, editado pela Contraponto em parceria com o Centro Internacional Celso Furtado. Uma biografia exaustiva e rigorosa, do ponto de vista documental, do economista argentino que escreveu o livro "O Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns de Seus Principais Problemas", conhecido como "Manifesto Latino-Americano", divulgado em Havana em 1949. Nele, Prebisch demonstrou que a distribuição de benefícios do crescimento mundial era desigual entre o centro e a periferia e se aprofundava secularmente, pois a dinâmica dos ciclos de comércio exterior favorecia, a longo prazo, as economias já industrializadas e dominantes.
Prebisch demonstrou que a distribuição de benefícios do crescimento mundial era desigual entre o centro e a periferia e só se aprofundava
O alicerce ortodoxo da economia política clássica inglesa foi a teoria ricardiana de comércio exterior. Seu teorema dos custos comparativos "justificava" como maximizante para todos os integrantes do comércio internacional a especialização nos bens que produzia com maior eficiência. Se cada país se especializasse e obtivesse, pelo comércio internacional, aquilo que tinha menor produtividade interna, haveria o máximo bem-estar das economias interligadas. David Ricardo construiu o argumento perfeito para a hegemonia inglesa, nação que sediou a Primeira Revolução Industrial. Investir, intelectual e politicamente, contra a ortodoxia do país dominante foi a prática dos pais fundadores dos Estados Unidos. Alexander Hamilton defendeu a ideia da industrialização como essencial ao padrão de vida e à soberania nacional das 13 ex-colônias. Friedrich List, em 1841, publica "O Sistema Nacional de Economia Política", que se sucedeu à Zollverein, união aduaneira alemã, de 1834. List explicita que o projeto nacional de desenvolvimento via industrialização é uma exceção ao livre-câmbio e livre-comércio. A Revolução Meiji realiza uma modernização à força no Japão, sob o argumento de que sacrifícios no presente produziriam felicidade no futuro. A França, de Napoleão III, também critica Ricardo e defende a prioridade da industrialização nacional. O denominador histórico comum de todas essas experiências de industrialização consiste na adesão ao livre-câmbio e livre- comércio, tão logo esteja consolidada sua maturidade industrial. Foram poucas as nações que se industrializaram e nenhuma nação latino-americana, no século XIX e década iniciais do século XX.
Uma retórica geopolítica pretendendo superar o atraso pela boa convivência de nações foi recorrente. Por exemplo, o brasileiro Rui Barbosa, que conhecia a heterodoxa visão de finanças industrializantes dos fundadores americanos, defendeu o "desenvolvimento" da periferia na famosa e inútil 2ª Conferência de Haia, em 1907. Após a Primeira Guerra Mundial e no umbral da Grande Crise de 1929, Mihail Manoïlesco, ministro da Indústria e Comércio da Romênia, defendeu, em "Teoria do Protecionismo e da Permuta Internacional", a industrialização como único caminho para a superação do atraso. Essa defesa explicitou o argumento-chave de indústria nascente e das relações interindustriais de um sistema industrial nacional. O brasileiro Roberto Simonsen, presidente do Centro das Indústrias de São Paulo, traduziu e publicou, em 1931, o trabalho do economista romeno. A ideia da industrialização como projeto nacional impregnou a gestão Getúlio Vargas durante os anos 30 e a Segunda Guerra Mundial. O ideal de produzir as máquinas que fazem máquinas apareceu no discurso do obelisco, precedendo o governo Vargas, que realizou uma política keynesiana antes da publicação do clássico livro de Keynes.
Ouso dizer que a obra de Prebisch, menos pelo pioneirismo e mais pela oportunidade, decisão, habilidade e poder mobilizador, foi um voo de coruja decisivo para o esforço latino-americano de superação do atraso. O conceito de América Latina foi consolidado e tornado, em alto nível de abstração, homogêneo pela crítica atualizada e politizada da ortodoxia das economias dominantes. Prebisch, com visão política historicamente correta, evitou refletir sobre as estruturas internas dos países latino-americanos. Apesar do trabalho intelectual de economistas latino-americanos como Aníbal Pinto Santa Cruz e Celso Furtado, que mergulharam na heterogeneidade e na formação histórica singular de cada país latino-americano, o sonho bolivariano da integração recebeu um forte estímulo a partir do Manifesto, de Prebisch, e do trabalho dos estruturalistas da Cepal.
Em tempos de crise, a coruja voa revitalizando o passado, porém o fato mais relevante do momento atual é o desenvolvimento da China e não pode ser atribuído a nenhuma receita ortodoxa de livre-comércio e livre-câmbio. Não é uma economia de mercado. Regula - de perto e com instrumentos estatais variados, discriminatórios e poderosos - finanças, câmbio e atuação empresarial. O maior sucesso nacional do momento é, em si, questionador frontal da ortodoxia neoliberal.
Prebisch, hoje, teria se debruçado sobre a experiência chinesa e chamaria a atenção para a geopolítica dominante que a China vem fazendo no chamado Terceiro Mundo.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES
Carlos Lessa | Para o Valor, do Rio
29/07/2011
A coruja do conhecimento, geralmente, levanta voo ao entardecer. As grandes passagens da economia mundial produzem revoadas de corujas. Destas, muitas fazem a releitura de antigos pensadores deixados, provisoriamente, de lado. Essa releitura auxiliará a construção de novas interpretações. Hegel falava da fácil sabedoria da visão retrospectiva, ou seja, como o curso histórico tem suas razões, a releitura permite explicitar algumas delas. Entretanto, a criação intelectual que ilumina o amanhã exige o que Nietzsche denominava "espírito de águia", que não teme se debruçar sobre o abismo.
Li "Raúl Prebisch (1901-1986): A Construção da América Latina e do Terceiro Mundo", de Edgar Dosman, editado pela Contraponto em parceria com o Centro Internacional Celso Furtado. Uma biografia exaustiva e rigorosa, do ponto de vista documental, do economista argentino que escreveu o livro "O Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns de Seus Principais Problemas", conhecido como "Manifesto Latino-Americano", divulgado em Havana em 1949. Nele, Prebisch demonstrou que a distribuição de benefícios do crescimento mundial era desigual entre o centro e a periferia e se aprofundava secularmente, pois a dinâmica dos ciclos de comércio exterior favorecia, a longo prazo, as economias já industrializadas e dominantes.
Prebisch demonstrou que a distribuição de benefícios do crescimento mundial era desigual entre o centro e a periferia e só se aprofundava
O alicerce ortodoxo da economia política clássica inglesa foi a teoria ricardiana de comércio exterior. Seu teorema dos custos comparativos "justificava" como maximizante para todos os integrantes do comércio internacional a especialização nos bens que produzia com maior eficiência. Se cada país se especializasse e obtivesse, pelo comércio internacional, aquilo que tinha menor produtividade interna, haveria o máximo bem-estar das economias interligadas. David Ricardo construiu o argumento perfeito para a hegemonia inglesa, nação que sediou a Primeira Revolução Industrial. Investir, intelectual e politicamente, contra a ortodoxia do país dominante foi a prática dos pais fundadores dos Estados Unidos. Alexander Hamilton defendeu a ideia da industrialização como essencial ao padrão de vida e à soberania nacional das 13 ex-colônias. Friedrich List, em 1841, publica "O Sistema Nacional de Economia Política", que se sucedeu à Zollverein, união aduaneira alemã, de 1834. List explicita que o projeto nacional de desenvolvimento via industrialização é uma exceção ao livre-câmbio e livre-comércio. A Revolução Meiji realiza uma modernização à força no Japão, sob o argumento de que sacrifícios no presente produziriam felicidade no futuro. A França, de Napoleão III, também critica Ricardo e defende a prioridade da industrialização nacional. O denominador histórico comum de todas essas experiências de industrialização consiste na adesão ao livre-câmbio e livre- comércio, tão logo esteja consolidada sua maturidade industrial. Foram poucas as nações que se industrializaram e nenhuma nação latino-americana, no século XIX e década iniciais do século XX.
Uma retórica geopolítica pretendendo superar o atraso pela boa convivência de nações foi recorrente. Por exemplo, o brasileiro Rui Barbosa, que conhecia a heterodoxa visão de finanças industrializantes dos fundadores americanos, defendeu o "desenvolvimento" da periferia na famosa e inútil 2ª Conferência de Haia, em 1907. Após a Primeira Guerra Mundial e no umbral da Grande Crise de 1929, Mihail Manoïlesco, ministro da Indústria e Comércio da Romênia, defendeu, em "Teoria do Protecionismo e da Permuta Internacional", a industrialização como único caminho para a superação do atraso. Essa defesa explicitou o argumento-chave de indústria nascente e das relações interindustriais de um sistema industrial nacional. O brasileiro Roberto Simonsen, presidente do Centro das Indústrias de São Paulo, traduziu e publicou, em 1931, o trabalho do economista romeno. A ideia da industrialização como projeto nacional impregnou a gestão Getúlio Vargas durante os anos 30 e a Segunda Guerra Mundial. O ideal de produzir as máquinas que fazem máquinas apareceu no discurso do obelisco, precedendo o governo Vargas, que realizou uma política keynesiana antes da publicação do clássico livro de Keynes.
Ouso dizer que a obra de Prebisch, menos pelo pioneirismo e mais pela oportunidade, decisão, habilidade e poder mobilizador, foi um voo de coruja decisivo para o esforço latino-americano de superação do atraso. O conceito de América Latina foi consolidado e tornado, em alto nível de abstração, homogêneo pela crítica atualizada e politizada da ortodoxia das economias dominantes. Prebisch, com visão política historicamente correta, evitou refletir sobre as estruturas internas dos países latino-americanos. Apesar do trabalho intelectual de economistas latino-americanos como Aníbal Pinto Santa Cruz e Celso Furtado, que mergulharam na heterogeneidade e na formação histórica singular de cada país latino-americano, o sonho bolivariano da integração recebeu um forte estímulo a partir do Manifesto, de Prebisch, e do trabalho dos estruturalistas da Cepal.
Em tempos de crise, a coruja voa revitalizando o passado, porém o fato mais relevante do momento atual é o desenvolvimento da China e não pode ser atribuído a nenhuma receita ortodoxa de livre-comércio e livre-câmbio. Não é uma economia de mercado. Regula - de perto e com instrumentos estatais variados, discriminatórios e poderosos - finanças, câmbio e atuação empresarial. O maior sucesso nacional do momento é, em si, questionador frontal da ortodoxia neoliberal.
Prebisch, hoje, teria se debruçado sobre a experiência chinesa e chamaria a atenção para a geopolítica dominante que a China vem fazendo no chamado Terceiro Mundo.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES
sexta-feira, 22 de julho de 2011
Entrevista do economista Barry Eichengreen sobre a crise na zona do euro.
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Entrevista: A Europa precisa da Grécia de alguma forma recuperada, seja qual for o preço a pagar para todos saírem da crise, diz Barry Eichengreen.
Nas mãos de Atenas
Alex Ribeiro | De Washington
22/07/2011
Eichengreen: "Foi um erro criar uma união monetária incluindo esses países mais fracos (com) um só banco central, sem criar fundos de socorro e mecanismos de disciplina fiscal"
Cada país infeliz da Zona do Euro é infeliz à sua própria maneira, por excesso de dívida pública, privada ou bancária, ou por falta de crescimento econômico. Mas todos devem se manter juntos na união monetária, porque abandoná-la traria consequências devastadoras
Em entrevista ao Valor, um dos mais respeitados estudiosos dos sistemas monetários internacionais, o economista Barry Eichengreen, da Universidade da Califórina, em Berkeley, usa a primeira frase do romance "Anna Karenina", do escritor russo Leon Tolstoi, para explicar as mazelas econômicas que levaram a Europa à crise atual. "Cada família infeliz é infeliz do seu próprio jeito", afirma Eichengreen. "Cada país europeu é infeliz à sua maneira."
Agora que a Europa caminha para reestruturar a dívida pública da Grécia, muitos duvidam que o país permanecerá na Zona do Euro. Custos e salários estão muito altos, e a saída natural seria uma desvalorização cambial para recuperar a competitividade das exportações.
Outra alternativa é deflacionar custos e salários, mas esse processo é lento e doloroso. A economia grega caiu 7,5% desde o pico de seu PIB, em 2008, o desemprego supera 16%, mas a taxa real de câmbio do país se desvalorizou apenas 6% nos últimos 12 meses. Alguns economistas estimam que o ajuste cambial terá que ser quatro ou cinco vezes maior que isso.
A eventual notícia de que o governo grego estaria cogitando a volta ao dracma provocaria "a maior e mais violenta crise que o mundo já viu"
Eichengreen diz que, apesar de todo o esforço que o ajuste exigirá, a Grécia permanecerá integrada ao euro, porque a alternativa de deixá-lo é simplesmente assustadora, com inevitável caos econômico, financeiro e político. Em qualquer hipótese, o país terá que receber ajuda da Europa para sair do nó cambial. "Os 50 anos de história da Europa dizem que, sempre que eles estão diante da escolha de ir adiante ou recuar, eles vão adiante e aprofundam a integração", observa Eichengreen.
Valor: O que levou a Europa à situação atual?
Barry Eichengreen: Como diz a primeira frase do livro "Anna Karenina", cada família infeliz é infeliz do seu próprio jeito. Cada país europeu é infeliz à sua maneira. Na Grécia, é a dívida pública; em Portugal, a dívida privada; na Irlanda, a dívida bancária; na Espanha, a combinação disso tudo; na Itália, a incapacidade de a economia crescer. Mas a crise foi agravada pela incapacidade das autoridades europeias em conter sérios problemas na Grécia. Isso permitiu que se alastrassem dúvidas sobre outros países.
Valor: O problema não seria o euro?
Eichengreen: O euro é parte disso. Ele contribuiu para o desenvolvimentos de muitos dos problemas. A Grécia teve permissão para ingressar no euro e os investidores, por muito tempo, acharam que esse seria um bom país para investir. Eles ignoraram os problemas fiscais, viram a entrada no euro como uma espécie de selo de qualidade e emprestaram à vontade, sem se preocupar com os riscos. E agora, quando a crise surgiu, ser membro do euro fecha uma das alternativas que países tradicionalmente usaram para se ajustar e sair de crises: desvalorizar a moeda. Essa não é uma opção ao alcance. Foi um erro criar uma grande união monetária incluindo esses países relativamente mais fracos, como a Grécia. Também foi um problema criar uma união monetária com uma só moeda e um só banco central, sem criar fundos adequados de socorro e mecanismos apropriados de disciplina fiscal.
Valor: O euro é o culpado pelo baixo crescimento econômico da Europa na última década?
Bloomberg
"O ajuste será doloroso", prevê Eichengreen, numa Grécia em que se multiplicam os protestos de rua contra medidas que já vão sendo tomadas pelo governo
Eichengreen: Se você olhar a produção por hora de trabalho, a Europa tem se saído igual aos Estados Unidos. A Europa é diferente dos Estados Unidos porque lá as pessoas trabalham menos horas. A Europa também tem uma demografia diferente, a população e a força de trabalho têm crescido menos. Mas sua produtividade tem crescido no mesmo ritmo que nos Estados Unidos. Alguns países europeus, como a Alemanha, se saíram até melhor que os Estados Unidos na última década. Em outros, como Portugal e Itália, a produtividade se manteve estagnada. Isso ocorreu porque há rigidez nas economias domésticas, eles têm mercados de trabalho bastante regulados. Além disso, tem a China, que tomou o mercado de produtos que esses países europeus produziam e exportavam, como têxteis e roupas. Não colocaria a culpa no euro. Mas o fato de que esses países puderam tomar tanto dinheiro emprestado a preços tão baixos, em virtude de estarem na Zona do Euro, permitiu que adiassem a decisão de lidar com esses problemas.
Valor: Existe algo em comum com os problemas que surgiram com os regimes de câmbio fixo da América Latina nos anos 1990?
Eichengreen: Vejo algo em comum com a Argentina e o Brasil da década de 1990. Um sistema de câmbio fixo não garante disciplina fiscal. Com a taxa de câmbio fixo, às vezes os investidores não veem os riscos, não veem movimentos na moeda, não veem inflação. Pressupõem que tudo está bem, quando nem sempre está. De fato, há semelhanças entre a Argentina com o "currency board" de antes de 2001 e o efeito do euro em Portugal, Grécia e Irlanda. Mas também há diferenças. Se você tem um "currency board", você ainda tem sua própria moeda, então pode decidir mudar sua taxa de câmbio se as coisas não saem bem. A Grécia não tem essa opção. Teria que reintroduzir o dracma (a antiga moeda) para desvalorizar o câmbio e isso poderia ser muito difícil tecnicamente, financeiramente e politicamente, até mais difícil do que o abandono do "currency board" pela Argentina em 2001.
Valor: Por quê?
Eichengreen: Isso teria que ser debatido no parlamento grego, eles teriam que passar uma legislação para reintroduzir o dracma. Na primeira manhã em que as pessoas ouvirem que há um debate do gênero, vão tirar todo o dinheiro dos bancos gregos e enviar para Frankfurt. Iriam vender os títulos gregos e aplicar o dinheiro em títulos alemães. Essa seria a maior e mais violenta crise que o mundo já viu. Exigiria que a Grécia fechasse seu sistema bancário e financeiro. Além disso, teria toda a dificuldade técnica de reescrever os programas de computadores usados pelos bancos. Levou dois anos para eles prepararem os computadores para entrar no euro, entre 1999 e 2001. O tratado da União Europeia não prevê que um país saia da zona do euro. A única maneira de fazer isso é sair da União Europeia, o que colocaria em perigo toda a relação da Grécia com o resto da Europa. E, finalmente, o ponto mais importante é que uma eventual saída da Grécia do euro iria incutir na cabeça das pessoas a ideia de que outros países poderão fazer o mesmo. É algo que colocaria em perigo toda a estabilidade do euro. Acho que se parceiros da Grécia na Zona do Euro - a Alemanha, a França e outros -, virem que a Grécia considera deixar o euro, automaticamente vão lhe dar mais ajuda, para evitar colocar todo o projeto em perigo.
"O cenário mais provável é que os políticos europeus percebam que precisam avançar. [Acho que] vão chegar a um acordo"
Valor: Que tipo de solução se pode esperar para a dívida grega?
Eichengreen: Podemos esperar três tipos de coisas. Primeiro, a dívida publica será reestruturada porque o país não é capaz de pagá-la. Segundo, como grande parte da dívida pública está nas mãos de bancos locais, a Grécia precisará de ajuda da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para os recapitalizar. Terceiro, o Banco Central Europeu terá que evitar que a reestruturação na Grécia leve ao receio de reestruturação em outros países da Europa. O BCE terá que comprar títulos da Espanha, Itália e de outros países europeus no mercado secundário, para evitar que os "spreads" disparem.
Valor: Na América Latina, sempre que houve reestruturação de dívidas, teve-se também desvalorização da moeda, para recuperar o crescimento econômico. Isso será possível para a Grécia?
Eichengreen: Será difícil para a Grécia crescer em qualquer circunstância. Será mais difícil do que para a América Latina nos anos 1990, depois do Plano Brady, porque não há a opção da desvalorização. Existem dois tipos de desvalorização. Desvalorização [nominal] da moeda ou desvalorização interna. Na desvalorização interna, você tem que reduzir salários e benefícios e outros custos em 20% ou 30%. Isso é o que a Grécia será forçada a fazer, com ajuda de fora. Aí poderá crescer. A Grécia pode desenvolver uma produção agrícola de alto valor agregado. Por que a Itália e a França são conhecidos por produzir vinhos de alta qualidade e a Grécia não? A Grécia pode se tornar uma produtora de vinhos, azeites e outros produtos com sua própria marca. Também pode exportar energias limpas, porque está localizada numa região apropriada para usinas solares e eólicas. Também pode desenvolver sua indústria de turismo ou se tornar um portal de distribuição de produtos no Mediterrâneo.
Valor: Deflacionar salários não seria um processo muito longo e doloroso?
Eichengreen: É por isso que a Grécia precisa da ajuda de fora. O ajuste será doloroso. Mas não é correto afirmar que a Grécia chegou a essa situação por sua própria culpa e que, portanto, deve arcar com as consequências sozinha. Os países europeus contribuíram para que se chegasse a essa situação. Permitiram sua entrada na união monetária embora tivesse problemas estruturais, apesar de seu orçamento fiscal ser apenas uma peça de ficção. Fecharam os olhos quando os bancos alemães e franceses emprestaram muito para a Grécia. Os outros países europeus são também responsáveis e agora devem ajudar com dinheiro, fazer empréstimos com juros baixos, essas coisas. Com ajuda, a dor será tolerável, mas concordo que não se sabe o que acontecerá se não houver ajuda.
Valor:
AP
A Alemanha de Angela Merkel, hoje em situação privilegiada na economia europeia, terá papel primordial nos arranjos para ajuda à Grécia
Não é um problema para a sobrevivência do euro que alguns de seus membros entrem em "default"?
Eichengreen: A união monetária pode funcionar muito bem. Quando houve problemas fiscais em Estados brasileiros, na década de 1990, não houve rompimento na união monetária brasileira. Quando o Orange County entrou em "default" nos anos 1990, o Estado da Califórnia não deixou o dólar. As pessoas vão voltar a prestar mais atenção aos riscos dentro da união monetária, e isso é muito bom.
Valor: Outros países, do Leste Europeu, vão se juntar ao euro depois dessa crise?
Eichengreen: Vão primeiro ver o que acontece. No fim das contas, o que eles querem é que as falhas na União Europeia sejam corrigidas.
Valor: Pode-se esperar uma regra fiscal mais dura na Europa?
Eichengreen: É como o debate aqui nos Estados Unidos sobre aumentar o teto da dívida pública. A alternativa de não fazê-lo é muito assustadora para se levar em consideração. A Europa precisa completar sua união monetária, porque a alternativa de não fazê-lo é simplesmente assustadora, é mais caos econômico, financeiro e político. Eles terão que consertar a regulação e supervisão bancárias, vão ter que consertar o modo como monitoram as finanças públicas e os desequilíbrios privados.
Valor: Existe um risco, mesmo que pequeno, de o euro ser dissolvido?
Eichengreen: Não acho que podemos descartar isso. O cenário mais provável é que os políticos europeus percebam que precisam avançar. Os 50 anos de história da Europa dizem que, sempre que eles estão diante da escolha de ir adiante ou recuar, vão adiante e aprofundam a integração. É mais difícil agora, porque há uma nova geração de líderes, as circunstâncias mudaram. Mas continuo a achar que vão chegar a um acordo político.
Valor: Ainda se pode imaginar o euro como uma moeda de reserva internacional?
Eichengreen: Num cenário em que se consertam as falhas da união monetária, sim. Daqui a dez anos teremos três grandes economias no mundo, os Estados Unidos, a Europa e a China, e três moedas, o dólar, o euro e o yuan.
Entrevista: A Europa precisa da Grécia de alguma forma recuperada, seja qual for o preço a pagar para todos saírem da crise, diz Barry Eichengreen.
Nas mãos de Atenas
Alex Ribeiro | De Washington
22/07/2011
Eichengreen: "Foi um erro criar uma união monetária incluindo esses países mais fracos (com) um só banco central, sem criar fundos de socorro e mecanismos de disciplina fiscal"
Cada país infeliz da Zona do Euro é infeliz à sua própria maneira, por excesso de dívida pública, privada ou bancária, ou por falta de crescimento econômico. Mas todos devem se manter juntos na união monetária, porque abandoná-la traria consequências devastadoras
Em entrevista ao Valor, um dos mais respeitados estudiosos dos sistemas monetários internacionais, o economista Barry Eichengreen, da Universidade da Califórina, em Berkeley, usa a primeira frase do romance "Anna Karenina", do escritor russo Leon Tolstoi, para explicar as mazelas econômicas que levaram a Europa à crise atual. "Cada família infeliz é infeliz do seu próprio jeito", afirma Eichengreen. "Cada país europeu é infeliz à sua maneira."
Agora que a Europa caminha para reestruturar a dívida pública da Grécia, muitos duvidam que o país permanecerá na Zona do Euro. Custos e salários estão muito altos, e a saída natural seria uma desvalorização cambial para recuperar a competitividade das exportações.
Outra alternativa é deflacionar custos e salários, mas esse processo é lento e doloroso. A economia grega caiu 7,5% desde o pico de seu PIB, em 2008, o desemprego supera 16%, mas a taxa real de câmbio do país se desvalorizou apenas 6% nos últimos 12 meses. Alguns economistas estimam que o ajuste cambial terá que ser quatro ou cinco vezes maior que isso.
A eventual notícia de que o governo grego estaria cogitando a volta ao dracma provocaria "a maior e mais violenta crise que o mundo já viu"
Eichengreen diz que, apesar de todo o esforço que o ajuste exigirá, a Grécia permanecerá integrada ao euro, porque a alternativa de deixá-lo é simplesmente assustadora, com inevitável caos econômico, financeiro e político. Em qualquer hipótese, o país terá que receber ajuda da Europa para sair do nó cambial. "Os 50 anos de história da Europa dizem que, sempre que eles estão diante da escolha de ir adiante ou recuar, eles vão adiante e aprofundam a integração", observa Eichengreen.
Valor: O que levou a Europa à situação atual?
Barry Eichengreen: Como diz a primeira frase do livro "Anna Karenina", cada família infeliz é infeliz do seu próprio jeito. Cada país europeu é infeliz à sua maneira. Na Grécia, é a dívida pública; em Portugal, a dívida privada; na Irlanda, a dívida bancária; na Espanha, a combinação disso tudo; na Itália, a incapacidade de a economia crescer. Mas a crise foi agravada pela incapacidade das autoridades europeias em conter sérios problemas na Grécia. Isso permitiu que se alastrassem dúvidas sobre outros países.
Valor: O problema não seria o euro?
Eichengreen: O euro é parte disso. Ele contribuiu para o desenvolvimentos de muitos dos problemas. A Grécia teve permissão para ingressar no euro e os investidores, por muito tempo, acharam que esse seria um bom país para investir. Eles ignoraram os problemas fiscais, viram a entrada no euro como uma espécie de selo de qualidade e emprestaram à vontade, sem se preocupar com os riscos. E agora, quando a crise surgiu, ser membro do euro fecha uma das alternativas que países tradicionalmente usaram para se ajustar e sair de crises: desvalorizar a moeda. Essa não é uma opção ao alcance. Foi um erro criar uma grande união monetária incluindo esses países relativamente mais fracos, como a Grécia. Também foi um problema criar uma união monetária com uma só moeda e um só banco central, sem criar fundos adequados de socorro e mecanismos apropriados de disciplina fiscal.
Valor: O euro é o culpado pelo baixo crescimento econômico da Europa na última década?
Bloomberg
"O ajuste será doloroso", prevê Eichengreen, numa Grécia em que se multiplicam os protestos de rua contra medidas que já vão sendo tomadas pelo governo
Eichengreen: Se você olhar a produção por hora de trabalho, a Europa tem se saído igual aos Estados Unidos. A Europa é diferente dos Estados Unidos porque lá as pessoas trabalham menos horas. A Europa também tem uma demografia diferente, a população e a força de trabalho têm crescido menos. Mas sua produtividade tem crescido no mesmo ritmo que nos Estados Unidos. Alguns países europeus, como a Alemanha, se saíram até melhor que os Estados Unidos na última década. Em outros, como Portugal e Itália, a produtividade se manteve estagnada. Isso ocorreu porque há rigidez nas economias domésticas, eles têm mercados de trabalho bastante regulados. Além disso, tem a China, que tomou o mercado de produtos que esses países europeus produziam e exportavam, como têxteis e roupas. Não colocaria a culpa no euro. Mas o fato de que esses países puderam tomar tanto dinheiro emprestado a preços tão baixos, em virtude de estarem na Zona do Euro, permitiu que adiassem a decisão de lidar com esses problemas.
Valor: Existe algo em comum com os problemas que surgiram com os regimes de câmbio fixo da América Latina nos anos 1990?
Eichengreen: Vejo algo em comum com a Argentina e o Brasil da década de 1990. Um sistema de câmbio fixo não garante disciplina fiscal. Com a taxa de câmbio fixo, às vezes os investidores não veem os riscos, não veem movimentos na moeda, não veem inflação. Pressupõem que tudo está bem, quando nem sempre está. De fato, há semelhanças entre a Argentina com o "currency board" de antes de 2001 e o efeito do euro em Portugal, Grécia e Irlanda. Mas também há diferenças. Se você tem um "currency board", você ainda tem sua própria moeda, então pode decidir mudar sua taxa de câmbio se as coisas não saem bem. A Grécia não tem essa opção. Teria que reintroduzir o dracma (a antiga moeda) para desvalorizar o câmbio e isso poderia ser muito difícil tecnicamente, financeiramente e politicamente, até mais difícil do que o abandono do "currency board" pela Argentina em 2001.
Valor: Por quê?
Eichengreen: Isso teria que ser debatido no parlamento grego, eles teriam que passar uma legislação para reintroduzir o dracma. Na primeira manhã em que as pessoas ouvirem que há um debate do gênero, vão tirar todo o dinheiro dos bancos gregos e enviar para Frankfurt. Iriam vender os títulos gregos e aplicar o dinheiro em títulos alemães. Essa seria a maior e mais violenta crise que o mundo já viu. Exigiria que a Grécia fechasse seu sistema bancário e financeiro. Além disso, teria toda a dificuldade técnica de reescrever os programas de computadores usados pelos bancos. Levou dois anos para eles prepararem os computadores para entrar no euro, entre 1999 e 2001. O tratado da União Europeia não prevê que um país saia da zona do euro. A única maneira de fazer isso é sair da União Europeia, o que colocaria em perigo toda a relação da Grécia com o resto da Europa. E, finalmente, o ponto mais importante é que uma eventual saída da Grécia do euro iria incutir na cabeça das pessoas a ideia de que outros países poderão fazer o mesmo. É algo que colocaria em perigo toda a estabilidade do euro. Acho que se parceiros da Grécia na Zona do Euro - a Alemanha, a França e outros -, virem que a Grécia considera deixar o euro, automaticamente vão lhe dar mais ajuda, para evitar colocar todo o projeto em perigo.
"O cenário mais provável é que os políticos europeus percebam que precisam avançar. [Acho que] vão chegar a um acordo"
Valor: Que tipo de solução se pode esperar para a dívida grega?
Eichengreen: Podemos esperar três tipos de coisas. Primeiro, a dívida publica será reestruturada porque o país não é capaz de pagá-la. Segundo, como grande parte da dívida pública está nas mãos de bancos locais, a Grécia precisará de ajuda da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para os recapitalizar. Terceiro, o Banco Central Europeu terá que evitar que a reestruturação na Grécia leve ao receio de reestruturação em outros países da Europa. O BCE terá que comprar títulos da Espanha, Itália e de outros países europeus no mercado secundário, para evitar que os "spreads" disparem.
Valor: Na América Latina, sempre que houve reestruturação de dívidas, teve-se também desvalorização da moeda, para recuperar o crescimento econômico. Isso será possível para a Grécia?
Eichengreen: Será difícil para a Grécia crescer em qualquer circunstância. Será mais difícil do que para a América Latina nos anos 1990, depois do Plano Brady, porque não há a opção da desvalorização. Existem dois tipos de desvalorização. Desvalorização [nominal] da moeda ou desvalorização interna. Na desvalorização interna, você tem que reduzir salários e benefícios e outros custos em 20% ou 30%. Isso é o que a Grécia será forçada a fazer, com ajuda de fora. Aí poderá crescer. A Grécia pode desenvolver uma produção agrícola de alto valor agregado. Por que a Itália e a França são conhecidos por produzir vinhos de alta qualidade e a Grécia não? A Grécia pode se tornar uma produtora de vinhos, azeites e outros produtos com sua própria marca. Também pode exportar energias limpas, porque está localizada numa região apropriada para usinas solares e eólicas. Também pode desenvolver sua indústria de turismo ou se tornar um portal de distribuição de produtos no Mediterrâneo.
Valor: Deflacionar salários não seria um processo muito longo e doloroso?
Eichengreen: É por isso que a Grécia precisa da ajuda de fora. O ajuste será doloroso. Mas não é correto afirmar que a Grécia chegou a essa situação por sua própria culpa e que, portanto, deve arcar com as consequências sozinha. Os países europeus contribuíram para que se chegasse a essa situação. Permitiram sua entrada na união monetária embora tivesse problemas estruturais, apesar de seu orçamento fiscal ser apenas uma peça de ficção. Fecharam os olhos quando os bancos alemães e franceses emprestaram muito para a Grécia. Os outros países europeus são também responsáveis e agora devem ajudar com dinheiro, fazer empréstimos com juros baixos, essas coisas. Com ajuda, a dor será tolerável, mas concordo que não se sabe o que acontecerá se não houver ajuda.
Valor:
AP
A Alemanha de Angela Merkel, hoje em situação privilegiada na economia europeia, terá papel primordial nos arranjos para ajuda à Grécia
Não é um problema para a sobrevivência do euro que alguns de seus membros entrem em "default"?
Eichengreen: A união monetária pode funcionar muito bem. Quando houve problemas fiscais em Estados brasileiros, na década de 1990, não houve rompimento na união monetária brasileira. Quando o Orange County entrou em "default" nos anos 1990, o Estado da Califórnia não deixou o dólar. As pessoas vão voltar a prestar mais atenção aos riscos dentro da união monetária, e isso é muito bom.
Valor: Outros países, do Leste Europeu, vão se juntar ao euro depois dessa crise?
Eichengreen: Vão primeiro ver o que acontece. No fim das contas, o que eles querem é que as falhas na União Europeia sejam corrigidas.
Valor: Pode-se esperar uma regra fiscal mais dura na Europa?
Eichengreen: É como o debate aqui nos Estados Unidos sobre aumentar o teto da dívida pública. A alternativa de não fazê-lo é muito assustadora para se levar em consideração. A Europa precisa completar sua união monetária, porque a alternativa de não fazê-lo é simplesmente assustadora, é mais caos econômico, financeiro e político. Eles terão que consertar a regulação e supervisão bancárias, vão ter que consertar o modo como monitoram as finanças públicas e os desequilíbrios privados.
Valor: Existe um risco, mesmo que pequeno, de o euro ser dissolvido?
Eichengreen: Não acho que podemos descartar isso. O cenário mais provável é que os políticos europeus percebam que precisam avançar. Os 50 anos de história da Europa dizem que, sempre que eles estão diante da escolha de ir adiante ou recuar, vão adiante e aprofundam a integração. É mais difícil agora, porque há uma nova geração de líderes, as circunstâncias mudaram. Mas continuo a achar que vão chegar a um acordo político.
Valor: Ainda se pode imaginar o euro como uma moeda de reserva internacional?
Eichengreen: Num cenário em que se consertam as falhas da união monetária, sim. Daqui a dez anos teremos três grandes economias no mundo, os Estados Unidos, a Europa e a China, e três moedas, o dólar, o euro e o yuan.
terça-feira, 12 de julho de 2011
Itália é a bola da vez
A Itália é a bola da vez a ser arrastada para a crise da divida soberana que atinge a zona do Euro. Irlanda, Grécia, Portugal, evitaram a quebradeira socorrendo-se de empréstimos ao FMI e Banco Central Europeu, pagando o preço salgado do ajuste fiscal. Espanha vai se arrastando, mergulhada na crise econômica, cujos resultados é um elevado desemprego, que chega a 20% da população economicamente ativa.
Agora é a vez da Itália. Esse pais tem uma combinação explosiva: um governo desacreditado, sem poder de fogo para imprimir um ritmo de reformas fiscais, somado a uma divida publica que atinge 120% do seu PIB. É muito elevada, sem duvida.
Clóvis Rossi argumenta em artigo hoje na Folha de São Paulo que há muito tempo a Itália carrega esse fardo, de uma divida publica elevada, sem que isso tenha gerado crise. Que trata-se de os tubarões dos mercados financeiros investirem contra a economia desse pais para auferir ganhos. Ok, concordemos co o Clóvis Rossi ! Ele tem razão! Mas o fato é que isso não vai livrar a Itália de ser a próxima vitima. E o pior: é a terceira economia da Europa. Imagine o tsunami que está a caminho.
Agora é a vez da Itália. Esse pais tem uma combinação explosiva: um governo desacreditado, sem poder de fogo para imprimir um ritmo de reformas fiscais, somado a uma divida publica que atinge 120% do seu PIB. É muito elevada, sem duvida.
Clóvis Rossi argumenta em artigo hoje na Folha de São Paulo que há muito tempo a Itália carrega esse fardo, de uma divida publica elevada, sem que isso tenha gerado crise. Que trata-se de os tubarões dos mercados financeiros investirem contra a economia desse pais para auferir ganhos. Ok, concordemos co o Clóvis Rossi ! Ele tem razão! Mas o fato é que isso não vai livrar a Itália de ser a próxima vitima. E o pior: é a terceira economia da Europa. Imagine o tsunami que está a caminho.
segunda-feira, 4 de julho de 2011
EUA e Japão ajudam, mas China segue devendo, conjuntura econômica do repórter Eduardo Campos para jornal Valor
Com a Grécia fora do radar, o foco dos investidores agora é outro e os primeiros sinais de que o segundo semestre pode apresentar maior crescimento econômico já começaram a aparecer.
Nos Estados Unidos, o ISM industrial surpreendeu para cima, se somando ao índice de atividade em Chicago. O que não agradou muito, mas não fez preço, foi a queda da confiança do consumidor.
O Japão também começa a respirar após a devastação promovida pelo terremoto, tsunami e desastre nuclear.
A produção industrial teve a maior retomada em 50 anos durante o mês de maio. E embora a pesquisa Tankan com grandes industriais tenha mostrado um número maior de pessimistas do que de otimistas, as empresas japonesas pretendem contratar e investir mais nos próximos meses.
Essa percepção de melhora, mesmo que incipiente, está entre as explicações para o desempenho positivo das bolsas, que tanto aqui quanto em Nova York tiveram a melhor semana do ano, e para a queda do dólar antes seus principais rivais.
Dólar volta a 1999, mas não desperta ameaças do governo
Mas nem todos os sinais foram francamente positivos.
A China continua desacelerando. Dois indicadores, sendo um oficial e outro privado, mostram retração da atividade fabril em junho. Os índices, no entanto, ainda estão acima dos 50 pontos, linha que separa crescimento de retração.
Tal comportamento não surpreende muito, já que o Banco Central chinês tomou uma série de medidas para que isso acontecesse.
Fica a dúvida, no entanto, de até quando essa desaceleração perdura. Pergunta de grande importância para o mercado brasileiro, tendo em vista a estreita correlação entre a economia local e a chinesa.
No limite, uma desaceleração prolongada da economia chinesa poderia tirar força das commodities, o que prejudica as exportações brasileiras, tanto por volume quanto por preços relativos.
Esse mesmo cenário tira brilho do mercado de ações, já que empresas ligadas às matérias-primas respondem por cerca de 50% do Ibovespa.
A fotografia desse momento mostra sinais conflitantes. Retomada nos EUA e baixa na China. Vale lembrar que a evolução desse quadro é importante, mas não determinante, já que as notícias ganham a interpretação que melhor convém dependendo do humor dos mercados.
Nos Estados Unidos, a confiança na recuperação pode ganhar força, ou ir morro abaixo, dependendo dos dados sobre o mercado de trabalho. A criação de vagas de junho será conhecida na sexta-feira, bem como a taxa de desemprego.
Aqui no para o mercado local, a semana deve começar morna, já que Wall Street, nosso principal referencial externo, não opera em função de feriado.
Na agenda local, o ponto alto é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de junho. Não deve haver deflação, mas um número próximo de 0,10%.
Na Europa, Banco Central Europeu (BCE) e Banco da Inglaterra (BoE) têm reuniões de política monetária.
No Reino Unido a taxa básica deve permanecer em 0,5% ao ano. Já na zona do euro a previsão é de alta de 0,25 ponto, com o juro básico avançando de 1,25% para 1,50%. Tal consenso foi formado na semana passada após declarações do presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, que falou que o banco está em modo de "forte vigilância".
Na sexta-feira, os vendedores não deram trégua e o dólar caiu a R$ 1,558, baixa de 0,25%, e menor preço desde 19 de janeiro de 1999. Na semana, a moeda perdeu 2,87%.
A ideia de que algum repique de alta acontecerá no curto prazo segue válida. Na sexta-feira, essa expectativa pegou gente no "pé trocado". Alguns agentes dormiram comprados de quinta para a sexta-feira esperando o repique. Até houve um ensaio de alta, mas, como ele não se confirmou, esses agentes se viram obrigados a zerar posições. Algo que somou pressão de venda ao longo do pregão.
Chama atenção o silêncio do governo (ao menos até o momento), já que das últimas vezes que o dólar flertou com o R$ 1,55, foram feitas ameaças de novas medidas restritivas. Seja oficialmente ou via noticiário atribuído a "fontes próximas" a alguém importante.
No mercado de juros futuros, a puxada de alta de fim de mês foi devolvida na abertura de julho. Os contratos de prazo mais dilatado ajustaram para baixo, no que foi classificado de realização de lucros.
Olhando os vencimentos curtos, parece que a aposta de que o ajuste da Selic vai até agosto continua atraindo novos adeptos. Para o encontro de 20 julho do Comitê de Política Monetária (Copom) já está contratada alta de 0,25 ponto, que traria o juro básico para 12,50%.
Nos Estados Unidos, o ISM industrial surpreendeu para cima, se somando ao índice de atividade em Chicago. O que não agradou muito, mas não fez preço, foi a queda da confiança do consumidor.
O Japão também começa a respirar após a devastação promovida pelo terremoto, tsunami e desastre nuclear.
A produção industrial teve a maior retomada em 50 anos durante o mês de maio. E embora a pesquisa Tankan com grandes industriais tenha mostrado um número maior de pessimistas do que de otimistas, as empresas japonesas pretendem contratar e investir mais nos próximos meses.
Essa percepção de melhora, mesmo que incipiente, está entre as explicações para o desempenho positivo das bolsas, que tanto aqui quanto em Nova York tiveram a melhor semana do ano, e para a queda do dólar antes seus principais rivais.
Dólar volta a 1999, mas não desperta ameaças do governo
Mas nem todos os sinais foram francamente positivos.
A China continua desacelerando. Dois indicadores, sendo um oficial e outro privado, mostram retração da atividade fabril em junho. Os índices, no entanto, ainda estão acima dos 50 pontos, linha que separa crescimento de retração.
Tal comportamento não surpreende muito, já que o Banco Central chinês tomou uma série de medidas para que isso acontecesse.
Fica a dúvida, no entanto, de até quando essa desaceleração perdura. Pergunta de grande importância para o mercado brasileiro, tendo em vista a estreita correlação entre a economia local e a chinesa.
No limite, uma desaceleração prolongada da economia chinesa poderia tirar força das commodities, o que prejudica as exportações brasileiras, tanto por volume quanto por preços relativos.
Esse mesmo cenário tira brilho do mercado de ações, já que empresas ligadas às matérias-primas respondem por cerca de 50% do Ibovespa.
A fotografia desse momento mostra sinais conflitantes. Retomada nos EUA e baixa na China. Vale lembrar que a evolução desse quadro é importante, mas não determinante, já que as notícias ganham a interpretação que melhor convém dependendo do humor dos mercados.
Nos Estados Unidos, a confiança na recuperação pode ganhar força, ou ir morro abaixo, dependendo dos dados sobre o mercado de trabalho. A criação de vagas de junho será conhecida na sexta-feira, bem como a taxa de desemprego.
Aqui no para o mercado local, a semana deve começar morna, já que Wall Street, nosso principal referencial externo, não opera em função de feriado.
Na agenda local, o ponto alto é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de junho. Não deve haver deflação, mas um número próximo de 0,10%.
Na Europa, Banco Central Europeu (BCE) e Banco da Inglaterra (BoE) têm reuniões de política monetária.
No Reino Unido a taxa básica deve permanecer em 0,5% ao ano. Já na zona do euro a previsão é de alta de 0,25 ponto, com o juro básico avançando de 1,25% para 1,50%. Tal consenso foi formado na semana passada após declarações do presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, que falou que o banco está em modo de "forte vigilância".
Na sexta-feira, os vendedores não deram trégua e o dólar caiu a R$ 1,558, baixa de 0,25%, e menor preço desde 19 de janeiro de 1999. Na semana, a moeda perdeu 2,87%.
A ideia de que algum repique de alta acontecerá no curto prazo segue válida. Na sexta-feira, essa expectativa pegou gente no "pé trocado". Alguns agentes dormiram comprados de quinta para a sexta-feira esperando o repique. Até houve um ensaio de alta, mas, como ele não se confirmou, esses agentes se viram obrigados a zerar posições. Algo que somou pressão de venda ao longo do pregão.
Chama atenção o silêncio do governo (ao menos até o momento), já que das últimas vezes que o dólar flertou com o R$ 1,55, foram feitas ameaças de novas medidas restritivas. Seja oficialmente ou via noticiário atribuído a "fontes próximas" a alguém importante.
No mercado de juros futuros, a puxada de alta de fim de mês foi devolvida na abertura de julho. Os contratos de prazo mais dilatado ajustaram para baixo, no que foi classificado de realização de lucros.
Olhando os vencimentos curtos, parece que a aposta de que o ajuste da Selic vai até agosto continua atraindo novos adeptos. Para o encontro de 20 julho do Comitê de Política Monetária (Copom) já está contratada alta de 0,25 ponto, que traria o juro básico para 12,50%.
terça-feira, 28 de junho de 2011
Os emergentes dos emergentes, Marcelo Neri, para o jornal Valor
Os emergentes dos emergentes
Marcelo Côrtes Neri
28/06/2011
Achamada nova classe média tem ocupado destaque na agenda das empresas privadas, dos gestores públicos, dos políticos e dos demais mortais no Brasil como em outros lugares. A pesquisa homônima a este artigo encontrada em www.fgv.br/cps/brics foi lançada ontem no seminário Oportunidades para Maioria, do BID, que visa formentar negócios na base da pirâmide. Abrimos a nova classe média brasileira pelas dimensões globais, nacionais, locais e atuais. Senão vejamos:
Global - Inicialmente, analisamos diferenças e semelhanças de grupos emergentes entre países emergentes. Especial destaque é dado ao grupo dos Brics, contrastando elementos diversos:
Quanto o crescimento macroeconômico se reflete no bolso do cidadão comum? O Brasil mais do que outros Brics, apresentou um crescimento de pesquisas domiciliares 11,3 pontos de porcentagem superior ao PIB acumulada no período 2003 a 2009. A novidade é que essa diferença tem aumentado. Mesmo no caso do "pibão" de 2010, que cresceu a 6,5% per capita contra 9.6% da renda da PME, a desaceleração do PIB do começo de 2011 não se reflete ainda no mercado de trabalho metropolitano em 2011 onde a renda domiciliar per capita do trabalho cresce a 6.1% acima novamente do PIB.
Abrimos a nova classe média brasileira pelas dimensões globais, nacionais, locais e atuais
Quem melhora mais em cada país: a base ou o topo da distribuição de renda? Para além da média, essas mesmas pesquisas permitem ver que a desigualdade de renda cai aqui e aumenta alhures. No Brasil já cai há dez anos seguidos, já entrando no 11º ano. Os 20% mais ricos do Brasil tiveram na década passada um crescimento inferior ao dos 20% mais ricos de todos os demais Brics, já nos 20% mais pobres acontece o oposto.
Para além de melhoras objetivas, como estão atitudes e expectativas das pessoas em relação ao presente e ao futuro?
Segundo o Gallup World Poll, o grau de satisfação com a vida no Brasil em 2009 era 8,7 numa escala de 0 a 10. Superamos os demais: África do Sul (5,2), Rússia (5,2), China (4,5) e India (4,5). Mais do que isso, o Brasil é o único dos BRICS que melhora no ranking mundial de felicidade, saindo do 22º lugar em 2006 para 17º em 2009 entre 144 países.
O Brasil é o recordista mundial de felicidade futura. Numa escala de 0 a 10, o brasileiro dá uma nota média de 8,70 à sua expectativa de satisfação com a vida em 2014 superando todos os demais 146 países da amostra cuja mediana é 5,6. Essa interpretação permite entender o Brasil: "o país do futuro" criada a exatos 70 anos atrás por Stefan Zweig. O sonho representa o espírito da nova classe média tupiniquim.
Nacional - Quanto cresceu em termos líquidos diferentes estratos econômicos da sociedade brasileira no período recente?
Desde 2003 um total de 50 milhões de pessoas - mais do que uma Espanha - se juntaram ao mercado consumidor. Nos últimos 21 meses até maio de 2011 as classes C e AB cresceram 11,1% e 12,8% respectivamente. Neste período 13,3 milhões de brasileiros foram incorporadas às classes ABC, adicionando-se aos 36 milhões que migraram entre 2003 e 2009.
Atual - Indicadores antecedentes sugerem melhoras. A última semana do mês de maio 2011 pela PME Semanal sugere viés de queda para pobreza e viés de alta para a classe AB em relação ao mês completo. Não há sinais de desaceleração trabalhista.
A taxa de redução de desigualdade nos últimos 12 meses é um pouco acima daquele observado nas séries da PNAD entre 2001 e 2009 no período de marcada redução da desigualdade. O comportamento anticíclico da desigualdade sugere a ausência de dilemas equidade versus eficiência no período sob análise.
Empregos Formais - O grande símbolo da nova classe média é a carteira de trabalho. Entre janeiro e abril de 2011 houve a criação líquida de 798 mil novos postos de trabalhos, o terceiro melhor desempenho desde 2000, ficando abaixo do mesmo período em 2010 (962 mil) e 2008 (849 mil). Não há sinal de desaquecimento trabalhista.
Local - Qual é a recordista de nova classe média? Onde a pobreza e a riqueza são maiores?
O município mais classe A é Niterói com 30,7% na elite econômica. Depois vem Florianópolis (27,7%), Vitória (26,9%), São Caetano (26,5%), Porto Alegre (25,3%), Brasília (24,3%) e Santos (24,1%).
Se formos menos elitistas e incluirmos as classes B e C no páreo, o município gaúcho de Westfália apresenta a maior classe ABC com 94,2% nas Classes ABC. Quase todos os 30 municípios com maiores participações nas classes ABC estão na região Sul do país, fruto da menor desigualdade de renda lá observada.
Quais são as prescrições de políticas para a nova classe média brasileira?
É preciso "Dar o mercado aos pobres", completando o movimento dos últimos anos quando pelas vias da queda da desigualdade "demos os pobres aos mercados (consumidores)". "Dar o mercado" significa acima de tudo melhorar o acesso das pessoas ao mercado de trabalho. Os fundamentos do crescimento econômico e as reformas associadas são fundamentais aqui. A educação regular e profissional funciona como passaporte para o trabalho. O desafio é combinar as virtudes do Estado com as virtudes dos mercados, sem esquecer de evitar as falhas de cada um dos lados.
Marcelo Côrtes Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, Fundação Getulio Vargas. Autor dos livros "Ensaios Sociais", "Cobertura Previdenciária: Diagnóstico e Propostas" e "Microcrédito, o Mistério Nordestino e o Grammen brasileiro". mcneri@fgv.br.
Marcelo Côrtes Neri
28/06/2011
Achamada nova classe média tem ocupado destaque na agenda das empresas privadas, dos gestores públicos, dos políticos e dos demais mortais no Brasil como em outros lugares. A pesquisa homônima a este artigo encontrada em www.fgv.br/cps/brics foi lançada ontem no seminário Oportunidades para Maioria, do BID, que visa formentar negócios na base da pirâmide. Abrimos a nova classe média brasileira pelas dimensões globais, nacionais, locais e atuais. Senão vejamos:
Global - Inicialmente, analisamos diferenças e semelhanças de grupos emergentes entre países emergentes. Especial destaque é dado ao grupo dos Brics, contrastando elementos diversos:
Quanto o crescimento macroeconômico se reflete no bolso do cidadão comum? O Brasil mais do que outros Brics, apresentou um crescimento de pesquisas domiciliares 11,3 pontos de porcentagem superior ao PIB acumulada no período 2003 a 2009. A novidade é que essa diferença tem aumentado. Mesmo no caso do "pibão" de 2010, que cresceu a 6,5% per capita contra 9.6% da renda da PME, a desaceleração do PIB do começo de 2011 não se reflete ainda no mercado de trabalho metropolitano em 2011 onde a renda domiciliar per capita do trabalho cresce a 6.1% acima novamente do PIB.
Abrimos a nova classe média brasileira pelas dimensões globais, nacionais, locais e atuais
Quem melhora mais em cada país: a base ou o topo da distribuição de renda? Para além da média, essas mesmas pesquisas permitem ver que a desigualdade de renda cai aqui e aumenta alhures. No Brasil já cai há dez anos seguidos, já entrando no 11º ano. Os 20% mais ricos do Brasil tiveram na década passada um crescimento inferior ao dos 20% mais ricos de todos os demais Brics, já nos 20% mais pobres acontece o oposto.
Para além de melhoras objetivas, como estão atitudes e expectativas das pessoas em relação ao presente e ao futuro?
Segundo o Gallup World Poll, o grau de satisfação com a vida no Brasil em 2009 era 8,7 numa escala de 0 a 10. Superamos os demais: África do Sul (5,2), Rússia (5,2), China (4,5) e India (4,5). Mais do que isso, o Brasil é o único dos BRICS que melhora no ranking mundial de felicidade, saindo do 22º lugar em 2006 para 17º em 2009 entre 144 países.
O Brasil é o recordista mundial de felicidade futura. Numa escala de 0 a 10, o brasileiro dá uma nota média de 8,70 à sua expectativa de satisfação com a vida em 2014 superando todos os demais 146 países da amostra cuja mediana é 5,6. Essa interpretação permite entender o Brasil: "o país do futuro" criada a exatos 70 anos atrás por Stefan Zweig. O sonho representa o espírito da nova classe média tupiniquim.
Nacional - Quanto cresceu em termos líquidos diferentes estratos econômicos da sociedade brasileira no período recente?
Desde 2003 um total de 50 milhões de pessoas - mais do que uma Espanha - se juntaram ao mercado consumidor. Nos últimos 21 meses até maio de 2011 as classes C e AB cresceram 11,1% e 12,8% respectivamente. Neste período 13,3 milhões de brasileiros foram incorporadas às classes ABC, adicionando-se aos 36 milhões que migraram entre 2003 e 2009.
Atual - Indicadores antecedentes sugerem melhoras. A última semana do mês de maio 2011 pela PME Semanal sugere viés de queda para pobreza e viés de alta para a classe AB em relação ao mês completo. Não há sinais de desaceleração trabalhista.
A taxa de redução de desigualdade nos últimos 12 meses é um pouco acima daquele observado nas séries da PNAD entre 2001 e 2009 no período de marcada redução da desigualdade. O comportamento anticíclico da desigualdade sugere a ausência de dilemas equidade versus eficiência no período sob análise.
Empregos Formais - O grande símbolo da nova classe média é a carteira de trabalho. Entre janeiro e abril de 2011 houve a criação líquida de 798 mil novos postos de trabalhos, o terceiro melhor desempenho desde 2000, ficando abaixo do mesmo período em 2010 (962 mil) e 2008 (849 mil). Não há sinal de desaquecimento trabalhista.
Local - Qual é a recordista de nova classe média? Onde a pobreza e a riqueza são maiores?
O município mais classe A é Niterói com 30,7% na elite econômica. Depois vem Florianópolis (27,7%), Vitória (26,9%), São Caetano (26,5%), Porto Alegre (25,3%), Brasília (24,3%) e Santos (24,1%).
Se formos menos elitistas e incluirmos as classes B e C no páreo, o município gaúcho de Westfália apresenta a maior classe ABC com 94,2% nas Classes ABC. Quase todos os 30 municípios com maiores participações nas classes ABC estão na região Sul do país, fruto da menor desigualdade de renda lá observada.
Quais são as prescrições de políticas para a nova classe média brasileira?
É preciso "Dar o mercado aos pobres", completando o movimento dos últimos anos quando pelas vias da queda da desigualdade "demos os pobres aos mercados (consumidores)". "Dar o mercado" significa acima de tudo melhorar o acesso das pessoas ao mercado de trabalho. Os fundamentos do crescimento econômico e as reformas associadas são fundamentais aqui. A educação regular e profissional funciona como passaporte para o trabalho. O desafio é combinar as virtudes do Estado com as virtudes dos mercados, sem esquecer de evitar as falhas de cada um dos lados.
Marcelo Côrtes Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, Fundação Getulio Vargas. Autor dos livros "Ensaios Sociais", "Cobertura Previdenciária: Diagnóstico e Propostas" e "Microcrédito, o Mistério Nordestino e o Grammen brasileiro". mcneri@fgv.br.
segunda-feira, 27 de junho de 2011
O Brasil ousa novamente, José Graziano da Silva, para o jornal Valor
O Brasil ousa novamente
José Graziano da Silva
24/06/2011
A elaboração do plano Brasil Sem Miséria, lançado no início de junho, contou com a participação de dezenas de órgãos, gestores e especialistas. O resultado foi uma estrutura bem desenhada, abrangente, mas ao mesmo tempo assentada em metas claras. Esse processo, bem como a experiência acumulada durante os dois governos do presidente Lula, serve de referência para outros países também debruçados em reduzir a miséria e a fome.
Primeiro, é preciso definir um público e ter metas realistas. Isso foi feito com a expertise do IBGE, que, a partir da linha de pobreza extrema definida pelo governo federal, fixou uma metodologia que revelou a existência de 16,2 milhões de pessoas - cerca de cinco milhões de famílias - como público prioritário do programa.
A luta contra a fome pavimentou um poderoso mercado de massa, algo que foi menosprezado durante décadas
Segundo, é necessário caracterizar o público, conhecê-lo e analisar os determinantes da persistente exclusão. O Plano radiografou a face dessa pobreza, que muitos conheciam, mas não a sua exata magnitude e localização territorial. Alguns parâmetros obtidos: as áreas de concentração da miséria são as mesmas onde há déficit de provisão de serviços, como acesso à água e saneamento; metade dessa pobreza está nas áreas rurais; a maioria das pessoas tem descendência negra; a grande maioria é analfabeta ou não completou o ensino fundamental.
Terceiro, definir como fazer para que as políticas públicas cheguem até essas famílias. O fato é que muitas iniciativas, sejam elas de transferência de renda, de crédito ou de qualificação não atingem ou nem sempre estão adequadas a esse público.
Foi preciso elencar um conjunto de políticas, algumas novas outras já existentes para "chegar" até elas e, como diz a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, pegá-las pela mão, trazendo-as para dentro da política pública. Em seguida, identificar suas inúmeras carências - a falta de documentação, de educação formal, e até de um par de óculos.
O pulo do gato do programa é que ele não simplifica a travessia da exclusão à inclusão. A universalização do Bolsa Família a quem realmente necessita é associada a políticas de inclusão produtiva. Não teóricas. Uma referência é o mapa de oportunidades geradas pelas obras do governo federal, bem como a oferta de serviços básicos, a exemplo da assistência social, atendimento básico à saúde, habitação etc.
Essa interação aperfeiçoada é um ativo precioso que foi agregado ao patrimônio das políticas sociais brasileiras nos últimos anos. Ações isoladas ajudam famílias e núcleos isolados. Ações coordenadas de segurança alimentar promovem mudanças significativas, materializando uma dinâmica de desenvolvimento que reconcilia o imperativo social e o produtivo. Se o grande assunto da economia hoje é a força do mercado interno é porque o país soube estender essas linhas de passagem que fazem a interligação entre o amparo à emergência e a superação da lógica que a reproduz.
Na crise mundial iniciada em 2007, as políticas desdobradas do guarda-chuva inicial do Fome Zero - entre elas, a transferência de renda que redundou no Bolsa Família, mas também a expansão e o reforço da merenda escolar, as aquisições diretas da agricultura familiar e a ampliação do Pronaf entre outras- consolidaram a legitimidade da agenda da segurança alimentar em nosso país.
A capacidade que tem a luta contra a fome de pavimentar um poderoso mercado de massa - algo menosprezado durante décadas - conquistou então o devido respaldo estatístico e estratégico. Tornou-se um eixo indissociável da agenda de desenvolvimento.
Uma das primeiras medidas do governo Lula no âmbito do Fome Zero, por exemplo, foi promover a atualização dos valores repassados à merenda escolar. Parecia algo tangencial. Hoje, porém, o Brasil tem um dos maiores programas de merenda escolar do planeta, que atende 47 milhões de crianças e adolescentes diariamente. Seu orçamento é de R$ 3 bilhões, três vezes superior ao de 2003, com uma singularidade adicional: hoje pelo menos 30% desses recursos, obrigatoriamente, se destinam à aquisição de produtos da pequena agricultura local. Adicionou-se assim uma receita cativa de R$ 1 bilhão aos produtores familiares brasileiros, com encadeamentos previsíveis na renda e no consumo rural. Canaliza-se assim uma parcela da demanda adicional de alimentos para um dos segmentos mais carentes da agricultura brasileira, os pequenos produtores, transformando o que era visto como um problema em parte da solução.
O Brasil Sem Miséria pertence, portanto, à mesma cepa de ações integradas que distinguiram a concepção original do programa Fome Zero, dotado agora da estrutura administrativa que faltava antes. Suas ações de inclusão produtiva envolvem um conjunto de iniciativas voltadas para os trabalhadores das áreas urbanas e os residentes rurais, com enfoque territorial para garantir a sinergia entre elas. O Brasil Sem Miséria prevê, inclusive, a qualificação dos servidores que estão na ponta do atendimento público, credenciando-os para lidar com a complexidade destas famílias, identificando suas múltiplas carências e a melhor inserção em ações integradas.
Por último, é importante mencionar o envolvimento dos governos estaduais. Não dá para supor que o governo federal tenha todas as respostas e os instrumentos. A pactuação federativa, politicamente correta, é sobretudo necessária do ponto de vista da gestão. Ter 27 estados trabalhando em prol do mesmo público multiplica pelo mesmo número a possibilidade de êxito da meta. Estamos, portanto, diante de um novo degrau que consolida e aprimora o patrimônio brasileiro de políticas sociais. No Brasil sem Miséria a concepção transversal do combate à exclusão e à desigualdade alia-se à expertise administrativa que isso requer e, sobretudo, ao lastro de legitimidade e apoio político que os avanços anteriores propiciaram, dentro e fora do país.
José Graziano da Silva está licenciado do cargo de Representante Regional da FAO para a América Latina e Caribe
.
José Graziano da Silva
24/06/2011
A elaboração do plano Brasil Sem Miséria, lançado no início de junho, contou com a participação de dezenas de órgãos, gestores e especialistas. O resultado foi uma estrutura bem desenhada, abrangente, mas ao mesmo tempo assentada em metas claras. Esse processo, bem como a experiência acumulada durante os dois governos do presidente Lula, serve de referência para outros países também debruçados em reduzir a miséria e a fome.
Primeiro, é preciso definir um público e ter metas realistas. Isso foi feito com a expertise do IBGE, que, a partir da linha de pobreza extrema definida pelo governo federal, fixou uma metodologia que revelou a existência de 16,2 milhões de pessoas - cerca de cinco milhões de famílias - como público prioritário do programa.
A luta contra a fome pavimentou um poderoso mercado de massa, algo que foi menosprezado durante décadas
Segundo, é necessário caracterizar o público, conhecê-lo e analisar os determinantes da persistente exclusão. O Plano radiografou a face dessa pobreza, que muitos conheciam, mas não a sua exata magnitude e localização territorial. Alguns parâmetros obtidos: as áreas de concentração da miséria são as mesmas onde há déficit de provisão de serviços, como acesso à água e saneamento; metade dessa pobreza está nas áreas rurais; a maioria das pessoas tem descendência negra; a grande maioria é analfabeta ou não completou o ensino fundamental.
Terceiro, definir como fazer para que as políticas públicas cheguem até essas famílias. O fato é que muitas iniciativas, sejam elas de transferência de renda, de crédito ou de qualificação não atingem ou nem sempre estão adequadas a esse público.
Foi preciso elencar um conjunto de políticas, algumas novas outras já existentes para "chegar" até elas e, como diz a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, pegá-las pela mão, trazendo-as para dentro da política pública. Em seguida, identificar suas inúmeras carências - a falta de documentação, de educação formal, e até de um par de óculos.
O pulo do gato do programa é que ele não simplifica a travessia da exclusão à inclusão. A universalização do Bolsa Família a quem realmente necessita é associada a políticas de inclusão produtiva. Não teóricas. Uma referência é o mapa de oportunidades geradas pelas obras do governo federal, bem como a oferta de serviços básicos, a exemplo da assistência social, atendimento básico à saúde, habitação etc.
Essa interação aperfeiçoada é um ativo precioso que foi agregado ao patrimônio das políticas sociais brasileiras nos últimos anos. Ações isoladas ajudam famílias e núcleos isolados. Ações coordenadas de segurança alimentar promovem mudanças significativas, materializando uma dinâmica de desenvolvimento que reconcilia o imperativo social e o produtivo. Se o grande assunto da economia hoje é a força do mercado interno é porque o país soube estender essas linhas de passagem que fazem a interligação entre o amparo à emergência e a superação da lógica que a reproduz.
Na crise mundial iniciada em 2007, as políticas desdobradas do guarda-chuva inicial do Fome Zero - entre elas, a transferência de renda que redundou no Bolsa Família, mas também a expansão e o reforço da merenda escolar, as aquisições diretas da agricultura familiar e a ampliação do Pronaf entre outras- consolidaram a legitimidade da agenda da segurança alimentar em nosso país.
A capacidade que tem a luta contra a fome de pavimentar um poderoso mercado de massa - algo menosprezado durante décadas - conquistou então o devido respaldo estatístico e estratégico. Tornou-se um eixo indissociável da agenda de desenvolvimento.
Uma das primeiras medidas do governo Lula no âmbito do Fome Zero, por exemplo, foi promover a atualização dos valores repassados à merenda escolar. Parecia algo tangencial. Hoje, porém, o Brasil tem um dos maiores programas de merenda escolar do planeta, que atende 47 milhões de crianças e adolescentes diariamente. Seu orçamento é de R$ 3 bilhões, três vezes superior ao de 2003, com uma singularidade adicional: hoje pelo menos 30% desses recursos, obrigatoriamente, se destinam à aquisição de produtos da pequena agricultura local. Adicionou-se assim uma receita cativa de R$ 1 bilhão aos produtores familiares brasileiros, com encadeamentos previsíveis na renda e no consumo rural. Canaliza-se assim uma parcela da demanda adicional de alimentos para um dos segmentos mais carentes da agricultura brasileira, os pequenos produtores, transformando o que era visto como um problema em parte da solução.
O Brasil Sem Miséria pertence, portanto, à mesma cepa de ações integradas que distinguiram a concepção original do programa Fome Zero, dotado agora da estrutura administrativa que faltava antes. Suas ações de inclusão produtiva envolvem um conjunto de iniciativas voltadas para os trabalhadores das áreas urbanas e os residentes rurais, com enfoque territorial para garantir a sinergia entre elas. O Brasil Sem Miséria prevê, inclusive, a qualificação dos servidores que estão na ponta do atendimento público, credenciando-os para lidar com a complexidade destas famílias, identificando suas múltiplas carências e a melhor inserção em ações integradas.
Por último, é importante mencionar o envolvimento dos governos estaduais. Não dá para supor que o governo federal tenha todas as respostas e os instrumentos. A pactuação federativa, politicamente correta, é sobretudo necessária do ponto de vista da gestão. Ter 27 estados trabalhando em prol do mesmo público multiplica pelo mesmo número a possibilidade de êxito da meta. Estamos, portanto, diante de um novo degrau que consolida e aprimora o patrimônio brasileiro de políticas sociais. No Brasil sem Miséria a concepção transversal do combate à exclusão e à desigualdade alia-se à expertise administrativa que isso requer e, sobretudo, ao lastro de legitimidade e apoio político que os avanços anteriores propiciaram, dentro e fora do país.
José Graziano da Silva está licenciado do cargo de Representante Regional da FAO para a América Latina e Caribe
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sexta-feira, 24 de junho de 2011
Morte ao amanhecer, Eric Nepomuceno
Eric Nepomuceno | Para o Valor, do Rio
Durante quase toda sua vida adulta, Ernest Hemingway teve um lema que serviu de norte e de guia para tudo que fez: "Il faut (d'abord) durer". Era assim que via a vida: era preciso, acima de tudo, resistir. Até que um dia cansou, ou achou que as coisas já não tinham mais graça, ou se deixou sucumbir. Seja pela razão que for, pouco antes do amanhecer do domingo, 2 de julho de 1961, ele resolveu que havia resistido o suficiente. E como tudo em sua vida havia sido absolutamente intenso, cada minuto vivido com sofreguidão, resolveu fazer jus à própria história, indo embora de vez.
Na casa de campo de Ketchum, uma cidadezinha mineira cinzenta e sem graça no Estado de Idaho, só havia silêncio. Ele foi até o armário onde guardava as espingardas e carabinas de caça, escolheu uma das favoritas, uma velha Boss de cano duplo. Sentou-se na cadeira de que mais gostava, apoiou a carabina no chão de madeira polida, pôs os dois canos na boca e, com os dedos do pé, apertou o gatilho. Era como se, com a vida que viveu, ele não pudesse se matar de um jeito convencional, se é que existe uma forma convencional de se matar. Era preciso partir do mesmo jeito que havia vivido: com a mais absoluta das paixões.
Continuo acreditando que, em seu tempo, Ernest Hemingway se considerava, de certa maneira, o último dos grandes cavalheiros medievais, o último dos grandes guerreiros. Chegou a pensar que tinha certeza absoluta de que compreendia a pena, a dor e a tristeza em todas as suas formas, incluindo as dele. Sua moral foi, em última instância, a do amo diante do vassalo: a do homem que vive da vitória, do prestígio; a de quem não aceita o cativeiro, aceita a morte: quem aceita a vida cativa são os vassalos, que jamais dominarão. O amo pode ser destruído, mas não pode ser vencido. Foi, aliás, o que disse um de seus personagens permanentes e invulneráveis, o velho Santiago de "O Velho e o Mar": "Mas o homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas não pode ser derrotado".
"O homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas não pode ser derrotado", falou pela boca de um personagem
É possível que Hemingway jamais tenha lido Georges Bataille. Mas certamente concordaria com ele, quando diz que, sem a intensidade da paixão, "a vida é, sem dúvida, uma cilada cujo limite é a comodidade, cuja verdade é o medo de ir longe demais". Quando a paixão se apagou para Hemingway, o limite veio na forma de uma velha carabina de cano duplo. Como se ele tivesse de repente entendido que tudo estava, de certa maneira, imóvel para sempre e só havia aquela saída.
Na derradeira noite, a do sábado, 1º de julho de 1961, ele foi com a mulher, Mary Welsh, e um velho amigo, George Brown, jantar no restaurante Christiana. Depois, em casa, ouviu Mary cantar uma canção italiana, "Tutti mi Chiamano Bionda", e chegou a fazer coro em alguns versos mais alegres. Então foi para o quarto, vestiu seu pijama azul e acendeu a luz da cabeceira, como se fosse ler alguma coisa. No amanhecer do dia seguinte, Mary Welsh acordou com o estrondo do tiro.
"A vida de qualquer homem termina da mesma maneira", disse ele certa vez. "São os detalhes de como ele viveu e de como ele morreu que distinguem um homem de outro." Bom: não resta dúvida alguma de que, no seu caso, os detalhes de como viveu já o distinguiriam da maioria de seus contemporâneos. Foi tamanho seu protagonismo, deu a si mesmo tamanha visibilidade, que acabou se tornando personagem de si próprio. Cada uma das experiências pelas quais passou - e foram inúmeras, de todo tipo - acabou sendo levada para a sua escrita. Todas essas experiências foram vividas intensamente e revividas na memória. Sua obra gira ao redor de um certo número de aventuras que, somadas, fizeram de sua vida uma aventura que se renovava sem cessar. Quando as circunstâncias interromperam esse ritmo renovador, esse ciclo permanente, o caminho mais lógico foi a velha carabina.
Ele sempre quis ter tudo. O menino que se orgulhava de não sentir medo de nada virou o adulto que fez um personagem, Harry, o escritor moribundo do esplêndido conto "As Neves do Kilimanjaro", dizer o seguinte: "Não gosto de abandonar nada. Não gosto de deixar nada atrás de mim". Hemingway definiu Harry como um homem que "havia amado demais, perdido muitíssimo e acabado com tudo". Era como se estivesse descrevendo a si mesmo: alguém que quis ver tudo, capturar tudo, aprender tudo, evitando sempre as pedras que pudessem facilitar naufrágios.
Em seus livros, Hemingway quis escrever o que de verdade acontecia na vida real. Insistia nisso: bom livro é o que parece ter acontecido de verdade, que passe ao leitor a sensação concreta de ter, ele mesmo, vivido aquela história. Talvez por isso tenha se obstinado tanto em se apropriar da realidade das pessoas, em possuir completamente a própria vida.
Claro que muitas vezes a tal vida real não passou de inventos de quem sentia uma atração irresistível pela aventura. Foi assim que, em 1942, conseguiu convencer o embaixador dos Estados Unidos em Cuba, Spruille Braden, a autorizá-lo a organizar um "serviço particular de contrainformação" e transformar seu iate de pesca, o Pilar, em barco de espionagem, para detectar submarinos alemães. Para convencer Braden, não titubeou em mentir, dizendo que havia ajudado os republicanos espanhóis a armar um sistema parecido na Madri de 1937, quando a cidade estava acossada pelas tropas de Francisco Franco. A aventura durou alguns meses, não rendeu fruto algum e fez que Hemingway fosse, até o fim da vida, espionado. É que para o diretor do FBI, Edgar Hoover, ele era claramente um simpatizante do comunismo.
Insistia nisto: bom livro é o que parece ter acontecido de verdade, que passe ao leitor a sensação concreta de ter vivido aquela história
Poucos escritores tiveram, enfim, sua vida tão devassada, estudada, revirada pelo avesso, do que Ernest Hemingway. Sabe-se dele, provavelmente, mais do que de qualquer outro escritor contemporâneo. Claro que, com seu exibicionismo, foi o próprio Hemingway quem mais contribuiu para isso. Soube ser "bwana" em suas andanças na África, pescador em Cuba, deixou-se deslumbrar entre os cavalheiros aristocráticos italianos, foi um camarada inquieto - e muitas vezes irresponsável - nas trincheiras da Guerra Civil Espanhola, foi egoísta, vaidoso, impertinente, dono de um sentido muito peculiar de machismo, um tanto fanfarrão, briguento, um tanto mentiroso, quase sempre mal-educado. Mas foi também um homem generoso, leal, tinha obsessão pela honestidade, foi amigo fraterno de seus amigos. E tudo isso está em seus personagens, todas as contradições da alma humana, todos os desvãos do medo e da coragem.
Certamente, nos dias de hoje ele seria uma figura absolutamente contraditória e criticável. Da mesma forma que sempre haverá dúzias de críticos de plantão, prontos para fulminar sua obra cheia de falhas, cheia de anacronismos.
Certamente, nos dias de hoje ele continua sendo um referencial básico para quem se lança no mais solitário de todos os ofícios, o de escritor. Deixou lições exemplares em suas entrevistas e, claro, em seus escritos. "Uma vez que escrever tenha se transformado no vício principal e no maior prazer", disse ele na célebre entrevista a George Plimpton, da "The Paris Review", "só a morte pode dar-lhe um fim." Foi como ele viveu, foi o que ele fez.
Até hoje se discute a distância, em termos de qualidade, de obra finalizada, entre seus contos e seus romances. A exemplo de outros grandes autores, Hemingway poucas, raríssimas vezes alcançou em seus textos mais longos o mesmo brilho e a mesma permanente consistência de seus relatos breves. Um de seus discípulos confessos, Gabriel García Márquez, certa vez deu uma explicação para isso. Disse ele: "É compreensível. Uma tensão interna como a dele, submetida a um domínio técnico tão severo, é insustentável dentro do âmbito vasto e incerto de um romance".
Deve ter razão. Muitos de seus romances parecem contos que foram esticados além da conta. Mas mesmo neles (e, claro, principalmente nos contos) aparecem relances de perfeição, com descrições insólitas, diálogos essenciais, de uma tensão única. E em tudo, ou praticamente tudo o que escreveu, Hemingway conseguiu alcançar seu objetivo mais complexo e difícil: passar ao leitor a sensação de que ele próprio, leitor, tenha estado lá, vivido aquilo tudo que está escrito. Porque o autor, o homem que queria ter tudo, não queria perder nada, não queria deixar nada atrás de si, mostrava um enorme poder de se apoderar da vida e do mundo enquanto escrevia.
Tudo aquilo que Hemingway escreveu revela um instante que foi dele. Tudo aquilo que Hemingway escreveu pertence a ele. Para sempre.
Há 50 anos, Ernest Hemingway se despediu da vida com a mesma dureza que havia vivido. Deixou instruções claras: as caixas de papelão que guardavam sua correspondência e seus manuscritos frustrados e abandonados só deveriam ser abertos a estudiosos de seus livros. Jamais deveriam ser publicados. Deixou intacta a sua casa de San Francisco de Paula, a lendária Finca Vigía, a meia hora de carro de Havana.
Bem: o conteúdo das caixas foi quase todo publicado. Um de seus filhos chegou a reescrever e completar um manuscrito deixado pela metade. Suas cartas estão à disposição de qualquer curioso. O quadro "La Masía", fundamental na obra de seu amigo Joan Miró, foi tirado de Cuba. Em seu lugar deixaram uma reprodução, da mesma forma que o original de Juan Gris foi substituído por uma cópia.
Em 1983, na Fundação Miró, em Barcelona, pude ver "La Masía". Impossível não lembrar sua história: nos anos 20, Hemingway e Miró moravam pobres em Paris. Os dois lutavam boxe. Serviam de "sparring" a troco de um punhado de francos. Quando não havia ninguém, os dois lutavam, um com o outro. Até hoje imagino o gigante Hemingway contra o miúdo Miró. Certo dia, Miró terminou de pintar "La Masía". E vendeu para o amigo. O quadro era muito grande, foi preciso alugar um carrinho de mão para levar até o apartamento minúsculo onde ele vivia com Hadley, sua primeira mulher, mãe de seu primeiro filho.
Impossível não pensar em que tempos foram aqueles, naquela cidade luminosa. Impossível não pensar que Ernest Clarence Miller Hemingway, um dos seis filhos do médico Clarence Edmond Hemingway, nascido em Oak Park, Illinois, em 21 de julho de 1899, soube se apoderar desse tempo, daquela e de muitas cidades mais. Foi um caçador solitário de verdades absolutas e de leões africanos. Viveu o que se vivia nas grandes touradas: o perigo e a coragem, o medo e a malícia, a dignidade e a honra, o silêncio e a alegria, o respeito e o desprezo, o sol e a sombra.
Resistiu o que pôde. E, quando se foi, se fez acompanhar por um estrondo.
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Durante quase toda sua vida adulta, Ernest Hemingway teve um lema que serviu de norte e de guia para tudo que fez: "Il faut (d'abord) durer". Era assim que via a vida: era preciso, acima de tudo, resistir. Até que um dia cansou, ou achou que as coisas já não tinham mais graça, ou se deixou sucumbir. Seja pela razão que for, pouco antes do amanhecer do domingo, 2 de julho de 1961, ele resolveu que havia resistido o suficiente. E como tudo em sua vida havia sido absolutamente intenso, cada minuto vivido com sofreguidão, resolveu fazer jus à própria história, indo embora de vez.
Na casa de campo de Ketchum, uma cidadezinha mineira cinzenta e sem graça no Estado de Idaho, só havia silêncio. Ele foi até o armário onde guardava as espingardas e carabinas de caça, escolheu uma das favoritas, uma velha Boss de cano duplo. Sentou-se na cadeira de que mais gostava, apoiou a carabina no chão de madeira polida, pôs os dois canos na boca e, com os dedos do pé, apertou o gatilho. Era como se, com a vida que viveu, ele não pudesse se matar de um jeito convencional, se é que existe uma forma convencional de se matar. Era preciso partir do mesmo jeito que havia vivido: com a mais absoluta das paixões.
Continuo acreditando que, em seu tempo, Ernest Hemingway se considerava, de certa maneira, o último dos grandes cavalheiros medievais, o último dos grandes guerreiros. Chegou a pensar que tinha certeza absoluta de que compreendia a pena, a dor e a tristeza em todas as suas formas, incluindo as dele. Sua moral foi, em última instância, a do amo diante do vassalo: a do homem que vive da vitória, do prestígio; a de quem não aceita o cativeiro, aceita a morte: quem aceita a vida cativa são os vassalos, que jamais dominarão. O amo pode ser destruído, mas não pode ser vencido. Foi, aliás, o que disse um de seus personagens permanentes e invulneráveis, o velho Santiago de "O Velho e o Mar": "Mas o homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas não pode ser derrotado".
"O homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas não pode ser derrotado", falou pela boca de um personagem
É possível que Hemingway jamais tenha lido Georges Bataille. Mas certamente concordaria com ele, quando diz que, sem a intensidade da paixão, "a vida é, sem dúvida, uma cilada cujo limite é a comodidade, cuja verdade é o medo de ir longe demais". Quando a paixão se apagou para Hemingway, o limite veio na forma de uma velha carabina de cano duplo. Como se ele tivesse de repente entendido que tudo estava, de certa maneira, imóvel para sempre e só havia aquela saída.
Na derradeira noite, a do sábado, 1º de julho de 1961, ele foi com a mulher, Mary Welsh, e um velho amigo, George Brown, jantar no restaurante Christiana. Depois, em casa, ouviu Mary cantar uma canção italiana, "Tutti mi Chiamano Bionda", e chegou a fazer coro em alguns versos mais alegres. Então foi para o quarto, vestiu seu pijama azul e acendeu a luz da cabeceira, como se fosse ler alguma coisa. No amanhecer do dia seguinte, Mary Welsh acordou com o estrondo do tiro.
"A vida de qualquer homem termina da mesma maneira", disse ele certa vez. "São os detalhes de como ele viveu e de como ele morreu que distinguem um homem de outro." Bom: não resta dúvida alguma de que, no seu caso, os detalhes de como viveu já o distinguiriam da maioria de seus contemporâneos. Foi tamanho seu protagonismo, deu a si mesmo tamanha visibilidade, que acabou se tornando personagem de si próprio. Cada uma das experiências pelas quais passou - e foram inúmeras, de todo tipo - acabou sendo levada para a sua escrita. Todas essas experiências foram vividas intensamente e revividas na memória. Sua obra gira ao redor de um certo número de aventuras que, somadas, fizeram de sua vida uma aventura que se renovava sem cessar. Quando as circunstâncias interromperam esse ritmo renovador, esse ciclo permanente, o caminho mais lógico foi a velha carabina.
Ele sempre quis ter tudo. O menino que se orgulhava de não sentir medo de nada virou o adulto que fez um personagem, Harry, o escritor moribundo do esplêndido conto "As Neves do Kilimanjaro", dizer o seguinte: "Não gosto de abandonar nada. Não gosto de deixar nada atrás de mim". Hemingway definiu Harry como um homem que "havia amado demais, perdido muitíssimo e acabado com tudo". Era como se estivesse descrevendo a si mesmo: alguém que quis ver tudo, capturar tudo, aprender tudo, evitando sempre as pedras que pudessem facilitar naufrágios.
Em seus livros, Hemingway quis escrever o que de verdade acontecia na vida real. Insistia nisso: bom livro é o que parece ter acontecido de verdade, que passe ao leitor a sensação concreta de ter, ele mesmo, vivido aquela história. Talvez por isso tenha se obstinado tanto em se apropriar da realidade das pessoas, em possuir completamente a própria vida.
Claro que muitas vezes a tal vida real não passou de inventos de quem sentia uma atração irresistível pela aventura. Foi assim que, em 1942, conseguiu convencer o embaixador dos Estados Unidos em Cuba, Spruille Braden, a autorizá-lo a organizar um "serviço particular de contrainformação" e transformar seu iate de pesca, o Pilar, em barco de espionagem, para detectar submarinos alemães. Para convencer Braden, não titubeou em mentir, dizendo que havia ajudado os republicanos espanhóis a armar um sistema parecido na Madri de 1937, quando a cidade estava acossada pelas tropas de Francisco Franco. A aventura durou alguns meses, não rendeu fruto algum e fez que Hemingway fosse, até o fim da vida, espionado. É que para o diretor do FBI, Edgar Hoover, ele era claramente um simpatizante do comunismo.
Insistia nisto: bom livro é o que parece ter acontecido de verdade, que passe ao leitor a sensação concreta de ter vivido aquela história
Poucos escritores tiveram, enfim, sua vida tão devassada, estudada, revirada pelo avesso, do que Ernest Hemingway. Sabe-se dele, provavelmente, mais do que de qualquer outro escritor contemporâneo. Claro que, com seu exibicionismo, foi o próprio Hemingway quem mais contribuiu para isso. Soube ser "bwana" em suas andanças na África, pescador em Cuba, deixou-se deslumbrar entre os cavalheiros aristocráticos italianos, foi um camarada inquieto - e muitas vezes irresponsável - nas trincheiras da Guerra Civil Espanhola, foi egoísta, vaidoso, impertinente, dono de um sentido muito peculiar de machismo, um tanto fanfarrão, briguento, um tanto mentiroso, quase sempre mal-educado. Mas foi também um homem generoso, leal, tinha obsessão pela honestidade, foi amigo fraterno de seus amigos. E tudo isso está em seus personagens, todas as contradições da alma humana, todos os desvãos do medo e da coragem.
Certamente, nos dias de hoje ele seria uma figura absolutamente contraditória e criticável. Da mesma forma que sempre haverá dúzias de críticos de plantão, prontos para fulminar sua obra cheia de falhas, cheia de anacronismos.
Certamente, nos dias de hoje ele continua sendo um referencial básico para quem se lança no mais solitário de todos os ofícios, o de escritor. Deixou lições exemplares em suas entrevistas e, claro, em seus escritos. "Uma vez que escrever tenha se transformado no vício principal e no maior prazer", disse ele na célebre entrevista a George Plimpton, da "The Paris Review", "só a morte pode dar-lhe um fim." Foi como ele viveu, foi o que ele fez.
Até hoje se discute a distância, em termos de qualidade, de obra finalizada, entre seus contos e seus romances. A exemplo de outros grandes autores, Hemingway poucas, raríssimas vezes alcançou em seus textos mais longos o mesmo brilho e a mesma permanente consistência de seus relatos breves. Um de seus discípulos confessos, Gabriel García Márquez, certa vez deu uma explicação para isso. Disse ele: "É compreensível. Uma tensão interna como a dele, submetida a um domínio técnico tão severo, é insustentável dentro do âmbito vasto e incerto de um romance".
Deve ter razão. Muitos de seus romances parecem contos que foram esticados além da conta. Mas mesmo neles (e, claro, principalmente nos contos) aparecem relances de perfeição, com descrições insólitas, diálogos essenciais, de uma tensão única. E em tudo, ou praticamente tudo o que escreveu, Hemingway conseguiu alcançar seu objetivo mais complexo e difícil: passar ao leitor a sensação de que ele próprio, leitor, tenha estado lá, vivido aquilo tudo que está escrito. Porque o autor, o homem que queria ter tudo, não queria perder nada, não queria deixar nada atrás de si, mostrava um enorme poder de se apoderar da vida e do mundo enquanto escrevia.
Tudo aquilo que Hemingway escreveu revela um instante que foi dele. Tudo aquilo que Hemingway escreveu pertence a ele. Para sempre.
Há 50 anos, Ernest Hemingway se despediu da vida com a mesma dureza que havia vivido. Deixou instruções claras: as caixas de papelão que guardavam sua correspondência e seus manuscritos frustrados e abandonados só deveriam ser abertos a estudiosos de seus livros. Jamais deveriam ser publicados. Deixou intacta a sua casa de San Francisco de Paula, a lendária Finca Vigía, a meia hora de carro de Havana.
Bem: o conteúdo das caixas foi quase todo publicado. Um de seus filhos chegou a reescrever e completar um manuscrito deixado pela metade. Suas cartas estão à disposição de qualquer curioso. O quadro "La Masía", fundamental na obra de seu amigo Joan Miró, foi tirado de Cuba. Em seu lugar deixaram uma reprodução, da mesma forma que o original de Juan Gris foi substituído por uma cópia.
Em 1983, na Fundação Miró, em Barcelona, pude ver "La Masía". Impossível não lembrar sua história: nos anos 20, Hemingway e Miró moravam pobres em Paris. Os dois lutavam boxe. Serviam de "sparring" a troco de um punhado de francos. Quando não havia ninguém, os dois lutavam, um com o outro. Até hoje imagino o gigante Hemingway contra o miúdo Miró. Certo dia, Miró terminou de pintar "La Masía". E vendeu para o amigo. O quadro era muito grande, foi preciso alugar um carrinho de mão para levar até o apartamento minúsculo onde ele vivia com Hadley, sua primeira mulher, mãe de seu primeiro filho.
Impossível não pensar em que tempos foram aqueles, naquela cidade luminosa. Impossível não pensar que Ernest Clarence Miller Hemingway, um dos seis filhos do médico Clarence Edmond Hemingway, nascido em Oak Park, Illinois, em 21 de julho de 1899, soube se apoderar desse tempo, daquela e de muitas cidades mais. Foi um caçador solitário de verdades absolutas e de leões africanos. Viveu o que se vivia nas grandes touradas: o perigo e a coragem, o medo e a malícia, a dignidade e a honra, o silêncio e a alegria, o respeito e o desprezo, o sol e a sombra.
Resistiu o que pôde. E, quando se foi, se fez acompanhar por um estrondo.
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terça-feira, 21 de junho de 2011
Entrevista do governador Marcelo Deda para o jornal Valor
"Responsabilidade do PT em defender Dilma é maior que a do PMDB"
Raymundo Costa e Ribamar Oliveira | De Brasília
Deda:"A única reforma fiscal merecedora desse nome é aquela que repactuar a apropriação do resultado da arrecadação"Petista histórico, o governador de Sergipe, Marcelo Déda, está preocupado com a atuação de seu partido, especialmente o PT da Câmara, onde os líderes estão em guerra aberta uns contra os outros. "A instabilidade não pode partir do PT", adverte Déda. Ele acha que o governo Dilma, depois das nomeações das ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvati (Relações Institucionais) deve deslanchar, mas acha que a própria presidente é que deve assumir a liderança do processo político.
Déda estava entre os 16 governadores do Norte e Nordeste que tomaram café da manhã com a presidente Dilma Rousseff na semana passada. Acha que a presidente foi franca, soube dizer não com delicadeza, sem fechar portas, mas acha que os desafios impostos pelo ajuste fiscal são enormes. No Nordeste - diz - nenhum governador tomou a iniciativa de divulgar seus planos de investimentos para 2011-2014. Ninguém sabe se terá dinheiro.
O governador está particularmente temeroso com os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal que derrubou as leis estaduais de incentivos e acabou com a guerra fiscal. E indaga sobre o que vai acontecer com situações já consolidadas.
Déda está particularmente irritado com o Ministério da Fazenda: a proposta de reforma tributária apresentada, diz, não passa de uma regulação do ICMS. "A questão federativa real não é a guerra fiscal", diz o governador, mas a repactuação da "apropriação da arrecadação" federativa, inclusive das contribuições que a União não reparte com os Estados. A seguir, a entrevista ao Valor:
Valor: Como o sr. avalia a saída do ex-ministro Antonio Palocci (Casa Civil). Fogo amigo, fritura, ajuste fiscal ou aperto da política econômica?
"O hegemonismo paulista tanto do PT quanto do PSDB transforma conflitos paroquiais em crises nacionais"
Marcelo Deda: Um problema de ordem pessoal que por uma perda de 'timing' quase se transforma em crise política. Se no início do problema tivessem sido adotadas medidas rápidas - explicações imediatas, negociar uma explicação ao Congresso -, talvez houvesse capacidade de gerir a crise. Como não houve isso e se trabalhou como se o tempo fosse aliado, quando o tempo se mostrou inimigo, a situação estava perdida, que nem um fato político da maior relevância como a declaração do procurador-geral da República de que não havia indício de crime na evolução patrimonial do ministro, resolveu.
Valor: Lula acertou vindo a Brasilia negociar a crise?
Deda: Eu não sei qual foi objetivamente a tarefa central dele. Mas acho que ele não viria a Brasília sem ter conversado com a presidente Dilma. Eu não tenho sombra de dúvidas de que a vinda do presidente a Brasília foi não apenas comunicada, como discutida com a presidente.
Valor: A nova modelagem da coordenação política pode dar certo?
Deda: O próprio fato de a Presidência ter construído uma nova estrutura na Casa Civil e na Secretaria de Relações Institucionais já revela iniciativa do governo, já é positivo. Não há uma regra geral de como se organizar a articulação política, mas há um princípio.
Valor: Que é qual?
Deda: A articulação política precisa refletir a ação do presidente, seja ele quem for. O que sustenta a articulação política é o interlocutor no Congresso saber que aquele ministro tem mandato do presidente para resolver questões, encaminhar problemas com o protagonismo do presidente. Nesse sentido, os últimos gestos da presidente revelam disposição maior de enfrentar a questão da política. O que eu vi no café da manhã dos governadores foi uma presidente extremamente preparada para enfrentar agendas complexas.
Valor: O PT não deveria ceder mais espaço ao PMDB para apaziguar a base política?
Deda: Ceder é um verbo que não existe nem no dicionário do PMDB nem no do PT. Talvez haja grandes divergências de fundo na atuação e no histórico de ambos. Mas há uma grande coincidência: como grandes partidos, costumam buscar ocupar mais espaço e não recuar no espaço que já conquistaram. Acredito que o problema não é do PT nem do PMDB. A presidente é a juíza, e a árbitra da ocupação dos espaços do governo.
"Os Estados estão segurando investimentos para rediscutir o indexador da dívida; viramos remuneradores da União"
Valor: O PT entende é isso?
Deda: O PT está no seu mais absoluto e justo direito quando preserva suas posições e reivindica mais. E o PMDB, do mesmo modo. Mas tanto o PMDB quanto o PT precisam entender que na democracia presidencial a última palavra é da presidente, ela está mandatada pelo povo brasileiro para definir o perfil do seu governo, e portanto é ela que deve dar a palavra final. E sobre a palavra da presidente não pode haver intrigas, operações de sabotagem, bairrismos e partidarismos. Nesse caso a responsabilidade do PT é maior que a do PMDB em defender a presidenta como a grande coordenadora do governo e líder do projeto. É muito mais nossa essa obrigação do que do PMDB. É nesse sentido que o PT precisa estar atento.
Valor: PT e PSDB, curiosamente, fizeram uma inflexão em relação a suas seções paulistas, sempre as mais poderosas. Como o sr. analisa esse fenômeno?
Deda: Acho que não existiria PT sem São Paulo. Meu problema não é nenhum questionamento antipaulista. Eu sempre reclamei por equilíbrio, pelo reconhecimento do avanço que o partido alcançou em outras regiões. O avanço que o partido experimentou no Nordeste, a própria votação obtida por Lula e por Dilma na região revelam que o grande dilema do PT é se adequar à nova geografia política do petismo, que teve uma expansão mais promissoras nos Estados do Norte e do Nordeste.
Valor: Nenhum dos novos ministros - Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais) é paulista. A presidente não enquadrou o PT de São Paulo?
Deda: Acho que a presidente, ao compor o governo trazendo para o centro da cena política Estados do Sul e do Nordeste, apenas traduz o significado da realidade política do PT e não da realidade burocrática do PT. Se do ponto de vista do aparelho partidário o PT é ainda um partido paulista, do ponto de vista da urna, do eleitorado, da presença política o PT é hoje cada vez mais um partido nacional, no qual o peso de São Paulo ainda é o maior de todos. Aí sim, não é um peso artificial. É um peso real, econômico, social, da própria realidade econômico social paulista. O que nós divergimos não é da presença até majoritária de São Paulo. O que nós contestamos é um tipo de hegemonismo paulista que transforma os conflitos paroquiais em crises nacionais. Esse é o modelo que já abalou várias vezes o PT e que está levando à penúria o PSDB.
Valor: É o que ocorre atualmente na Câmara?
Deda: Eu acho que está recrudescendo esse tipo de disputa paulista com reflexos na estabilidade nacional do partido.
Valor: E que em última análise reflete no governo.
Deda: É por isso que a responsabilidade maior é nossa. O PT não pode perder de vista que é o partido da presidente. E que tem a primeira das responsabilidades na garantia da estabilidade. Isso significa compreender seu papel de partido, e lutar por espaços e pelas diretrizes políticas do governo, como compete a um partido com vocação dirigente, e ao mesmo tempo reconhecer que na democracia brasileira o papel do presidente é insubstituível. Está acima de hegemonismos partidários. Ela tem que ser o árbitro da governabilidade. O PT tem que entender isso e não fomentar a instabilidade.
Valor: O deputado estadual paulista Rui Falcão substituiu um aliado e conterrâneo seu na presidência do PR, o José Eduardo Dutra, que saiu para tratamento de saúde.
Deda: Rui é do PT paulista, mas está guiando o partido com cabeça nacional. Isso é um ponto positivo. Ele terá meu integral apoio, como o de todos os companheiros das demais regiões. A grande preocupação que o Rui tem que ter é esta, a responsabilidade para entender que política não é filantropia: o PT não tem o direito de ceder espaço ao PMDB. Mas o PT tem que ter a consciência de apoiar as decisões da presidente Dilma e entender que a última palavra é dela.
Valor: Isso significa um partido a reboque do governo?
Deda: Significa um partido propositivo. A saudade que eu sinto hoje é que o PT aparece mais na mídia pedindo cargos do que apresentando propostas concretas ao governo. Nós precisamos continuar a reivindicar o nosso espaço, até porque o governo é nosso e quem vai dar a cara a esse governo somos nós. Isso não é hegemonismo, é apenas compreensão da nossa responsabilidade política de ser o partido da presidente, mas ao mesmo tempo precisamos qualificar nossa relação com o governo.
Valor: O Supremo suspendeu a guerra fiscal em seis Estados que concediam incentivo fiscal. Como isso afeta a vida de vocês?
Valor: Em duas palavras: insegurança jurídica. As decisões do Supremo colocaram um grau de insegurança na relação dos Estados com empresas beneficiárias de incentivos que praticamente paralisaram as negociações em curso e criaram um processo de extrema angústia naquelas que já se encontram instaladas há décadas nos Estados. Não temos o que discutir com relação à postura do Supremo. Mas temos o que discutir com relação à forma. E à maneira como aquela decisão vai ser aplicada. Tratar a guerra fiscal como um tema judiciário clássico pode produzir efeito danoso não apenas aos Estados que são mais eficientes na captação de empresas com esses recursos. Não tenho estatística, mas diria que um terço do PIB industrial brasileiro tem algum tipo de incentivo praticado por leis estaduais que o Supremo decretou inconstitucional. Empresas como Ambev, Volks, Ford, como a Fiat que vai agora para Pernambuco, como ficam? A imensa maioria delas, com ações na Bolsa, têm que fazer provisão para possível pagamento do imposto que foi isentado? Como serão tratadas situações consolidadas? A decisão terá repercussão só para o futuro ou é aplicável imediatamente?
Valor: Os Estados vão ao STF?
Deda: O DF está entrando (com uma ação). O que o Supremo disse? Nenhuma lei que cria incentivo fiscal é válida se os benefícios criados não forem objeto de convênio no Confaz. O Confaz é por unanimidade. Então o DF entrou também com uma ação específica para questionar a constitucionalidade do critério de unanimidade, que ofende o principio de construção da maioria numa democracia. A Constituição não fala em unanimidade, fala em Confaz. A lei que regulou o dispositivo constitucional é que tocou na unanimidade. Com isso a gente tenta, do ponto de vista de estratégia, equilibrar. Isso ajuda a criar um contraponto que, possibilite aos Estados uma negociação mais equilibrada.
Valor: O senhor disse que a justiça não poderia ter uma "decisão típica" nessa questão da guerra fiscal. O que é uma decisão atípica da Justiça?
Deda: É simples, a Justiça já agiu de maneira diferente com relação ao FPE. Decretou que o Congresso deveria ter aprovado nova lei complementar há cinco ou seis anos, e estabeleceu prazo para o Congresso regular. O Supremo é uma Corte constitucional, mas é uma instância política da República. Aplica a lei mas é guardiã da Constituição. Então é uma Corte com poderes para, ao aplicar uma decisão, estabelecer o alcance no tempo dessa decisão, e para modular cronologicamente sua aplicação. Zerar um jogo desse porte, de uma hora para outra, não é um problema para Sergipe, Bahia, Alagoas. É um problema para a economia brasileira. Os reflexos são imprevisíveis.
Valor: Ainda há espaço para guerra fiscal?
Deda: Há um esgotamento da guerra fiscal. O que era um instrumento de defesa das regiões menos desenvolvidas se disseminou. São Paulo faz guerra fiscal, o Rio faz. Leis de São Paulo foram questionadas, Minas faz guerra fiscal na fronteira, todo mundo faz guerra fiscal. Se disseminou, o que de certo modo reduziu a eficácia do instrumento. A guerra fiscal hoje já não é mais os pequenos versus os grandões, não é mais um filme de cowboy clássico. Alagoas faz guerra com Sergipe, que faz com Alagoas. É um abraço de afogados. Mas ainda tem alguma eficácia. Para acabar, é preciso uma transição.
Valor: O que vocês querem do governo federal?
Deda: Uma política de compensação para Estados que venham a perder nesse processo de alteração das alíquotas. Mas que essa política de compensação não seja um número do grande circo Bartolo, tipo a Lei Kandir. Não dá para trabalhar com compensação tributária que todo mês de dezembro tem que sentar, segurar o orçamento e fazer pressão. O fim da Lei Kandir é o mais nobre possível, desonerar as exportações e jogar o Brasil no mercado internacional com mais competitividade. Mas vamos admitir que comércio externo não é a tarefa do Estado federado. É competência da União que faz grande cortesia com os exportadores, os Estados. Tendo mecanismos como PIS/Cofins e as contribuições de uma maneira geral que nós não compartilhamos.
Valor: Como foi a reunião com o ministro da Fazenda sobre a reforma tributária?
Deda: Ele chamou para conversar sobre reforma tributária, sentamos à mesa e percebemos que não era nada de reforma. Era uma nova regulação do ICMS. Então vamos chamar o bicho pelo nome, porque sabemos se morde ou não. Foi uma valsa vienense mal executada.
Valor: O senhor diz que o projeto do governo não é uma reforma tributária, mas mera regulação do ICMS. O governo diz que é uma reforma, fatiada, mas reforma.
Deda: Qualquer coisa fatiada, fora salame, dá indigestão.
Valor: Como essa conjuntura interfere na gerência dos Estados?
Deda: Nenhum governador, pelo menos da minha região, se atreveu ainda a lançar seu plano de investimentos do período de 2011 a 2014. Todo mundo está com a caixinha de projetos cheia, mas não tem dinheiro agora e não está posta a perspectiva. Nesse clima, os governadores não vão entrar numa dança dessa sem que o governo explicite garantias. Vamos discutir a dívida? O IGPDI produz situações absurdas, impagáveis como é o caso da Paraíba, Alagoas e Maranhão. Na prática, a União está aplicando. Viramos remuneradores de investimento da União, que está se capitalizando às custas dos Estados.
Valor: Como está sendo tratada a questão dos royalties?
Deda: No café da manhã, a Dilma falou assim: 'Quando eu era ministra achava que era inviável a proposta do Rio passar pelo Congresso. Mas acho que a resposta que veio de lá radicalizou. Não vou entrar no mérito com relação à participação dos Estados nos royalties. O que quero pedir é que busquem acordo. Procurem o Geraldo Alckmin (SP), o Sérgio Cabral (RJ), o Renato Casagrande (ES)'. Eduardo Campos (PE) procurou o Casagrande. Procurei o Sérgio. Entrei na comissão. Sou eu e o Eduardo que vamos cuidar dessa parte dos royalties com os coleguinhas lá.
Valor: Ela está recuando do projeto do Lula?
Deda: Ela não está recuando. Está dizendo que o governo vai ter o dever de defender o veto [da emenda Ibsen]. Tem um fator que é concreto: um veto do presidente que tem que ser apreciado pelo Congresso. Esse trunfo é favorável a nós. Fui infeliz na frase, disse que estava lá como bombeiro. Esqueci que os bombeiros estão invadindo quartel (no Rio). Aí disse: vim apagar fogo, e não invadir quartel.
Valor: Dilma vai sustentar o veto?
Deda: Se não houver negociação, ela vai perder conosco trabalhando contra. Não fica em pé. Ela falou: 'Se o veto cair, vou ver se a AGU vai ao Supremo'. O veto não caiu porque não foi votado. Quem segura o veto é a gaveta do Sarney.
Valor: Sabe-se que a reunião com Mantega foi tensa. O que o sr. falou quando viu que a reforma é só para uma mexida no ICMS?
Deda: Falei o seguinte: 'Todo mundo aqui vai dizer que é a favor da reforma tributária, mas se na hora que fizer a apreciação do impacto, meu Estado perder um real, sou petista, sou fundador do PT, mas vou lá e orientar a minha bancada a votar contra. Senão vou ser crucificado na praça principal de Aracaju'. Não dá para falar de reforma tributária sem mexer na questão federativa real, que não é a guerra fiscal. A questão central é a seguinte: a única reforma fiscal que prefeitos e governadores admitirão merecedoras desse nome é aquela que diga vamos repactuar a apropriação do resultado da arrecadação tributária da Federação, incluindo contribuições. Vamos discutir que a União não pode operar renúncia fiscal envolvendo tributos compartilhados sem um processo de aquiescência daqueles que são vítimas da queda de arrecadação. Vamos discutir com clareza ferramentas e instrumentos para que nós possamos monitorar o Fundo de Participação dos Estados (FPE), que é uma caixa preta'.
Valor: Mas não tem uma proposta de compensação?
Valor: Tem um fundo teórico de compensação. O que ele quer propor? É mandar a nova do ICMS no café da manhã e mandar as compensações na sobremesa do jantar. Nós queremos garantia constitucional do fundo de compensação, vinculação explícita, porque não queremos repetir o blefe da Lei Kandir.
Raymundo Costa e Ribamar Oliveira | De Brasília
Deda:"A única reforma fiscal merecedora desse nome é aquela que repactuar a apropriação do resultado da arrecadação"Petista histórico, o governador de Sergipe, Marcelo Déda, está preocupado com a atuação de seu partido, especialmente o PT da Câmara, onde os líderes estão em guerra aberta uns contra os outros. "A instabilidade não pode partir do PT", adverte Déda. Ele acha que o governo Dilma, depois das nomeações das ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvati (Relações Institucionais) deve deslanchar, mas acha que a própria presidente é que deve assumir a liderança do processo político.
Déda estava entre os 16 governadores do Norte e Nordeste que tomaram café da manhã com a presidente Dilma Rousseff na semana passada. Acha que a presidente foi franca, soube dizer não com delicadeza, sem fechar portas, mas acha que os desafios impostos pelo ajuste fiscal são enormes. No Nordeste - diz - nenhum governador tomou a iniciativa de divulgar seus planos de investimentos para 2011-2014. Ninguém sabe se terá dinheiro.
O governador está particularmente temeroso com os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal que derrubou as leis estaduais de incentivos e acabou com a guerra fiscal. E indaga sobre o que vai acontecer com situações já consolidadas.
Déda está particularmente irritado com o Ministério da Fazenda: a proposta de reforma tributária apresentada, diz, não passa de uma regulação do ICMS. "A questão federativa real não é a guerra fiscal", diz o governador, mas a repactuação da "apropriação da arrecadação" federativa, inclusive das contribuições que a União não reparte com os Estados. A seguir, a entrevista ao Valor:
Valor: Como o sr. avalia a saída do ex-ministro Antonio Palocci (Casa Civil). Fogo amigo, fritura, ajuste fiscal ou aperto da política econômica?
"O hegemonismo paulista tanto do PT quanto do PSDB transforma conflitos paroquiais em crises nacionais"
Marcelo Deda: Um problema de ordem pessoal que por uma perda de 'timing' quase se transforma em crise política. Se no início do problema tivessem sido adotadas medidas rápidas - explicações imediatas, negociar uma explicação ao Congresso -, talvez houvesse capacidade de gerir a crise. Como não houve isso e se trabalhou como se o tempo fosse aliado, quando o tempo se mostrou inimigo, a situação estava perdida, que nem um fato político da maior relevância como a declaração do procurador-geral da República de que não havia indício de crime na evolução patrimonial do ministro, resolveu.
Valor: Lula acertou vindo a Brasilia negociar a crise?
Deda: Eu não sei qual foi objetivamente a tarefa central dele. Mas acho que ele não viria a Brasília sem ter conversado com a presidente Dilma. Eu não tenho sombra de dúvidas de que a vinda do presidente a Brasília foi não apenas comunicada, como discutida com a presidente.
Valor: A nova modelagem da coordenação política pode dar certo?
Deda: O próprio fato de a Presidência ter construído uma nova estrutura na Casa Civil e na Secretaria de Relações Institucionais já revela iniciativa do governo, já é positivo. Não há uma regra geral de como se organizar a articulação política, mas há um princípio.
Valor: Que é qual?
Deda: A articulação política precisa refletir a ação do presidente, seja ele quem for. O que sustenta a articulação política é o interlocutor no Congresso saber que aquele ministro tem mandato do presidente para resolver questões, encaminhar problemas com o protagonismo do presidente. Nesse sentido, os últimos gestos da presidente revelam disposição maior de enfrentar a questão da política. O que eu vi no café da manhã dos governadores foi uma presidente extremamente preparada para enfrentar agendas complexas.
Valor: O PT não deveria ceder mais espaço ao PMDB para apaziguar a base política?
Deda: Ceder é um verbo que não existe nem no dicionário do PMDB nem no do PT. Talvez haja grandes divergências de fundo na atuação e no histórico de ambos. Mas há uma grande coincidência: como grandes partidos, costumam buscar ocupar mais espaço e não recuar no espaço que já conquistaram. Acredito que o problema não é do PT nem do PMDB. A presidente é a juíza, e a árbitra da ocupação dos espaços do governo.
"Os Estados estão segurando investimentos para rediscutir o indexador da dívida; viramos remuneradores da União"
Valor: O PT entende é isso?
Deda: O PT está no seu mais absoluto e justo direito quando preserva suas posições e reivindica mais. E o PMDB, do mesmo modo. Mas tanto o PMDB quanto o PT precisam entender que na democracia presidencial a última palavra é da presidente, ela está mandatada pelo povo brasileiro para definir o perfil do seu governo, e portanto é ela que deve dar a palavra final. E sobre a palavra da presidente não pode haver intrigas, operações de sabotagem, bairrismos e partidarismos. Nesse caso a responsabilidade do PT é maior que a do PMDB em defender a presidenta como a grande coordenadora do governo e líder do projeto. É muito mais nossa essa obrigação do que do PMDB. É nesse sentido que o PT precisa estar atento.
Valor: PT e PSDB, curiosamente, fizeram uma inflexão em relação a suas seções paulistas, sempre as mais poderosas. Como o sr. analisa esse fenômeno?
Deda: Acho que não existiria PT sem São Paulo. Meu problema não é nenhum questionamento antipaulista. Eu sempre reclamei por equilíbrio, pelo reconhecimento do avanço que o partido alcançou em outras regiões. O avanço que o partido experimentou no Nordeste, a própria votação obtida por Lula e por Dilma na região revelam que o grande dilema do PT é se adequar à nova geografia política do petismo, que teve uma expansão mais promissoras nos Estados do Norte e do Nordeste.
Valor: Nenhum dos novos ministros - Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais) é paulista. A presidente não enquadrou o PT de São Paulo?
Deda: Acho que a presidente, ao compor o governo trazendo para o centro da cena política Estados do Sul e do Nordeste, apenas traduz o significado da realidade política do PT e não da realidade burocrática do PT. Se do ponto de vista do aparelho partidário o PT é ainda um partido paulista, do ponto de vista da urna, do eleitorado, da presença política o PT é hoje cada vez mais um partido nacional, no qual o peso de São Paulo ainda é o maior de todos. Aí sim, não é um peso artificial. É um peso real, econômico, social, da própria realidade econômico social paulista. O que nós divergimos não é da presença até majoritária de São Paulo. O que nós contestamos é um tipo de hegemonismo paulista que transforma os conflitos paroquiais em crises nacionais. Esse é o modelo que já abalou várias vezes o PT e que está levando à penúria o PSDB.
Valor: É o que ocorre atualmente na Câmara?
Deda: Eu acho que está recrudescendo esse tipo de disputa paulista com reflexos na estabilidade nacional do partido.
Valor: E que em última análise reflete no governo.
Deda: É por isso que a responsabilidade maior é nossa. O PT não pode perder de vista que é o partido da presidente. E que tem a primeira das responsabilidades na garantia da estabilidade. Isso significa compreender seu papel de partido, e lutar por espaços e pelas diretrizes políticas do governo, como compete a um partido com vocação dirigente, e ao mesmo tempo reconhecer que na democracia brasileira o papel do presidente é insubstituível. Está acima de hegemonismos partidários. Ela tem que ser o árbitro da governabilidade. O PT tem que entender isso e não fomentar a instabilidade.
Valor: O deputado estadual paulista Rui Falcão substituiu um aliado e conterrâneo seu na presidência do PR, o José Eduardo Dutra, que saiu para tratamento de saúde.
Deda: Rui é do PT paulista, mas está guiando o partido com cabeça nacional. Isso é um ponto positivo. Ele terá meu integral apoio, como o de todos os companheiros das demais regiões. A grande preocupação que o Rui tem que ter é esta, a responsabilidade para entender que política não é filantropia: o PT não tem o direito de ceder espaço ao PMDB. Mas o PT tem que ter a consciência de apoiar as decisões da presidente Dilma e entender que a última palavra é dela.
Valor: Isso significa um partido a reboque do governo?
Deda: Significa um partido propositivo. A saudade que eu sinto hoje é que o PT aparece mais na mídia pedindo cargos do que apresentando propostas concretas ao governo. Nós precisamos continuar a reivindicar o nosso espaço, até porque o governo é nosso e quem vai dar a cara a esse governo somos nós. Isso não é hegemonismo, é apenas compreensão da nossa responsabilidade política de ser o partido da presidente, mas ao mesmo tempo precisamos qualificar nossa relação com o governo.
Valor: O Supremo suspendeu a guerra fiscal em seis Estados que concediam incentivo fiscal. Como isso afeta a vida de vocês?
Valor: Em duas palavras: insegurança jurídica. As decisões do Supremo colocaram um grau de insegurança na relação dos Estados com empresas beneficiárias de incentivos que praticamente paralisaram as negociações em curso e criaram um processo de extrema angústia naquelas que já se encontram instaladas há décadas nos Estados. Não temos o que discutir com relação à postura do Supremo. Mas temos o que discutir com relação à forma. E à maneira como aquela decisão vai ser aplicada. Tratar a guerra fiscal como um tema judiciário clássico pode produzir efeito danoso não apenas aos Estados que são mais eficientes na captação de empresas com esses recursos. Não tenho estatística, mas diria que um terço do PIB industrial brasileiro tem algum tipo de incentivo praticado por leis estaduais que o Supremo decretou inconstitucional. Empresas como Ambev, Volks, Ford, como a Fiat que vai agora para Pernambuco, como ficam? A imensa maioria delas, com ações na Bolsa, têm que fazer provisão para possível pagamento do imposto que foi isentado? Como serão tratadas situações consolidadas? A decisão terá repercussão só para o futuro ou é aplicável imediatamente?
Valor: Os Estados vão ao STF?
Deda: O DF está entrando (com uma ação). O que o Supremo disse? Nenhuma lei que cria incentivo fiscal é válida se os benefícios criados não forem objeto de convênio no Confaz. O Confaz é por unanimidade. Então o DF entrou também com uma ação específica para questionar a constitucionalidade do critério de unanimidade, que ofende o principio de construção da maioria numa democracia. A Constituição não fala em unanimidade, fala em Confaz. A lei que regulou o dispositivo constitucional é que tocou na unanimidade. Com isso a gente tenta, do ponto de vista de estratégia, equilibrar. Isso ajuda a criar um contraponto que, possibilite aos Estados uma negociação mais equilibrada.
Valor: O senhor disse que a justiça não poderia ter uma "decisão típica" nessa questão da guerra fiscal. O que é uma decisão atípica da Justiça?
Deda: É simples, a Justiça já agiu de maneira diferente com relação ao FPE. Decretou que o Congresso deveria ter aprovado nova lei complementar há cinco ou seis anos, e estabeleceu prazo para o Congresso regular. O Supremo é uma Corte constitucional, mas é uma instância política da República. Aplica a lei mas é guardiã da Constituição. Então é uma Corte com poderes para, ao aplicar uma decisão, estabelecer o alcance no tempo dessa decisão, e para modular cronologicamente sua aplicação. Zerar um jogo desse porte, de uma hora para outra, não é um problema para Sergipe, Bahia, Alagoas. É um problema para a economia brasileira. Os reflexos são imprevisíveis.
Valor: Ainda há espaço para guerra fiscal?
Deda: Há um esgotamento da guerra fiscal. O que era um instrumento de defesa das regiões menos desenvolvidas se disseminou. São Paulo faz guerra fiscal, o Rio faz. Leis de São Paulo foram questionadas, Minas faz guerra fiscal na fronteira, todo mundo faz guerra fiscal. Se disseminou, o que de certo modo reduziu a eficácia do instrumento. A guerra fiscal hoje já não é mais os pequenos versus os grandões, não é mais um filme de cowboy clássico. Alagoas faz guerra com Sergipe, que faz com Alagoas. É um abraço de afogados. Mas ainda tem alguma eficácia. Para acabar, é preciso uma transição.
Valor: O que vocês querem do governo federal?
Deda: Uma política de compensação para Estados que venham a perder nesse processo de alteração das alíquotas. Mas que essa política de compensação não seja um número do grande circo Bartolo, tipo a Lei Kandir. Não dá para trabalhar com compensação tributária que todo mês de dezembro tem que sentar, segurar o orçamento e fazer pressão. O fim da Lei Kandir é o mais nobre possível, desonerar as exportações e jogar o Brasil no mercado internacional com mais competitividade. Mas vamos admitir que comércio externo não é a tarefa do Estado federado. É competência da União que faz grande cortesia com os exportadores, os Estados. Tendo mecanismos como PIS/Cofins e as contribuições de uma maneira geral que nós não compartilhamos.
Valor: Como foi a reunião com o ministro da Fazenda sobre a reforma tributária?
Deda: Ele chamou para conversar sobre reforma tributária, sentamos à mesa e percebemos que não era nada de reforma. Era uma nova regulação do ICMS. Então vamos chamar o bicho pelo nome, porque sabemos se morde ou não. Foi uma valsa vienense mal executada.
Valor: O senhor diz que o projeto do governo não é uma reforma tributária, mas mera regulação do ICMS. O governo diz que é uma reforma, fatiada, mas reforma.
Deda: Qualquer coisa fatiada, fora salame, dá indigestão.
Valor: Como essa conjuntura interfere na gerência dos Estados?
Deda: Nenhum governador, pelo menos da minha região, se atreveu ainda a lançar seu plano de investimentos do período de 2011 a 2014. Todo mundo está com a caixinha de projetos cheia, mas não tem dinheiro agora e não está posta a perspectiva. Nesse clima, os governadores não vão entrar numa dança dessa sem que o governo explicite garantias. Vamos discutir a dívida? O IGPDI produz situações absurdas, impagáveis como é o caso da Paraíba, Alagoas e Maranhão. Na prática, a União está aplicando. Viramos remuneradores de investimento da União, que está se capitalizando às custas dos Estados.
Valor: Como está sendo tratada a questão dos royalties?
Deda: No café da manhã, a Dilma falou assim: 'Quando eu era ministra achava que era inviável a proposta do Rio passar pelo Congresso. Mas acho que a resposta que veio de lá radicalizou. Não vou entrar no mérito com relação à participação dos Estados nos royalties. O que quero pedir é que busquem acordo. Procurem o Geraldo Alckmin (SP), o Sérgio Cabral (RJ), o Renato Casagrande (ES)'. Eduardo Campos (PE) procurou o Casagrande. Procurei o Sérgio. Entrei na comissão. Sou eu e o Eduardo que vamos cuidar dessa parte dos royalties com os coleguinhas lá.
Valor: Ela está recuando do projeto do Lula?
Deda: Ela não está recuando. Está dizendo que o governo vai ter o dever de defender o veto [da emenda Ibsen]. Tem um fator que é concreto: um veto do presidente que tem que ser apreciado pelo Congresso. Esse trunfo é favorável a nós. Fui infeliz na frase, disse que estava lá como bombeiro. Esqueci que os bombeiros estão invadindo quartel (no Rio). Aí disse: vim apagar fogo, e não invadir quartel.
Valor: Dilma vai sustentar o veto?
Deda: Se não houver negociação, ela vai perder conosco trabalhando contra. Não fica em pé. Ela falou: 'Se o veto cair, vou ver se a AGU vai ao Supremo'. O veto não caiu porque não foi votado. Quem segura o veto é a gaveta do Sarney.
Valor: Sabe-se que a reunião com Mantega foi tensa. O que o sr. falou quando viu que a reforma é só para uma mexida no ICMS?
Deda: Falei o seguinte: 'Todo mundo aqui vai dizer que é a favor da reforma tributária, mas se na hora que fizer a apreciação do impacto, meu Estado perder um real, sou petista, sou fundador do PT, mas vou lá e orientar a minha bancada a votar contra. Senão vou ser crucificado na praça principal de Aracaju'. Não dá para falar de reforma tributária sem mexer na questão federativa real, que não é a guerra fiscal. A questão central é a seguinte: a única reforma fiscal que prefeitos e governadores admitirão merecedoras desse nome é aquela que diga vamos repactuar a apropriação do resultado da arrecadação tributária da Federação, incluindo contribuições. Vamos discutir que a União não pode operar renúncia fiscal envolvendo tributos compartilhados sem um processo de aquiescência daqueles que são vítimas da queda de arrecadação. Vamos discutir com clareza ferramentas e instrumentos para que nós possamos monitorar o Fundo de Participação dos Estados (FPE), que é uma caixa preta'.
Valor: Mas não tem uma proposta de compensação?
Valor: Tem um fundo teórico de compensação. O que ele quer propor? É mandar a nova do ICMS no café da manhã e mandar as compensações na sobremesa do jantar. Nós queremos garantia constitucional do fundo de compensação, vinculação explícita, porque não queremos repetir o blefe da Lei Kandir.
sábado, 21 de maio de 2011
NOTA PT-CAMPINAS APOIA O VICE-PREFEITO PETISTA DEMÉTRIO VILAGRA
O Partidos dos Trabalhadores divulgou uma nota oficial sobre o mandado de prisão preventiva decretado contra o vice-prefeito de Campinas, Demétrio Vilagra. A nota, assinada pelo presidente estadual Edinho Silva e pelo presidente do PT de Campinas, Ari Fernandes, afirma que o fato causa 'perplexidade'. Leia abaixo a nota na íntegra:
'O PT acompanha as investigações do Ministério Público Estadual (MPE) com a firme convicção de que tudo deve ser apurado e esclarecido até as ultimas conseqüências, com responsabilidade republicana e evitando a espetacularização e o uso político dos fatos a bem da preservação do Estado Democrático de Direito.
Causa perplexidade o fato do MP em nenhum momento ter citado Demétrio Vilagra no decorrer das investigações que acontecem há mais de um ano. O vice-prefeito não foi convidado nem convocado para depor em nenhuma condição, seja como testemunha ou acusado.
Quanto ao mérito do processo, os advogados do PT não tiveram acesso aos autos. O PT tem plena confiança na idoneidade e lisura da conduta de nosso companheiro Demétrio Vilagra.
O vice-prefeito de Campinas esta em férias. Segundo a nota divulgada pela assessoria de imprensa da Ceasa, o fato foi oficializado e noticiado há mais de uma semana pela imprensa da cidade e, era de conhecimento, inclusive, do MP. Demétrio, que voltaria no final da próxima semana, já esta viabilizando seu retorno para prestar os esclarecimentos necessários.'
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'O PT acompanha as investigações do Ministério Público Estadual (MPE) com a firme convicção de que tudo deve ser apurado e esclarecido até as ultimas conseqüências, com responsabilidade republicana e evitando a espetacularização e o uso político dos fatos a bem da preservação do Estado Democrático de Direito.
Causa perplexidade o fato do MP em nenhum momento ter citado Demétrio Vilagra no decorrer das investigações que acontecem há mais de um ano. O vice-prefeito não foi convidado nem convocado para depor em nenhuma condição, seja como testemunha ou acusado.
Quanto ao mérito do processo, os advogados do PT não tiveram acesso aos autos. O PT tem plena confiança na idoneidade e lisura da conduta de nosso companheiro Demétrio Vilagra.
O vice-prefeito de Campinas esta em férias. Segundo a nota divulgada pela assessoria de imprensa da Ceasa, o fato foi oficializado e noticiado há mais de uma semana pela imprensa da cidade e, era de conhecimento, inclusive, do MP. Demétrio, que voltaria no final da próxima semana, já esta viabilizando seu retorno para prestar os esclarecimentos necessários.'
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sexta-feira, 29 de abril de 2011
O reino de Suassuna, entrevista do escritor pernambucano ao jornal Valor, 29/04/2011
"Corre que hoje a chuva está molhada", gritava um vizinho enquanto Ariano Suassuna se apressava para entrar na casa de veraneio, que fica em um condomínio bem próximo ao mar, em Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana do Recife. Modesto, o imóvel é repleto de obras de arte, todas no estilo do movimento armorial, criado em 1970 por Suassuna e defendido até hoje com um fervor adolescente.
Já acostumado a lidar com o desconhecimento do movimento por parte do grande público, o escritor de 83 anos tem sempre na ponta da língua a definição: "O objetivo principal é lutar contra o processo de vulgarização e descaracterização da cultura brasileira".
Nas paredes da sala, destaca-se entre as várias obras um tapete colorido no qual uma onça, uma cobra e três gaviões se unem formando um só animal. Criada por Suassuna, a figura representa as facetas da morte, que o autor de "O Auto da Compadecida" e de "A Pedra do Reino" diz não temer.
Abaixo do tapete repousa um aparelho de televisão cujo modelo não é dos mais modernos. É nele que o escritor vem acompanhando, satisfeito, a novela "Cordel Encantado", da Rede Globo. A veiculação da trama, argumenta, é "uma vitória para os que defendem a aproximação entre a cultura de massas e a cultura popular brasileira".
Neste fim de semana, Suassuna estará na capital paulista com a sua já tradicional aula-espetáculo, espécie de fusão entre teoria e prática culturais. A aula será no teatro do Sesc Vila Mariana, antes da apresentação de "As Cochambranças de Quaderna", peça de sua autoria que une duas histórias. A primeira conta a saga de duas irmãs prometidas em casamento, na qual o noivo de uma delas resolve casar-se com a outra. A segunda trata de uma mulher que faz um pacto com o diabo para que este carregue para o inferno o seu marido infiel e a amante.
Fazendo jus ao apelido de "chocalho", atribuído à fama de conversador, Suassuna falou longamente ao Valor, com voz baixa e pausada, mas com o bom humor característico. Fã de Dostoiévski, Cervantes e Lula, o escritor falou de política, conjuntura internacional, influências artísticas e até da era digital, da qual prefere manter-se alheio, apesar de ter um blog administrado por seu assessor, Alexandre Nóbrega.
O mestre da literatura e da dramaturgia só economizou nas palavras quando questionado sobre seu novo romance, ainda sem data para lançamento pela editora José Olympio. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Como começou essa história de aula-espetáculo?
Leo Caldas/Valor
Ariano Suassuna: Começou há muito tempo, mas, oficialmente, quando fui secretário de Cultura do último governo Miguel Arraes [1995-1998]. Na primeira reunião que ele fez, pediu que os secretários apresentassem um programa imediato que não gerasse grandes gastos e tivesse alguma repercussão. Imaginei a aula-espetáculo. Disse logo que não queria assessores políticos, mas sim assessores artistas, que pudessem me ajudar. Então ele nomeou músicos e vários outros artistas, bailarinos, e eu, então, pude organizar essas aulas. No início do segundo mês, apresentei a primeira aula-espetáculo.
Valor: Qual é o formato dessa aula?
Suassuna: Normalmente dou uma aula teórica sobre a cultura brasileira e vou exemplificando com as diversas partes do espetáculo. A gente organiza antes, ensaia. Conto, atualmente, com cinco músicos, cinco bailarinos e dois cantores. Organizei, por exemplo, um espetáculo chamado "Nau". Conto com um grande músico e compositor, chamado Antonio Madureira. Ele compôs essa música "Nau" em homenagem aos portugueses que aqui chegaram em naus. Então, dei o nome do espetáculo de "Nau", que é como uma viagem pela cultura brasileira. A primeira música cantada e dançada nessa aula chama-se "Toré". Não sei se você sabe, mas toré é o nome de uma cerimônia religiosa indígena, e, como a primeira vertente cultural que influenciou a formação da cultura brasileira foi a indígena, nós apresentamos "Toré" como o primeiro número da aula, em homenagem à cultura indígena. Depois vem "Nau", em homenagem à cultura portuguesa. Depois vem um maracatu chamado "Estrela Brilhante", em homenagem à cultura negra. Normalmente é assim: a gente apresenta diversos números e narro a formação da cultura brasileira. E assim a gente vai até o fim.
Valor: Sobre o seu próximo trabalho, o senhor já falou que seria o "livro de sua vida", que reuniria em uma só obra dramaturgia, romance e poesia. Depois, falou também que seria uma trilogia, uma espécie de conclusão de sua obra, uma conclusão de "A Pedra do Reino". Afinal, o que está sendo preparado?
Suassuna: As duas coisas. Pretendo, nesse livro, terminar o romance que deveria ser uma trilogia. "A Pedra do Reino" acabou valendo por ela mesma. Então, hoje, "A Pedra do Reino" serve de introdução ao novo romance. Agora, isso não tem nada a ver com essas aulas-espetáculo.
Valor: Mas ainda sobre o próximo trabalho...
Suassuna: Olha, no caso do próximo trabalho eu não vou poder lhe falar muito, não, porque o editor pediu que eu não falasse.
Valor: Existe uma data para o lançamento?
Suassuna: Tem não.
Valor: Em uma entrevista, o senhor disse que "a cultura é a sede da honra e da alma de uma nação", mas só pode exercer esse papel se os chamados "soldados" (políticos e empresários) pavimentarem o caminho, já que o senhor, por exemplo, não pertencia a esse ramo. Após participar de alguns governos, o senhor se considera do ramo?
Suassuna: Não. Veja, os cargos que exerci foram sempre ligados à cultura e sempre pedi, e fui atendido, que não houvesse interferência política no meu trabalho. Sempre trabalho com independência. Exerço o cargo de secretário de Cultura como escritor que sou. Agora, sou um escritor preocupado com os problemas do meu país e procuro exercê-lo assim, até o ponto em que não interfira na minha liberdade criadora.
Valor: A quantas anda a política cultural no Brasil?
Divulgação
"As Cochambranças de Quaderna", em cartaz no teatro do Sesc Vila Mariana, em São Paulo: neste fim de semana, antes da peça, Suassuna realizará uma de suas aulas-espetáculo
Suassuna: Na minha opinião, não só a política, mas a situação cultural no Brasil melhorou. Você talvez não tenha notado, pois é muito novo, mas, para uma pessoa na minha idade, o fato de a Rede Globo estar exibindo uma novela chamada "Cordel Encantado"... Olha, você não podia pensar nisso dez anos atrás.
Valor: O senhor a está assistindo?
Suassuna: Eu assisto à novela. Tenho restrições e as minhas condenações, mas a assisto, acho que as novelas da Globo são bem melhores do que qualquer enlatado americano. Acho que um escritor sério deve prestar atenção a isso.
Valor: O que significa para a cultura brasileira o fato de a Globo exibir essa novela?
Suassuna: Significa uma vitória para todos que sempre defendemos que a cultura de massas se aproximasse da cultura popular brasileira. E eles estão fazendo isso, estão procurando. Você veja, colocaram uma gravura animada na vinheta da novela. Uma vinheta claramente inspirada na gravura utilizada no folheto de cordel nordestino. E também tem um personagem que você jura que saiu do meu teatro.
Valor: Qual?
Suassuna: O que Matheus Nachtergaele está fazendo, uma espécie de profeta, meio louco, que fala que viu um reino envolvido numa bola de fogo. Aquele poderia ter saído do meu universo. Eu tenho um que, aliás, foi encenado pela Globo. Tenho uma peça chamada "Uma Mulher Vestida de Sol", que foi o primeiro trabalho que fiz na televisão, com direção de Luiz Fernando Carvalho, que tem um personagem que é um profeta, chamado Cícero, que anda com um cajado na mão, no mesmo jeito de Nachtergaele.
Valor: Essa aproximação entre cultura popular e de massas está mesmo ocorrendo?
Suassuna: Vejo isso como uma vitória enorme. Tenho notado um interesse maior pela cultura popular, mesmo nos meios de comunicação de massas. Não está como deveria ser, não, mas está melhorando. Como secretário de Cultura do primeiro governo de Eduardo Campos [2007-2010], percorri o Estado de Pernambuco todo. Organizei espetáculos e resolvi interiorizar a cultura. Sou um sertanejo e sei a carência que existe nas populações do interior, especialmente do sertão, de espetáculos de boa qualidade. Então, imaginei um programa de interiorização da cultura. Peguei uma caravana, um verdadeiro circo, e saímos aí pelo Estado todo. Andei em 60 e tantos municípios e o que noto é uma presença maciça da juventude, tanto nos espetáculos que dou aqui no Recife como no alto sertão.
Valor: Agora que o senhor deixou a secretaria, continua esse trabalho?
Suassuna: Continua. Mas eu deixei a Secretaria de Cultura, pois, da maneira como ela foi organizada neste mandato, eu não queria.
Valor: O que houve?
"Tenho notado um interesse maior pela cultura popular, mesmo nos meios de comunicação. Não está como deveria ser, mas está melhorando"
Suassuna: A parte burocrática aumentou muito. Por exemplo, existe aqui a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, a Fundarpe. A Fundarpe tem um fundo de cultura que recebe os projetos de todos os grupos que o governo vai ajudar. E eu não queria fazer esse tipo de trabalho. Queria fazer o meu trabalho criador. Então, o governador me colocou numa secretaria especial de assessoria dele.
Valor: Enquanto o aguardava, perguntei aqui se o senhor usava celular e recebi como resposta uma gargalhada. Como vê essa chamada "era digital" e sua influência na cultura?
Suassuna: [Risos] Isso eu não sei, não. Isso é território dos outros. A mim não mudou nada. Continuo a ser a mesma pessoa que sempre fui e eu não me deixo dominar, não quero nada que mande em mim. Pense num sujeito teimoso e difícil, esse sou eu nesse ponto. Não quero que ninguém mande em mim, muito menos um objeto. E o celular é um objeto que escraviza. Já não gosto do telefone fixo, que uso o menos possível, quanto mais um telefone que acompanha a gente o tempo inteiro.
Valor: Realmente, seu blog está desatualizado...
Suassuna: Não tomo nem conhecimento. Não sei nem o que é um blog. Nem quero saber. Se você sabe, por favor, não me explique. Não sei usar computador, não uso telefone celular. Continuo o mesmo homem que era em 1947, quando publiquei minha primeira peça de teatro.
Valor: O senhor também nunca saiu do Brasil. Nada na cultura estrangeira o atrai?
Suassuna: Se fosse perto, eu até ia a alguns países. Eu falei Portugal, Espanha, o norte da África e a Grécia eu ia. Se fosse ali perto.
Valor: Por que esses países?
Suassuna: Portugal por motivos óbvios. A Espanha também. A Península Ibérica, como um todo, eu tenho uma admiração enorme e uma ligação enorme. Tenho grande admiração por Cervantes, por Santa Teresa, por Calderón de La Barca, então eu sou louco pela cultura espanhola. Sou louco pela cultura russa, também. Tenho admiração por [Nikolai] Gógol e [Fiódor] Dostoiévski, principalmente, e [Liev] Tolstói também. Mas à Rússia eu não quero ir nunca. Só de pensar no clima... vou nada.
Valor: Ainda falando de exterior, como é que o senhor vê a ascensão da China em meio a uma certa "perda de poder" dos Estados Unidos?
Suassuna: Gosto muito. Quando eu nasci, a gente vivia sob o tacão do chamado imperialismo americano. Então vejo agora alguns países começando a confrontar esse poder, eu fico muito contente. Mas estou mais contente ainda com a união dos chamados Brics: Brasil, Rússia, Índia, China e agora África do Sul.
Valor: Qual é a influência desse movimento sobre a produção e demanda cultural?
Suassuna: Olhe, deixa eu lhe dizer uma coisa. Como eu lhe disse, as pessoas têm de mim uma visão muito injusta a respeito de uma estreiteza que me norteia no campo cultural. Não é verdade. A cultura me interessa universalmente. O que causa, talvez, esse equívoco é porque eu manifesto, de vez em quando com muita ênfase, uma repulsa total à cultura de massas. Mas isso não tem nada a ver com cultura. A de massas é uma cultura nefasta, criada de propósito, nivelada pelo gosto médio, para poder uniformizar, e não universalizar, a cultura. Então, gosto muito da cultura de todos os países, mas com suas características. Por exemplo, gosto muito de um pintor japonês chamado Katsushika Hokusai, gosto muito de um cineasta japonês chamado Akira Kurosawa. Pois bem, eu gosto muito deles dois e gosto porque eles atingem o universal por meio do nacional, por meio da sua cultura. Sem abrir mão. É uma contribuição da cultura japonesa para a cultura universal. Acho que cada país deve contribuir para a cultura universal com a sua nota peculiar, diferente, singular. O ser humano é o mesmo em todo lugar. Quando eu leio um romance russo, não quero encontrar algo que podia ser escrito em Nova York. Quero encontrar o ser humano por meio das circunstâncias peculiares da Rússia. Esse é o encontro.
Valor: Seria, nesse caso, o movimento armorial japonês?
Suassuna: Exatamente.
Valor: Alguns estudiosos afirmam que a arte armorial não se concretizou em um movimento, mas apenas em um estilo comum a muitos artistas. O senhor concorda?
Suassuna: Quero saber por que não é um movimento. Veja bem, eles têm razão de dizer que, como todo movimento, o armorial passou. O armorial aconteceu entre 1970 e 1980. Durou até muito. A Semana de Arte Moderna era para durar sete dias e não durou nem os sete, durou três. Então, o movimento, por sua natureza, é passageiro. O que ficou foi uma estética armorial. Olha, acaba de se fundar no Paraná um grupo musical, de câmara, jovem, chamado A Rosa Armorial. No Rio tem o grupo Gesta, de música armorial. Agora, por que não foi um movimento é que eu não sei.
Valor: Ao falar das aspirações do brasileiro, o senhor mencionou certa vez que no século XIX a elite brasileira queria ser francesa e agora quer ser "caricatamente e grotescamente" americana. Como é difundir a arte armorial em um cenário como esse?
Suassuna: Nem todo o povo do Brasil real está de acordo com isso. Cito, porque tenho percorrido o Brasil inteirinho e vejo como, principalmente a juventude, para pra ouvir essas ideias.
Valor: Mas há uma preferência majoritária pelo enlatado?
Suassuna: Pode ser. Eu nunca me iludi. Mas aí quem sofre com isso é todo tipo de arte, não só a armorial. Você hoje pega esses grupos de música internacional, eles têm um público maior do que a gente tem. Mas sempre foi assim. Esse desafio enfrento com a maior coragem e a maior alegria. Faço uma distinção entre êxito e sucesso. Essa distinção é fundamental para me entender e para entender meus companheiros, bem como os artistas de qualquer tempo. No meu entender, nenhum artista verdadeiro busca o sucesso. Busca o êxito, o que é bem diferente. O sucesso, por sua própria natureza, é efêmero. Me arranje um nome de uma banda, composta por brasileiros, mas que faça música internacional.
Valor: Sepultura.
Suassuna: Pronto. Você pega a banda Sepultura ou a banda Calypso, ela tem muito mais sucesso do que Euclides da Cunha. Muito mais. Se você anunciar uma conferência sobre Euclides da Cunha, se forem 40 pessoas já serão muitos. Já a banda tem público de milhares de pessoas em cada espetáculo. Então, eles têm sucesso. Mas me diga qual é o êxito maior? É "Os Sertões". Todo ano sai uma publicação. E mesmo os brasileiros que nunca tenham lido sabem que existe um livro chamado "Os Sertões" que é fundamental para o nosso país. Do mesmo jeito que o "Dom Quixote" é fundamental para a Espanha. Enquanto existir o "Dom Quixote", você pode invadir militarmente a Espanha, você pode dominá-la economicamente, mas a Espanha vai ficar viva porque tem um livro chamado "Dom Quixote". A mesma coisa digo eu de "Os Sertões". Podem desmoralizar, descaracterizar, vender, mas, enquanto existir "Os Sertões", sabe-se que existiu um país chamado Brasil e que aquele era um livro fundamental. Aquilo é êxito. Sei que todo artista verdadeiro o busca.
Valor: E qual é a vertente da arte armorial que teve mais êxito?
Suassuna: Êxito é tudo igual. Agora, algumas tiveram um picozinho de sucesso. Por natureza, a música. Existe um número maior de pessoas que ouvem música do que aquelas que leem.
Valor: O senhor fala da injustiça social que dilacera o Brasil entre o país dos privilegiados e o dos despossuídos. Isso mudou ou está mudando?
Suassuna: Mudou um pouco, o que atribuo a uma coisa histórica que foi o governo Lula. O número de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza nunca alcançou um índice tão pequeno em toda a nossa história. Para mim, foi o maior presidente que o Brasil já teve. O que ele pôde evitar de entregar, evitou. Evitou a entrega da Petrobras, do Banco do Brasil, além de ter reduzido o índice de miséria.
Valor: O senhor considera a poesia "a fonte profunda de toda sua obra". Por que ela teve menos sucesso no seu trabalho?
Suassuna: Quando eu falo em poesia, uso um conceito que era da cultura grega. Os gregos chamavam poesia não somente a "arte do verso", mas "o impulso criador que está por trás de todas as artes". Quando era adolescente, pratiquei a escultura, a música, a poesia, o romance e o teatro. Mas depois eu vi que não dava para ser como na Renascença, quando o papa pegava Leonardo da Vinci ou Michelangelo e dizia para não se preocuparem com o dia a dia, mas apenas com a criação. Não estou me comparando com eles, mas apenas com a atitude diante da arte. Então, eu tive que escolher e fiquei com a literatura. O sucesso menor da poesia também é por natureza: entre o romance e a poesia, o leitor prefere o romance. Tanto que tem editor que se recusa a publicar. Não é o meu caso. O meu não publica porque eu não quero.
Valor: O senhor tinha um livro de poesia em andamento.
Suassuna: Tem. Acontece que eu reservava para usar num contexto maior. Nunca quis dar muita divulgação. Quero guardar para um contexto mais adequado.
Valor: A morte está sempre presente na sua obra. Qual é a sua relação com ela?
Suassuna: Não sei. Isso é uma coisa para você tratar com o psicanalista. Tenho em mim essa dualidade entre o riso e a morte. Talvez pelos acontecimentos da minha infância, eu perdi meu pai com três anos de idade... Não sei avaliar, mas sei que acontece comigo. Mesmo com a morte eu gosto de tratá-la com humor.
Valor: Não tem medo dela?
Suassuna: Acho que não. Se eu tivesse, não era tão bem-humorado, até porque estou bastante perto. Olha, você quer me matar, é?
Já acostumado a lidar com o desconhecimento do movimento por parte do grande público, o escritor de 83 anos tem sempre na ponta da língua a definição: "O objetivo principal é lutar contra o processo de vulgarização e descaracterização da cultura brasileira".
Nas paredes da sala, destaca-se entre as várias obras um tapete colorido no qual uma onça, uma cobra e três gaviões se unem formando um só animal. Criada por Suassuna, a figura representa as facetas da morte, que o autor de "O Auto da Compadecida" e de "A Pedra do Reino" diz não temer.
Abaixo do tapete repousa um aparelho de televisão cujo modelo não é dos mais modernos. É nele que o escritor vem acompanhando, satisfeito, a novela "Cordel Encantado", da Rede Globo. A veiculação da trama, argumenta, é "uma vitória para os que defendem a aproximação entre a cultura de massas e a cultura popular brasileira".
Neste fim de semana, Suassuna estará na capital paulista com a sua já tradicional aula-espetáculo, espécie de fusão entre teoria e prática culturais. A aula será no teatro do Sesc Vila Mariana, antes da apresentação de "As Cochambranças de Quaderna", peça de sua autoria que une duas histórias. A primeira conta a saga de duas irmãs prometidas em casamento, na qual o noivo de uma delas resolve casar-se com a outra. A segunda trata de uma mulher que faz um pacto com o diabo para que este carregue para o inferno o seu marido infiel e a amante.
Fazendo jus ao apelido de "chocalho", atribuído à fama de conversador, Suassuna falou longamente ao Valor, com voz baixa e pausada, mas com o bom humor característico. Fã de Dostoiévski, Cervantes e Lula, o escritor falou de política, conjuntura internacional, influências artísticas e até da era digital, da qual prefere manter-se alheio, apesar de ter um blog administrado por seu assessor, Alexandre Nóbrega.
O mestre da literatura e da dramaturgia só economizou nas palavras quando questionado sobre seu novo romance, ainda sem data para lançamento pela editora José Olympio. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Como começou essa história de aula-espetáculo?
Leo Caldas/Valor
Ariano Suassuna: Começou há muito tempo, mas, oficialmente, quando fui secretário de Cultura do último governo Miguel Arraes [1995-1998]. Na primeira reunião que ele fez, pediu que os secretários apresentassem um programa imediato que não gerasse grandes gastos e tivesse alguma repercussão. Imaginei a aula-espetáculo. Disse logo que não queria assessores políticos, mas sim assessores artistas, que pudessem me ajudar. Então ele nomeou músicos e vários outros artistas, bailarinos, e eu, então, pude organizar essas aulas. No início do segundo mês, apresentei a primeira aula-espetáculo.
Valor: Qual é o formato dessa aula?
Suassuna: Normalmente dou uma aula teórica sobre a cultura brasileira e vou exemplificando com as diversas partes do espetáculo. A gente organiza antes, ensaia. Conto, atualmente, com cinco músicos, cinco bailarinos e dois cantores. Organizei, por exemplo, um espetáculo chamado "Nau". Conto com um grande músico e compositor, chamado Antonio Madureira. Ele compôs essa música "Nau" em homenagem aos portugueses que aqui chegaram em naus. Então, dei o nome do espetáculo de "Nau", que é como uma viagem pela cultura brasileira. A primeira música cantada e dançada nessa aula chama-se "Toré". Não sei se você sabe, mas toré é o nome de uma cerimônia religiosa indígena, e, como a primeira vertente cultural que influenciou a formação da cultura brasileira foi a indígena, nós apresentamos "Toré" como o primeiro número da aula, em homenagem à cultura indígena. Depois vem "Nau", em homenagem à cultura portuguesa. Depois vem um maracatu chamado "Estrela Brilhante", em homenagem à cultura negra. Normalmente é assim: a gente apresenta diversos números e narro a formação da cultura brasileira. E assim a gente vai até o fim.
Valor: Sobre o seu próximo trabalho, o senhor já falou que seria o "livro de sua vida", que reuniria em uma só obra dramaturgia, romance e poesia. Depois, falou também que seria uma trilogia, uma espécie de conclusão de sua obra, uma conclusão de "A Pedra do Reino". Afinal, o que está sendo preparado?
Suassuna: As duas coisas. Pretendo, nesse livro, terminar o romance que deveria ser uma trilogia. "A Pedra do Reino" acabou valendo por ela mesma. Então, hoje, "A Pedra do Reino" serve de introdução ao novo romance. Agora, isso não tem nada a ver com essas aulas-espetáculo.
Valor: Mas ainda sobre o próximo trabalho...
Suassuna: Olha, no caso do próximo trabalho eu não vou poder lhe falar muito, não, porque o editor pediu que eu não falasse.
Valor: Existe uma data para o lançamento?
Suassuna: Tem não.
Valor: Em uma entrevista, o senhor disse que "a cultura é a sede da honra e da alma de uma nação", mas só pode exercer esse papel se os chamados "soldados" (políticos e empresários) pavimentarem o caminho, já que o senhor, por exemplo, não pertencia a esse ramo. Após participar de alguns governos, o senhor se considera do ramo?
Suassuna: Não. Veja, os cargos que exerci foram sempre ligados à cultura e sempre pedi, e fui atendido, que não houvesse interferência política no meu trabalho. Sempre trabalho com independência. Exerço o cargo de secretário de Cultura como escritor que sou. Agora, sou um escritor preocupado com os problemas do meu país e procuro exercê-lo assim, até o ponto em que não interfira na minha liberdade criadora.
Valor: A quantas anda a política cultural no Brasil?
Divulgação
"As Cochambranças de Quaderna", em cartaz no teatro do Sesc Vila Mariana, em São Paulo: neste fim de semana, antes da peça, Suassuna realizará uma de suas aulas-espetáculo
Suassuna: Na minha opinião, não só a política, mas a situação cultural no Brasil melhorou. Você talvez não tenha notado, pois é muito novo, mas, para uma pessoa na minha idade, o fato de a Rede Globo estar exibindo uma novela chamada "Cordel Encantado"... Olha, você não podia pensar nisso dez anos atrás.
Valor: O senhor a está assistindo?
Suassuna: Eu assisto à novela. Tenho restrições e as minhas condenações, mas a assisto, acho que as novelas da Globo são bem melhores do que qualquer enlatado americano. Acho que um escritor sério deve prestar atenção a isso.
Valor: O que significa para a cultura brasileira o fato de a Globo exibir essa novela?
Suassuna: Significa uma vitória para todos que sempre defendemos que a cultura de massas se aproximasse da cultura popular brasileira. E eles estão fazendo isso, estão procurando. Você veja, colocaram uma gravura animada na vinheta da novela. Uma vinheta claramente inspirada na gravura utilizada no folheto de cordel nordestino. E também tem um personagem que você jura que saiu do meu teatro.
Valor: Qual?
Suassuna: O que Matheus Nachtergaele está fazendo, uma espécie de profeta, meio louco, que fala que viu um reino envolvido numa bola de fogo. Aquele poderia ter saído do meu universo. Eu tenho um que, aliás, foi encenado pela Globo. Tenho uma peça chamada "Uma Mulher Vestida de Sol", que foi o primeiro trabalho que fiz na televisão, com direção de Luiz Fernando Carvalho, que tem um personagem que é um profeta, chamado Cícero, que anda com um cajado na mão, no mesmo jeito de Nachtergaele.
Valor: Essa aproximação entre cultura popular e de massas está mesmo ocorrendo?
Suassuna: Vejo isso como uma vitória enorme. Tenho notado um interesse maior pela cultura popular, mesmo nos meios de comunicação de massas. Não está como deveria ser, não, mas está melhorando. Como secretário de Cultura do primeiro governo de Eduardo Campos [2007-2010], percorri o Estado de Pernambuco todo. Organizei espetáculos e resolvi interiorizar a cultura. Sou um sertanejo e sei a carência que existe nas populações do interior, especialmente do sertão, de espetáculos de boa qualidade. Então, imaginei um programa de interiorização da cultura. Peguei uma caravana, um verdadeiro circo, e saímos aí pelo Estado todo. Andei em 60 e tantos municípios e o que noto é uma presença maciça da juventude, tanto nos espetáculos que dou aqui no Recife como no alto sertão.
Valor: Agora que o senhor deixou a secretaria, continua esse trabalho?
Suassuna: Continua. Mas eu deixei a Secretaria de Cultura, pois, da maneira como ela foi organizada neste mandato, eu não queria.
Valor: O que houve?
"Tenho notado um interesse maior pela cultura popular, mesmo nos meios de comunicação. Não está como deveria ser, mas está melhorando"
Suassuna: A parte burocrática aumentou muito. Por exemplo, existe aqui a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, a Fundarpe. A Fundarpe tem um fundo de cultura que recebe os projetos de todos os grupos que o governo vai ajudar. E eu não queria fazer esse tipo de trabalho. Queria fazer o meu trabalho criador. Então, o governador me colocou numa secretaria especial de assessoria dele.
Valor: Enquanto o aguardava, perguntei aqui se o senhor usava celular e recebi como resposta uma gargalhada. Como vê essa chamada "era digital" e sua influência na cultura?
Suassuna: [Risos] Isso eu não sei, não. Isso é território dos outros. A mim não mudou nada. Continuo a ser a mesma pessoa que sempre fui e eu não me deixo dominar, não quero nada que mande em mim. Pense num sujeito teimoso e difícil, esse sou eu nesse ponto. Não quero que ninguém mande em mim, muito menos um objeto. E o celular é um objeto que escraviza. Já não gosto do telefone fixo, que uso o menos possível, quanto mais um telefone que acompanha a gente o tempo inteiro.
Valor: Realmente, seu blog está desatualizado...
Suassuna: Não tomo nem conhecimento. Não sei nem o que é um blog. Nem quero saber. Se você sabe, por favor, não me explique. Não sei usar computador, não uso telefone celular. Continuo o mesmo homem que era em 1947, quando publiquei minha primeira peça de teatro.
Valor: O senhor também nunca saiu do Brasil. Nada na cultura estrangeira o atrai?
Suassuna: Se fosse perto, eu até ia a alguns países. Eu falei Portugal, Espanha, o norte da África e a Grécia eu ia. Se fosse ali perto.
Valor: Por que esses países?
Suassuna: Portugal por motivos óbvios. A Espanha também. A Península Ibérica, como um todo, eu tenho uma admiração enorme e uma ligação enorme. Tenho grande admiração por Cervantes, por Santa Teresa, por Calderón de La Barca, então eu sou louco pela cultura espanhola. Sou louco pela cultura russa, também. Tenho admiração por [Nikolai] Gógol e [Fiódor] Dostoiévski, principalmente, e [Liev] Tolstói também. Mas à Rússia eu não quero ir nunca. Só de pensar no clima... vou nada.
Valor: Ainda falando de exterior, como é que o senhor vê a ascensão da China em meio a uma certa "perda de poder" dos Estados Unidos?
Suassuna: Gosto muito. Quando eu nasci, a gente vivia sob o tacão do chamado imperialismo americano. Então vejo agora alguns países começando a confrontar esse poder, eu fico muito contente. Mas estou mais contente ainda com a união dos chamados Brics: Brasil, Rússia, Índia, China e agora África do Sul.
Valor: Qual é a influência desse movimento sobre a produção e demanda cultural?
Suassuna: Olhe, deixa eu lhe dizer uma coisa. Como eu lhe disse, as pessoas têm de mim uma visão muito injusta a respeito de uma estreiteza que me norteia no campo cultural. Não é verdade. A cultura me interessa universalmente. O que causa, talvez, esse equívoco é porque eu manifesto, de vez em quando com muita ênfase, uma repulsa total à cultura de massas. Mas isso não tem nada a ver com cultura. A de massas é uma cultura nefasta, criada de propósito, nivelada pelo gosto médio, para poder uniformizar, e não universalizar, a cultura. Então, gosto muito da cultura de todos os países, mas com suas características. Por exemplo, gosto muito de um pintor japonês chamado Katsushika Hokusai, gosto muito de um cineasta japonês chamado Akira Kurosawa. Pois bem, eu gosto muito deles dois e gosto porque eles atingem o universal por meio do nacional, por meio da sua cultura. Sem abrir mão. É uma contribuição da cultura japonesa para a cultura universal. Acho que cada país deve contribuir para a cultura universal com a sua nota peculiar, diferente, singular. O ser humano é o mesmo em todo lugar. Quando eu leio um romance russo, não quero encontrar algo que podia ser escrito em Nova York. Quero encontrar o ser humano por meio das circunstâncias peculiares da Rússia. Esse é o encontro.
Valor: Seria, nesse caso, o movimento armorial japonês?
Suassuna: Exatamente.
Valor: Alguns estudiosos afirmam que a arte armorial não se concretizou em um movimento, mas apenas em um estilo comum a muitos artistas. O senhor concorda?
Suassuna: Quero saber por que não é um movimento. Veja bem, eles têm razão de dizer que, como todo movimento, o armorial passou. O armorial aconteceu entre 1970 e 1980. Durou até muito. A Semana de Arte Moderna era para durar sete dias e não durou nem os sete, durou três. Então, o movimento, por sua natureza, é passageiro. O que ficou foi uma estética armorial. Olha, acaba de se fundar no Paraná um grupo musical, de câmara, jovem, chamado A Rosa Armorial. No Rio tem o grupo Gesta, de música armorial. Agora, por que não foi um movimento é que eu não sei.
Valor: Ao falar das aspirações do brasileiro, o senhor mencionou certa vez que no século XIX a elite brasileira queria ser francesa e agora quer ser "caricatamente e grotescamente" americana. Como é difundir a arte armorial em um cenário como esse?
Suassuna: Nem todo o povo do Brasil real está de acordo com isso. Cito, porque tenho percorrido o Brasil inteirinho e vejo como, principalmente a juventude, para pra ouvir essas ideias.
Valor: Mas há uma preferência majoritária pelo enlatado?
Suassuna: Pode ser. Eu nunca me iludi. Mas aí quem sofre com isso é todo tipo de arte, não só a armorial. Você hoje pega esses grupos de música internacional, eles têm um público maior do que a gente tem. Mas sempre foi assim. Esse desafio enfrento com a maior coragem e a maior alegria. Faço uma distinção entre êxito e sucesso. Essa distinção é fundamental para me entender e para entender meus companheiros, bem como os artistas de qualquer tempo. No meu entender, nenhum artista verdadeiro busca o sucesso. Busca o êxito, o que é bem diferente. O sucesso, por sua própria natureza, é efêmero. Me arranje um nome de uma banda, composta por brasileiros, mas que faça música internacional.
Valor: Sepultura.
Suassuna: Pronto. Você pega a banda Sepultura ou a banda Calypso, ela tem muito mais sucesso do que Euclides da Cunha. Muito mais. Se você anunciar uma conferência sobre Euclides da Cunha, se forem 40 pessoas já serão muitos. Já a banda tem público de milhares de pessoas em cada espetáculo. Então, eles têm sucesso. Mas me diga qual é o êxito maior? É "Os Sertões". Todo ano sai uma publicação. E mesmo os brasileiros que nunca tenham lido sabem que existe um livro chamado "Os Sertões" que é fundamental para o nosso país. Do mesmo jeito que o "Dom Quixote" é fundamental para a Espanha. Enquanto existir o "Dom Quixote", você pode invadir militarmente a Espanha, você pode dominá-la economicamente, mas a Espanha vai ficar viva porque tem um livro chamado "Dom Quixote". A mesma coisa digo eu de "Os Sertões". Podem desmoralizar, descaracterizar, vender, mas, enquanto existir "Os Sertões", sabe-se que existiu um país chamado Brasil e que aquele era um livro fundamental. Aquilo é êxito. Sei que todo artista verdadeiro o busca.
Valor: E qual é a vertente da arte armorial que teve mais êxito?
Suassuna: Êxito é tudo igual. Agora, algumas tiveram um picozinho de sucesso. Por natureza, a música. Existe um número maior de pessoas que ouvem música do que aquelas que leem.
Valor: O senhor fala da injustiça social que dilacera o Brasil entre o país dos privilegiados e o dos despossuídos. Isso mudou ou está mudando?
Suassuna: Mudou um pouco, o que atribuo a uma coisa histórica que foi o governo Lula. O número de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza nunca alcançou um índice tão pequeno em toda a nossa história. Para mim, foi o maior presidente que o Brasil já teve. O que ele pôde evitar de entregar, evitou. Evitou a entrega da Petrobras, do Banco do Brasil, além de ter reduzido o índice de miséria.
Valor: O senhor considera a poesia "a fonte profunda de toda sua obra". Por que ela teve menos sucesso no seu trabalho?
Suassuna: Quando eu falo em poesia, uso um conceito que era da cultura grega. Os gregos chamavam poesia não somente a "arte do verso", mas "o impulso criador que está por trás de todas as artes". Quando era adolescente, pratiquei a escultura, a música, a poesia, o romance e o teatro. Mas depois eu vi que não dava para ser como na Renascença, quando o papa pegava Leonardo da Vinci ou Michelangelo e dizia para não se preocuparem com o dia a dia, mas apenas com a criação. Não estou me comparando com eles, mas apenas com a atitude diante da arte. Então, eu tive que escolher e fiquei com a literatura. O sucesso menor da poesia também é por natureza: entre o romance e a poesia, o leitor prefere o romance. Tanto que tem editor que se recusa a publicar. Não é o meu caso. O meu não publica porque eu não quero.
Valor: O senhor tinha um livro de poesia em andamento.
Suassuna: Tem. Acontece que eu reservava para usar num contexto maior. Nunca quis dar muita divulgação. Quero guardar para um contexto mais adequado.
Valor: A morte está sempre presente na sua obra. Qual é a sua relação com ela?
Suassuna: Não sei. Isso é uma coisa para você tratar com o psicanalista. Tenho em mim essa dualidade entre o riso e a morte. Talvez pelos acontecimentos da minha infância, eu perdi meu pai com três anos de idade... Não sei avaliar, mas sei que acontece comigo. Mesmo com a morte eu gosto de tratá-la com humor.
Valor: Não tem medo dela?
Suassuna: Acho que não. Se eu tivesse, não era tão bem-humorado, até porque estou bastante perto. Olha, você quer me matar, é?
terça-feira, 19 de abril de 2011
Washington desafia endividamento, Jornal valor 19/04/2011
Peter Coy | Bloombergbusinessweek
Timothy F. Geithner diz que, se teto de endividamento não for elevado, há algumas medidas de emergência em vistaSuponhamos que o Congresso dos Estados Unidos não consiga elevar o teto de endividamento nacional antes de o governo federal americano alcançar o limite atual de US$ 14,294 trilhões, o que ocorrerá, pelas previsões, por volta de 16 de maio. O quanto isso seria mau? O secretário do Tesouro dos EUA, Timothy F. Geithner, que ganha para se preocupar com esse tipo de coisa, diz que dispõe de algumas medidas de emergência. O Departamento do Tesouro poderia manter o governo em funcionamento por dois meses, aproximadamente - por meio, por exemplo, da tomada de empréstimos junto ao Civil Service Retirement e Disability Fund, o instituto de previdência dos servidores americanos, em vez de recorrer a investidores particulares.
Até o início de agosto, no entanto, o Departamento do Tesouro estará em condição comparável à de um mutuário encurralado que tem de decidir que contas vai pagar e que outras porá na gaveta. Os EUA começarão a descumprir os pagamentos de algumas notas e bônus do Tesouro à medida que forem vencendo, portanto os credores exigirão taxas de juros mais elevadas para os novos bônus, como fizeram com a Grécia e outros países altamente endividados. Alguns fundos de pensão e empresas de seguros que são enormes detentores de títulos do Tesouro dos EUA terão de livrar-se deles em massa porque são proibidos de possuir papéis de instituições inadimplentes. O pânico resultante dessa operação puxaria as taxas ainda mais para cima - embora ninguém possa dizer precisamente a que altura chegariam, já que esse tipo de coisa nunca aconteceu. "Ameaçar não elevar o teto de endividamento não é apenas brincar com fogo", diz Robert A. Brusca, economista-chefe da consultoria Fact and Opinion Economics, de Nova York. "É brincar com fogo numa fábrica de dinamite."
Destruir a plena credibilidade e crédito dos Estados Unidos da América não é questão de pouca importância - o que torna ainda mais assustador o fato de tantos americanos quererem ver isso acontecer. Quarenta e seis por cento dos pesquisados em do Wall Street Journal/NBC News realizada de 31 de março a 4 de abril disseram ser contrários à elevação do teto de endividamento. Os entrevistadores fizeram a pergunta de novo depois de reproduzir os dois lados do argumento: alguns disseram que, se o teto não for elevado, as contas, benefícios, salários da administração governamental e os juros não serão pagos. Outros disseram que elevar o teto "vai dificultar a tarefa de pôr a casa em ordem para o governo", aumentando os títulos mantidos por outros países e devidos por gerações futuras de americanos. Depois de examinar essas duas alternativas, a oposição da opinião pública à elevação do teto de endividamento aumentou, para 62%.
Essa atitude de "botar para quebrar" está encorajando os membros do Congresso, que estão se preparando para deixar as negociações de teto de endividamento até o último momento possível, na esperança de arrancar o maior ganho possível. O líder da maioria na Câmara dos Deputados, o republicano Eric Cantor, de Virgínia, disse no último dia 12 que seria "irresponsável" elevar o teto de endividamento sem limites garantidos sobre a expansão dos gastos. Cantor pode estar se preparando para o malabarismo político; outros parecem convidar para uma colisão frontal. O senador Marco Rubio, republicano pela Flórida, disse num editorial do Wall Street Journal a 30 de março que elevar o teto de endividamento não seria "mais do que adiar as decisões difíceis para depois das próximas eleições. Não podemos nos dar ao luxo de continuar esperando."
É nauseante presenciar essa postura antiendividamento de alguns dos próprios parlamentares que criaram o endividamento desde o início, ao votar por aumentos dos gastos e reduções dos impostos. O presidente Barack Obama não está isento de culpa: ele votou contra a elevação do teto quando era senador, porque era George W. Bush que tinha de tomar a decisão naquela época.
Apesar dessa postura, o teto de endividamento desempenha um papel valioso no processo político do país. O limite imposto pelo Congresso é um substituto útil do teto real - aquele que, mais cedo ou mais tarde, será imposto pelos credores do país. Em algum momento eles vão ficar fartos do crescente endividamento dos EUA e dirão 'chega'. Ninguém sabe quantos gastos deficitários os EUA podem se permitir antes de alcançar esse teto intransponível, que não pode ser elevado por uma simples votação na Câmara dos Deputados e no Senado. Evidentemente, os EUA ainda estão bem abaixo dele. Os investidores mundiais estão dando demonstração da confiança na capacidade de pagamento dos EUA ao comprar bônus do Tesouro de 10 anos, protegidos contra a inflação, que rendem apenas 0,8% ao ano. É mais barato custear o endividamento agora do que durante os anos de superávit público do governo Clinton. Mas os vigilantes dos bônus podem se enfurecer num piscar de olhos - basta conferir o caso da Grécia, que viu seu custo de tomada de empréstimo de 10 anos duplicar para quase 13% nos últimos doze meses.
Por mais ridículo que pareça às vezes, a briga em torno da elevação do teto de endividamento imposto pelo Congresso dá aos EUA uma prenoção de como seria afrontar o limite real. Sancionar um teto de endividamento, a exemplo de estar no patíbulo com a corda no pescoço, concentra o pensamento maravilhosamente. Trata-se de um mecanismo de força artificial. Soluções de compromisso são alcançadas apenas quando os EUA se encaminham diretamente para a beira da inadimplência. Na cultura disfuncional de Washington, o teto desempenha o papel de um progenitor severo. Os japoneses têm uma palavra para isso: gaiatsu, que significa pressão externa.
O problema é que, na ausência de liderança política, o limite de endividamento se torna uma metralhadora giratória em vez de uma alavanca. Num clima político de dissenso, povoado de ideólogos, há o risco real de que os EUA ficarem inadimplentes devido à paralisia dos membros que manterão suas posições, por princípio, até o fim. Um dos combatentes que não mostraram a menor vontade de ceder para negociar uma solução de compromisso é o parlamentar republicano Paul C. Broun, da Geórgia, um médico conservador que votou contra a resolução de 8 de abril de evitar um fechamento do governo federal americano por não ter reduzido suficientemente os gastos. Broun acusou reiteiradamente o presidente Obama de tentar uma "tomada de controle socialista" do país.
Nunca houve melhor hora para cabeças mais frias se apresentarem e assumir a liderança. As linhas gerais do que precisa ser feito são óbvias. Em primeiro lugar, não se deixe dispersar pelo atual déficit público de curto prazo, que vai desaparecer, em grande medida, à medida que o país se recupera da profunda recessão de 2007-09. Cortes drásticos agora desacelerariam essa recuperação. O problema no qual é preciso se concentrar é o déficit público de longo prazo, cujo crescimento, num ritmo alarmante, está projetado depois de 2020, principalmente devido à alta dos gastos em direitos, principalmente aos sistemas Medicare e Medicaid, diante do envelhecimento e da maior necessidade de cuidados médicos da geração do "baby-boom" do pós-guerra (atualmente na faixa dos 57 aos 65 anos). Com o "cenário fiscal alternativo" do Departamento de Orçamento do Congresso americano - que é, na verdade, o curso mais provável, a menos que Washington passe a levar a sério a redução do déficit -, a dívida federal em poder do público triplica para 185% do PIB até 2035, em relação aos 62% do ano passado.
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Timothy F. Geithner diz que, se teto de endividamento não for elevado, há algumas medidas de emergência em vistaSuponhamos que o Congresso dos Estados Unidos não consiga elevar o teto de endividamento nacional antes de o governo federal americano alcançar o limite atual de US$ 14,294 trilhões, o que ocorrerá, pelas previsões, por volta de 16 de maio. O quanto isso seria mau? O secretário do Tesouro dos EUA, Timothy F. Geithner, que ganha para se preocupar com esse tipo de coisa, diz que dispõe de algumas medidas de emergência. O Departamento do Tesouro poderia manter o governo em funcionamento por dois meses, aproximadamente - por meio, por exemplo, da tomada de empréstimos junto ao Civil Service Retirement e Disability Fund, o instituto de previdência dos servidores americanos, em vez de recorrer a investidores particulares.
Até o início de agosto, no entanto, o Departamento do Tesouro estará em condição comparável à de um mutuário encurralado que tem de decidir que contas vai pagar e que outras porá na gaveta. Os EUA começarão a descumprir os pagamentos de algumas notas e bônus do Tesouro à medida que forem vencendo, portanto os credores exigirão taxas de juros mais elevadas para os novos bônus, como fizeram com a Grécia e outros países altamente endividados. Alguns fundos de pensão e empresas de seguros que são enormes detentores de títulos do Tesouro dos EUA terão de livrar-se deles em massa porque são proibidos de possuir papéis de instituições inadimplentes. O pânico resultante dessa operação puxaria as taxas ainda mais para cima - embora ninguém possa dizer precisamente a que altura chegariam, já que esse tipo de coisa nunca aconteceu. "Ameaçar não elevar o teto de endividamento não é apenas brincar com fogo", diz Robert A. Brusca, economista-chefe da consultoria Fact and Opinion Economics, de Nova York. "É brincar com fogo numa fábrica de dinamite."
Destruir a plena credibilidade e crédito dos Estados Unidos da América não é questão de pouca importância - o que torna ainda mais assustador o fato de tantos americanos quererem ver isso acontecer. Quarenta e seis por cento dos pesquisados em do Wall Street Journal/NBC News realizada de 31 de março a 4 de abril disseram ser contrários à elevação do teto de endividamento. Os entrevistadores fizeram a pergunta de novo depois de reproduzir os dois lados do argumento: alguns disseram que, se o teto não for elevado, as contas, benefícios, salários da administração governamental e os juros não serão pagos. Outros disseram que elevar o teto "vai dificultar a tarefa de pôr a casa em ordem para o governo", aumentando os títulos mantidos por outros países e devidos por gerações futuras de americanos. Depois de examinar essas duas alternativas, a oposição da opinião pública à elevação do teto de endividamento aumentou, para 62%.
Essa atitude de "botar para quebrar" está encorajando os membros do Congresso, que estão se preparando para deixar as negociações de teto de endividamento até o último momento possível, na esperança de arrancar o maior ganho possível. O líder da maioria na Câmara dos Deputados, o republicano Eric Cantor, de Virgínia, disse no último dia 12 que seria "irresponsável" elevar o teto de endividamento sem limites garantidos sobre a expansão dos gastos. Cantor pode estar se preparando para o malabarismo político; outros parecem convidar para uma colisão frontal. O senador Marco Rubio, republicano pela Flórida, disse num editorial do Wall Street Journal a 30 de março que elevar o teto de endividamento não seria "mais do que adiar as decisões difíceis para depois das próximas eleições. Não podemos nos dar ao luxo de continuar esperando."
É nauseante presenciar essa postura antiendividamento de alguns dos próprios parlamentares que criaram o endividamento desde o início, ao votar por aumentos dos gastos e reduções dos impostos. O presidente Barack Obama não está isento de culpa: ele votou contra a elevação do teto quando era senador, porque era George W. Bush que tinha de tomar a decisão naquela época.
Apesar dessa postura, o teto de endividamento desempenha um papel valioso no processo político do país. O limite imposto pelo Congresso é um substituto útil do teto real - aquele que, mais cedo ou mais tarde, será imposto pelos credores do país. Em algum momento eles vão ficar fartos do crescente endividamento dos EUA e dirão 'chega'. Ninguém sabe quantos gastos deficitários os EUA podem se permitir antes de alcançar esse teto intransponível, que não pode ser elevado por uma simples votação na Câmara dos Deputados e no Senado. Evidentemente, os EUA ainda estão bem abaixo dele. Os investidores mundiais estão dando demonstração da confiança na capacidade de pagamento dos EUA ao comprar bônus do Tesouro de 10 anos, protegidos contra a inflação, que rendem apenas 0,8% ao ano. É mais barato custear o endividamento agora do que durante os anos de superávit público do governo Clinton. Mas os vigilantes dos bônus podem se enfurecer num piscar de olhos - basta conferir o caso da Grécia, que viu seu custo de tomada de empréstimo de 10 anos duplicar para quase 13% nos últimos doze meses.
Por mais ridículo que pareça às vezes, a briga em torno da elevação do teto de endividamento imposto pelo Congresso dá aos EUA uma prenoção de como seria afrontar o limite real. Sancionar um teto de endividamento, a exemplo de estar no patíbulo com a corda no pescoço, concentra o pensamento maravilhosamente. Trata-se de um mecanismo de força artificial. Soluções de compromisso são alcançadas apenas quando os EUA se encaminham diretamente para a beira da inadimplência. Na cultura disfuncional de Washington, o teto desempenha o papel de um progenitor severo. Os japoneses têm uma palavra para isso: gaiatsu, que significa pressão externa.
O problema é que, na ausência de liderança política, o limite de endividamento se torna uma metralhadora giratória em vez de uma alavanca. Num clima político de dissenso, povoado de ideólogos, há o risco real de que os EUA ficarem inadimplentes devido à paralisia dos membros que manterão suas posições, por princípio, até o fim. Um dos combatentes que não mostraram a menor vontade de ceder para negociar uma solução de compromisso é o parlamentar republicano Paul C. Broun, da Geórgia, um médico conservador que votou contra a resolução de 8 de abril de evitar um fechamento do governo federal americano por não ter reduzido suficientemente os gastos. Broun acusou reiteiradamente o presidente Obama de tentar uma "tomada de controle socialista" do país.
Nunca houve melhor hora para cabeças mais frias se apresentarem e assumir a liderança. As linhas gerais do que precisa ser feito são óbvias. Em primeiro lugar, não se deixe dispersar pelo atual déficit público de curto prazo, que vai desaparecer, em grande medida, à medida que o país se recupera da profunda recessão de 2007-09. Cortes drásticos agora desacelerariam essa recuperação. O problema no qual é preciso se concentrar é o déficit público de longo prazo, cujo crescimento, num ritmo alarmante, está projetado depois de 2020, principalmente devido à alta dos gastos em direitos, principalmente aos sistemas Medicare e Medicaid, diante do envelhecimento e da maior necessidade de cuidados médicos da geração do "baby-boom" do pós-guerra (atualmente na faixa dos 57 aos 65 anos). Com o "cenário fiscal alternativo" do Departamento de Orçamento do Congresso americano - que é, na verdade, o curso mais provável, a menos que Washington passe a levar a sério a redução do déficit -, a dívida federal em poder do público triplica para 185% do PIB até 2035, em relação aos 62% do ano passado.
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S&P abre os olhos para o buraco financeiro dos EUA
Ainda que as agências de classificação de riscos tenham perdido credibilidade depois da crise de 2008-- quando davam boas notas a bancos e empresas que quebraram e levaram o mundo à pior crise econômica pós-depressão dos anos trinta do século passado-- continuam a fase estragos ao anunciarem suas notas de risco negativas.
Os EUA ontem sentiram abalos, leves, é claro, tamanha é a grandeza de sua economia, e porque são muito grandes para ser quebrados, ao verem reduzidas de estável para negativa as perspectivas para sua dívida soberana, pela agência Standar & Poor (S&P). Foi o suficiente para baixas nas bolsas de valores mundo afora.
Na verdade não há nenhum risco de os EUA darem um calote, mas é um despertar para as contas fiscais e dívida pública norte-americanas. O déficit deve chegar a US$ 1,6 trilhão e a dívida pública é calculado hoje na casa de US$ 14,2 trilhões. Qualquer outro paíse com um rombo deste porte já teria sido decretado a sua falência, haja vista a situação de Portugal, Grécia e as desconfianças frente a Espanha.
Em todo caso acendeu-se a luz amarela. Quer dizer que a maior economia global não está bem de saúde financeira. A situação piora à medida que o sistema político americano, polarizado entre democratas e republicanos, caducou. Não dá conta para tirar os EUA do buraco que a cada ano se aprofunda.
Os EUA ontem sentiram abalos, leves, é claro, tamanha é a grandeza de sua economia, e porque são muito grandes para ser quebrados, ao verem reduzidas de estável para negativa as perspectivas para sua dívida soberana, pela agência Standar & Poor (S&P). Foi o suficiente para baixas nas bolsas de valores mundo afora.
Na verdade não há nenhum risco de os EUA darem um calote, mas é um despertar para as contas fiscais e dívida pública norte-americanas. O déficit deve chegar a US$ 1,6 trilhão e a dívida pública é calculado hoje na casa de US$ 14,2 trilhões. Qualquer outro paíse com um rombo deste porte já teria sido decretado a sua falência, haja vista a situação de Portugal, Grécia e as desconfianças frente a Espanha.
Em todo caso acendeu-se a luz amarela. Quer dizer que a maior economia global não está bem de saúde financeira. A situação piora à medida que o sistema político americano, polarizado entre democratas e republicanos, caducou. Não dá conta para tirar os EUA do buraco que a cada ano se aprofunda.
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