domingo, 23 de maio de 2010

Antigo sócio de José Serra condenado a 6 anos de prisão

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) sentenciou na
terça-feira, 18 de maio, o aumento
da pena de 3 para 6 anos, de 16 réus, por crime financeiro contra o
Banco do Estado de São Paulo (Banespa) ocorrido em 1992 (Processo:
N.º 2006.03.99.008600-8).
Entre os réus está Vladimir Antônio Rioli, à época um dos diretores do
banco, e ao mesmo tempo sócio de José Serra (PSDB/SP), na empresa
Consultoria Econômica e Financeira Ltda.
Em 1992, Rioli e outros diretores do Banespa aprovaram uma operação para
a concessão de fiança bancária à Propasa Produtos de Papel S.A. Na
operação, o limite de crédito autorizado para a empresa, de US$ 1,1
milhão, foi excedido em US$ 2,2 milhões. De acordo com a denúncia, o
interesse em beneficiar a Propasa era tão evidente que, quando a
proposta inicial não foi aprovada, foi necessário desmembrá-la em duas
operações para que houvesse, enfim, a aprovação da Diretoria Plena.
Dessa forma, os diretores envolvidos garantiram a aprovação dos
recursos, mesmo com a evidente incapacidade econômico-financeira da
empresa para recebê-los. A pena foi inicialmente fixada em três anos de
reclusão, prestação de serviços à comunidade e pagamento de 25
dias-multa. O Ministério Público Federal recorreu pelo aumento da pena, e
conseguiu dobrá-la para 6 anos.
Não é a primeira condenação de Rioli por operações semelhantes. Segundo a
edição
1704 da Revista IstoÉ, em 1999 ele foi condenado pela Justiça
Federal a quatro anos de prisão – convertidos em prestação de serviços e
pagamento de indenização – por liberar um empréstimo do Banespa
equivalente a US$ 326,7 mil à Companhia Brasileira de Tratores, empresa
da família Pereira Lopes, de São Carlos (SP), que estava em dificuldades
e colecionava títulos protestados na praça.
Em 1992 esteve envolvido na Operação Banespa, montada por Ricardo Sérgio
de Oliveira e aprovada por Rioli, então vice-presidente de operações do
Banespa. Trouxe de volta ao País US$ 3 milhões sem procedência
justificada investidos nas Ilhas Cayman, um conhecido paraíso fiscal no
Caribe.
Ele também autorizou outras transações envolvendo Ricardo Sérgio e a
Calfat, uma indústria têxtil com sede em São Paulo, na qual o próprio
Ricardo Sérgio atuava como presidente do seu conselho deliberativo. Em
setembro de 1992, Rioli liberou para a tecelagem, sem nenhuma garantia,
um empréstimo do Banespa no valor correspondente hoje a R$ 1,7 milhão
(em 2002). Um ano depois, Rioli autorizou o Banespa a tocar várias
operações de câmbio que permitiram ao ex-diretor do BB e à Calfat trazer
outros recursos do Exterior, provocando um rombo nas contas do ex-banco
estatal.
Em 1993, Rioli se envolveu em outro escândalo. Foi acusado pelo Tribunal
de Contas da União de arquitetar uma operação que deu à Cosipa, na
época estatal, um prejuízo equivalente a US$ 14 milhões. A operação, um
fantástico contrato sem correção monetária numa época de inflação
galopante, foi fechada em 1986, quando Rioli presidia uma outra
consultoria, a Partbank S.A.
Durante todos estes escândalos, Serra continuava sendo sócio de Rioli na
empresa de consultoria. A sociedade começou em 10 de março de 1986,
quando o hoje candidato demo-tucano estava deixando a Secretaria de
Planejamento do governador Franco Montoro para disputar sua primeira
eleição a deputado federal. A consultoria funcionou até ser encerrada em
17 de março de 1995, quando Serra já estava no governo FHC, ocupando o
ministério do planejamento.
José Serra, estranhamente, ocultou
a empresa de consultoria, ao não declará-la à Justiça Eleitoral, na
eleição de 1994, quando concorreu ao Senado.
Rioli foi companheiro de militância de Serra e do falecido Sérgio Motta
(ex-ministro de FHC) na Ação Popular (AP), movimento de esquerda da
década de 60, clandestino durante a ditadura. Nos anos 80 e 90 foi
arrecadador de recursos para campanhas do PSDB juntamente com Ricardo
Sérgio de Oliveira.

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Irã: um grande país por Aloizio Mercadante

JORNAL DO BRASIL 23/05/2010
Irã: um grande país
Aloizio Mercadante
Os livros de história guardarão essa data, segunda- feira, 17 de maio, quando o Brasil e a Turquia propuseram à ONU um acordo negociado com Teerã sobre um aspecto do problema nuclear iraniano (Le Monde,19/5/2010).
De Gaulle, zeloso da grandeza da França, dizia que a política mais ruinosa é a de ser pequeno. Tinha razão. A política de ser pequeno torna pequenos países que poderiam ser grandes. Pois bem, o Brasil, no governo Lula, abandonou a política de ser pequeno, periférico. Nosso país pratica agora a política de ser grande e ocupa cada vez mais espaço no cenário internacional, colhendo bons dividendos econômicos e políticos.
O Memorando de Entendimento celebrado entre Brasil, Turquia e Irã, que abre as portas para uma solução negociada relativa à espinhosa questão do programa nuclear iraniano, é exemplo cabal dessa política. O Oriente Médio sempre foi visto como zona de influência exclusiva das superpotências, especialmente dos EUA. Talvez por isso mesmo, é uma área em conflito permanente. Alguns países da região, como a Turquia, estão cansados dessa instabilidade.
O mundo, ou sua maior parte, também. Enganam-se aqueles que acham que os conflitos daquela região têm consequências geograficamente restritas. Essa ilusão acabou em 1973, no primeiro choque do petróleo. A instabilidade do Oriente Médio gera instabilidade mundial. Por isso, o Brasil resolveu dar a sua contribuição. Nosso país, um soft power ancorado numa competente diplomacia e num chefe de Estado com notável capacidade de negociação, tinha todas as condições para fazê-lo. Não gerávamos as desconfianças que outros criavam e possuíamos o cacife político-diplomático de termos articulado os interesses dos países emergentes em diversos foros mundiais.
Assim, fechamos um acordo cujas bases são exatamente as mesmas das propostas pelos EUA e aliados há apenas oito meses. O crucial era trazer o Irã à mesa de negociações e fazer com que ele concordasse em enviar seu estoque de urânio enriquecido em 3,5% ao exterior, para ser enriquecido em 20%. Por diversos motivos, os antigos negociadores não conseguiram. Porém, nós tivemos êxito onde as superpotências fracassaram.
Tal êxito, gol histórico da nossa política externa, foi aplaudido por muitos. Afinal, conseguimos abrir as portas do diálogo e da negociação para solucionar um problema que tensiona o mundo. Evidentemente, o acordo trilateral necessitará ser chancelado pelo Grupo de Viena (EUA, França, Rússia e a AIEA). Mas não há mais motivos racionais para não prosseguir na rota do entendimento. Os principais entraves à negociação foram removidos.
Entretanto, interna e externamente, a ação brasileira pela paz tem críticos. No plano interno, há aqueles que acham não ter relevância o acordo. São os mesmos que consideravam que o Brasil fracassaria em sua tentativa de intermediar um conflito que não era de sua alçada. São também os mesmos que confundem interesses político-eleitorais com o interesse nacional. Na ânsia de criticar o governo, criticam o Brasil e seu novo protagonismo internacional.
No plano externo, os críticos são animados por razões diversas. Há aqueles que não têm real interesse em tentar o diálogo com o Irã. Apostam no isolamento e na desestabilização do regime iraniano. Um caminho perigoso e imprevisível, que Obama havia prometido evitar, dialogando com os adversários dos EUA. Para eles, o acordo obtido pelo Brasil é um estorvo, e deveria ter o mesmo destino do nosso embaixador Bustani, que tentou contribuir para resolver a questão iraquiana pela via pacífica e foi, por isso, defenestrado da OPAQ. Há também aqueles que continuam achando que somente as superpotências podem ter voz nas grandes questões internacionais. Não entendem que o mundo está mudando. Há nova geoeconomia e nova geoestratégia em construção. O Sul emergente está ocupando espaços que antes estavam reservados ao Norte desenvolvido. Nesse sentido, o acordo alcançado pelo Brasil é bem mais do que uma iniciativa que possibilita a paz; ele é um marco histórico que sinaliza o surgimento de nova ordem mundial, mais plural e simétrica, a qual demandará, entre outras coisas, a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Uns e outros críticos são movidos por motivos menores que as razões que assistem à busca da paz e de uma nova ordem internacional mais estável e justa. Praticam, muitas vezes, política apequenada, mesmo sendo grandes potências. Já o Brasil, que não tem a condição de superpotência, demonstrou ser, independentemente do que venha a ocorrer com o acordo firmado, um grande país.
* Senador (PT-SP)

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Asia Times: Por que os EUA insistem na solução violenta?

19 de maio de 2010 às 17:22
Asia Times: Por que os EUA insistem na solução violenta?
“Por que os EUA insistem na solução violenta?”

20/5/2010, Kaveh L Afrasiabi, Asia Times Online (de Teerã)

Tradução de Caia Fittipaldi

Com a confirmação do acordo de Teerã, para troca de combustível nuclear, aproximando-se dos EUA como bola-de-efeito lançada por mão de mestre, os EUA veem-se forçados chutar de-qualquer-jeito, ‘bola pro mato’, para longe da quadra, e pressionam como podem para impor mais sanções contra o Irã.

Washington garantiu que conta com apoio de russos e chineses (obtido “de ontem para hoje”) para as sanções que dependem de aprovação pelo Conselho de Segurança e não são condicionadas a qualquer acordo sobre a proposta viabilizada na 2ª-feira por Turquia e Brasil para fazer baixar o nível de tensão do impasse nuclear.

Depois de meses de negociações e um dia depois da declaração trilateral, a divulgação de um rascunho de resolução da ONU que representaria uma quarta rodada de sanções – caso seja aprovada –, seria “a única resposta aceitável aos esforços que empreendemos no Irã nos últimos dias”, nas palavras da secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton.

É possível que Clinton esteja sob intensa pressão para elevar a aposta dos EUA na aprovação das tensões, com editorial do Wall Street Journal, ontem, pintando o acordo de Teerã na 2ª-feira como “fiasco” e “debacle” da diplomacia do presidente Obama[1].

O acordo de Teerã tem potencial para gerar dúvidas em quantidade suficiente para adiar a discussão das sanções ou para abalar o empenho da Casa Branca a favor de sanções, sobretudo se se considera que a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), de fiscais da ONU para questões de energia nuclear, ainda tem de analisar os detalhes do acordo que abre, sim, via alternativa importante às sanções.

“Há muitas perguntas ainda sem resposta, no acordo anunciado em Teerã”, disse Clinton em comunicado no qual reconhece os esforços de Turquia e Brasil para encontrar saída para o impasse. “Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU” [Rússia, China, EUA, Reino Unido e França + a Alemanha, conhecidos como “Irã-6”], tentam arregimentar a comunidade internacional a favor de sanções duras, que, na nossa opinião, implicam mensagem muito clara sobre o que se pode esperar do Irã”, disse Clinton na mesma declaração.

Clinton disse à noite que o ministro das Relações Estrangeiras da Rússia Sergei Lavrov, lhe dissera que Moscou continua a concordar com o texto rascunhado de resolução, mesmo depois do acordado entre Irã, Brasil e Turquia. Ma Zhaoxu, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China disse que Brasil e Turquia “ajudaram o processo de solução pacífica para a questão nuclear iraniana pelo diálogo e o entendimento”.

Em briefing para a imprensa, Ma acrescentou “esperamos que ações do Conselho de Segurança ajudem a salvaguardar o regime internacional de não-proliferação, a manter a paz e a estabilidade no Oriente Médio e a pressionar para um acordo adequado da questão nuclear iraniana.”

Espera-se que o Conselho de 15 nações vote a resolução no próximo mês, com alterações mínimas possíveis até lá. Brasil e Turquia, ambos membros do Conselho, defendem que não são necessárias mais sanções, se o Irã respeitar os termos do acordo trilateral, pelo qual o urânio iraniano enriquecido passa a ser embarcado para a Turquia, em troca de novo combustível para o reator de pesquisas de Teerã.

O rascunho de resolução da ONU, de 10 páginas, acertado entre os “Irã-6” inclui inspeção internacional nos navios sobre os quais haja qualquer suspeita de estarem transportando carga que se possa associar ao programa nuclear iraniano ou à construção de mísseis, e bloqueio de todas as transações financeiras que se possam associar a qualquer tipo de ajuda aos programas nuclear e de mísseis do Irã. Exige-se também expansão do embargo já existente para compra de armas (Teerã fica impedida de comprar outros modelos de armas, incluindo armamento pesado). Originalmente, EUA e europeus aspiravam a impor bloqueio total contra compra de qualquer tipo de qualquer arma e incluir o Banco Central do Irã na lista negra de agentes proibidos de operar; mas Rússia e China opuseram-se a essas duas sanções. (…)

Na 2ª-feira, Irã, Brasil e Turquia acertaram que, no prazo de uma semana, o Irã compromete-se a enviar carta à IAEA, pela qual se declara pronto para iniciar a troca do urânio baixo-enriquecido. A Declaração de Teerã também menciona a necessidade de todos focarem as discussões nos “elementos comuns” dos dois pacotes – as ideias de Teerã e as ideias dos “Irã-6” –, o que pode implicar um acordo “Vienna II”, com agenda mais ampla, inclusive questões extra-nucleares; o que é o mesmo que dizer que acordo naquela região, para significar realmente alguma coisa, não pode desconsiderar questões regionais de segurança.

Clinton não se cansou, inúmeras vezes nos últimos meses, de acusar o Irã de ter rejeitado acordo de troca de combustíveis. De fato, é ela, hoje, quem torpedeia acordo já assinado, com a imposição de sanções. Esse movimento de Washington enfurecerá os funcionários turcos que coordenaram com Washington as ações relativas ao Irã – e não trabalharam, é claro, para ver os norte-americanos agirem de forma errática, com Clinton, no Congresso, em posição que não parece acompanhar as posições do presidente Obama.

Mais do que isso. À luz da resposta positiva dos chineses à Declaração de Teerã, poucos acreditam, no mundo, que a China tenha, de fato, concordado com as sanções, não, com certeza, nos termos em que a secretária Clinton tem divulgado.

Parte do problema é no encontro de Viena, em outubro, os EUA não apresentaram quaisquer precondições para o “rascunho de acordo” com a IAEA. Absolutamente não se discutiu qualquer suspensão para o programa de enriquecimento de urânio do Irã. Surpreendentemente, essa parece ser a única obsessão de Clinton, hoje.

O saldo da confusão é que, por um lado, há aí, à vista de todos – e na mesa da IAEA, uma saída negociada e acordada para o impasse nuclear iraniano, sob a forma de troca de urânio baixo-enriquecido por combustível para o reator médico (formalizada na Declaração de Teerã, da 2ª-feira; e, ao mesmo tempo, a ação de Clinton intensifica o impasse nuclear e, de fato, empurrando-o para o confronto, no caso de a ONU vir a aprovar novas sanções (e “debilitantes”) contra o Irã.

Nesse cenário, os laços que unem o Irã e a IAEA, salvaguardados no acordo de Teerã, seriam gravemente fragilizados, e poderiam romper-se completamente, no processo de aplicação de sanções muito duras.

Atitude diplomática prudente, hoje, faria adiar por alguns dias a discussão de novas sanções – e dar justa chance ao acordo de Teerã.

Analista de política exterior do Irã disse a esse autor que “O Irã está dando sinais de interessar-se por reaproximar-se da ONU e temos dito repetidas vezes que nos opomos a armas nucleares. O Irã é absolutamente contrário às armas nucleares – produção, aquisição e uso –, e já nos declaramos favoráveis a um Oriente Médio desnuclearizado. Nisso, é o Irã que assume as posições mais democráticas, nos termos do que o governo do presidente Obama tem repetidamente proposto. O Irã, não Israel. Acabamos de aceitar a troca, depois que se construiu a alternativa que incluiu a Turquia”.

“Nossa pergunta é”, continuou aquele analista: “Por que, de repente, os EUA mudam de ideia, perdem essa oportunidade de pacificar a questão e insistem na solução mais violenta?”

sábado, 15 de maio de 2010

"Entre a crítica e a ideologia", entrevista de Alfredo Bosi ao Estadão

Alfredo Bosi, um mestre entre a crítica e a utopia
15 de maio de 2010 | 5h 00


SÃO PAULO - Logo no início de Ideologia e Contraideologia, Alfredo Bosi, professor titular de literatura da USP, cita o ensaísta francês Montaigne, que, falando dos nativos do Novo Mundo, disse: "Cada um de nós chama barbárie aquilo que não é de seus hábitos." Providencial lembrança. Como Montaigne no passado, Bosi observa apreensivo o recrudescimento do fanatismo e da intolerância no mundo contemporâneo, responsáveis pela erosão dos valores democráticos.

Leia trecho do capítulo 'A Renascença entre a Crítica e a Utopia'

Seu livro, um ensaio sobre seis séculos da acidentada civilização ocidental, começa com Montaigne (1533-1592), passa por Locke (1632-1704), Condorcet (1743-1794), Comte (1798-1857), Durkheim (1858-1917) e Gramsci (1891-1937) até chegar ao mais estudado entre os livros de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, em que o autor denuncia "a ideologia excludente e preconceituosa do velho liberalismo oligárquico" brasileiro. Sobre Ideologia e Contraideologia, o ensaísta e crítico, membro da Academia Brasileira de Letras, falou ao Sabático, na entrevista a seguir.

Atualizando uma questão proposta a Rousseau pela Academia de Dijon, o senhor acha que a ciência - da informática, inclusive - contribui para o aperfeiçoamento dos costumes e da sociedade? A internet está forjando uma ideologia?

Apesar da enorme diferença de contexto que nos separa dos escritos de Rousseau, a questão que lhe foi proposta continua atual, pois ainda está longe de receber uma resposta única e satisfatória. Os acadêmicos de Dijon queriam saber se "o renascimento das ciências e das artes contribuiu para o aperfeiçoamento dos costumes". Já no século das Luzes percebia-se o descompasso entre a civilização material e a ética, instâncias que a maioria dos ilustrados supunha serem irmãs gêmeas. Hoje a perplexidade conhece alvos diferentes. A difusão maciça das técnicas e das ciências aplicadas se faz mediante os recursos da informática. A escala é planetária, o que torna difícil emitir juízos de valor sobre os seus efeitos mentais e morais. Parece mais sensato pensar a questão em termos de fins, ou seja, de motivações dos usuários. O cidadão que procura na internet informações idôneas que respondam a suas dúvidas ou a suas preocupações sociais e éticas se beneficia de dados que poderão ajudá-lo a desmontar as tramas da ideologia corrente. É o seu antídoto possível em relação a informações manipuladas pelo poder do mercado, da mídia alugada ou do Estado. Mas há também o outro lado da moeda, que é real: se os interesses do internauta forem egocêntricos ou agressivos, o mal assumirá proporções inéditas na história da humanidade, na medida em que se reforçam aspectos perversos de determinadas correntes ideológicas: o consumismo irresponsável, a idolatria do capital ou do Estado, os fundamentalismos de todo tipo. Não nos resta senão pensar e agir no sentido de contrastar com os meios disponíveis as perversões ideológicas com o sal da terra que é a contraideologia. Algumas de suas formas merecem ser contempladas: a crítica, os trabalhos da ciência e da arte, a autorreflexividade e algumas vertentes libertadoras da vida espiritual e religiosa.

Rousseau permanece um modelo de luta contra uma sociedade assimétrica. Com a globalização, a progressão da desigualdade parece reafirmar o poder de sistemas políticos hierárquicos. Como o senhor vê o homem que está surgindo dessa nova ordem política e econômica? Estaríamos diante de uma mutação antropológica?

A questão foi tratada no Segundo Discurso de Rousseau (1755), que não venceu o concurso da Academia, mas inaugurou uma corrente democrática radical. O Antigo Regime, fundado na sociedade de ordens e estamentos, era iníquo. Alguns anos depois da morte de Rousseau, a Revolução Francesa destruiu o velho sistema e mudou a sua estrutura política. A burguesia passou a ocupar o centro do poder, destronando a nobreza hereditária. As classes médias e o proletariado cresceram consideravelmente e tiveram que empreender uma luta árdua para ter acesso aos bens da nova sociedade industrial e da cidadania liberal. Confira-se o longo percurso das classes subalternas para chegar ao sufrágio universal e às leis trabalhistas. Quanto à globalização capitalista, que vivemos há 40 anos, é evidentemente assimétrica e, não por acaso, sacudida por crises intermitentes. Não me arrisco a afirmar que esses espasmos febris do capital e, por tabela, dos governos, estejam produzindo uma mutação antropológica. Mas o que salta à vista, de todo modo, é a difusão de um sentimento de insegurança que parece transversal, pois penetra em todas as classes. O ‘homo timens’ apoderou-se do homo sapiens, lançando-o em um estado de incerteza de que ele procura fugir imergindo na futilidade do prazer consumista ou nos confortos da técnica vendidos pela civilização de massas. Há também evasões fundamentalistas que exprimem graus de insegurança existencial significativos. O fato de cada um buscar o seu refúgio é uma fatalidade que data, pelo menos, da idade das cavernas. Mas é justo temer o excesso de temor. Esse comportamento é perigoso, pois, como dizia Alain (Émile Chartier, 1868-1951): "Je n’ai peur que des faibles." Só tenho medo dos fracos, ou melhor, dos que se sentem fracos e reagem por meios violentos.

O senhor observa que a história mundial paradoxalmente deu razão e desmentiu Condorcet, mostrando que o ser humano pode retroceder ao estado de barbárie, seja pelo nazi-fascismo ou pelas atrocidades do Iraque. Essa onda de irracionalismo espalhada pelo mundo pode ser vista como sinal de uma nova barbárie que vem por aí?

Tenho uma profunda admiração pelo homem Condorcet e pela sua obra. Este "último dos iluministas" foi perseguido pelo Terror, teve Robespierre entre os seus desafetos, mas até a sua hora final acreditou na revolução como passagem para um estágio racional superior da humanidade. Para ele, instrução e progresso deveriam sempre dar-se as mãos. Inspirou outro pensador de fôlego, Auguste Comte, hoje tão maltratado pelos que não o leem e se contentam em realçar alguns traços conservadores ou mesmo caducos do positivismo. Na passagem do livro dedicada a Condorcet reconheço a generosidade do seu pensamento, que inclui todos os bens produzidos pelas ciências, embora seja necessário relativizar a sua crença no progresso. A crença foi, em parte, desmentida pelo uso criminoso que o complexo industrial-militar fez, por exemplo, dos conhecimentos da Física Nuclear e da Química. Novamente, a questão crucial é sempre a do uso dos meios que transgride a ética dos fins.

Segundo sua conclusão, o discurso ideológico seria sempre elaborado na chave retórica da persuasão. Como Mannheim, o senhor sugere que se desconfie da ideologia?

O pensamento de Mannheim é rico e diferenciado, não podendo ser reduzido a fórmulas estreitas. Para Mannheim, ideologia não é, necessariamente, produção de ideias por uma determinada classe visando sempre a mistificar o próprio poder sob a máscara de verdades universais. Ao lado dessa concepção fortemente valorativa, que descende de A Ideologia Alemã, de Marx e Engels (e que Mannheim em boa parte acolhe), haveria estilos de pensar vigentes em certos grupos sociais e em certos momentos históricos que moldariam este ou aquele tipo social, sem que se possa acusar neles um caráter intrinsecamente fraudulento e mistificador. Mannheim é um dos criadores da sociologia do conhecimento, mas estava consciente de que, se relativizamos todo o nosso saber condicionando-o à nossa classe, ninguém escapará desse determinismo, a começar pelo próprio sociólogo do conhecimento... Para sair do impasse, Mannheim propõe que o intelectual se dedique à percepção dos limites do seu grupo de origem e se coloque em um ângulo crítico que o livraria dos estereótipos da sua classe. É uma esperança.

O termo ideologia, no sentido marxista, seria inadequado para qualificar o discurso de vários pensadores. No entanto, a utopia da igualdade radical renasce das cinzas em todos os momentos de crise. O mundo ainda virá a ser socialista?

Eu teria um enorme prazer se pudesse responder com um alto e sonoro "sim!" a esta pergunta. Entretanto, o olhar que dirijo ao que posso alcançar (certamente pouco) não me autoriza a ir além de uma esperança, que suponho bem fundada, nas potencialidades de um reformismo democrático. Acredito em soluções que deram certo, o Estado-providência, por exemplo. E em propostas que já foram ou estão sendo testadas: o desenvolvimento sustentável, a democracia participativa, o orçamento participativo, a economia solidária. A contraideologia precisa dispor de meios a curto e médio prazo para sustentar-se. Quanto às utopias, há sempre tempo para sonhar.

O livro revela certa antipatia pela sociologia - definida como "filha dileta do positivismo" - e simpatia pelo inconformismo dos filósofos. O mundo contemporâneo estaria carente de bons pensadores, sufocado de "ideologias" e tabelas criadas por sociólogos? O senhor tenderia mais para o lado dos utopistas e menos para o dos ideólogos?

Sigo de perto as considerações críticas feitas por Gramsci sobre a sociologia norte-americana que, na sua época, mapeava a "realidade" mediante tabelas estatísticas que tendiam a imobilizar o rosto do processo social. A teoria crítica de Horkheimer e Adorno chegou, com outra linguagem, a igual consciência em relação à sociologia acadêmica ocidental. Gramsci, porém, dava a devida importância ao estudo sociológico que permite detectar algumas tendências de comportamento no interior das classes sociais.

Reafirmando as palavras de Albert Camus, o senhor elogia o balanço que Simone Weil faz em L’Enracinement, no qual ela critica o capitalismo ocidental e o estatismo soviético. Como essa herança contraideológica poderá vencer a ideologia da "agressividade" do produtor em tempos de globalização?

Camus compreendeu precocemente a agudeza do pensamento de Simone Weil, cuja obra começou a editar pela Gallimard. Simone Weil analisou lucidamente não só os males do capitalismo industrial como também a opressão que o stalinismo exercia sobre o proletariado russo. Em ambos os sistemas, a produtividade, que parecia beneficiar a todos pelo seu aumento exponencial, na verdade se convertia, com o tempo, em uma força destruidora da natureza e do trabalhador. São memoráveis as discussões de Simone Weil com Trotski em 1933. É preciso ler e reler com atenção o seu extraordinário ensaio Reflexões sobre as Causas da Liberdade e da Opressão Social para acompanhar os passos desse pensamento de resistência contraideológica. O texto é de 1934, mas a sua atualidade é candente.

A exemplo de Pasolini, o senhor levanta uma discussão em torno das palavras desenvolvimento e progresso, classificando a primeira como uma ideologia, "talvez a mais prestigiosa ideia-força de nosso tempo". Por que a ideia de progresso empobreceu tanto?

A ideia de progresso foi perdendo prestígio, sobretudo entre os intelectuais dotados de senso crítico, na medida em que se formulava de modo linear segundo um esquema de evolução automática. Duas guerras mundiais, dezenas de milhões de vítimas, bombas atômicas lançadas contra populações civis no Japão, a guerra suja do Vietnã, as ditaduras fascistas e stalinistas, a Guerra Fria e outros tantos atentados à dignidade humana tiraram da palavra a aura mágica que a envolveu durante o século 19 e parte do 20. Em contrapartida, o ideal de um desenvolvimento integrado à natureza e respeitoso do trabalho, tal como o defendia Celso Furtado nos seus últimos livros, veio ocupar com vantagem o lugar do termo "progresso".

O senhor evoca Sócrates, os estoicos, o universalismo fraterno dos Evangelhos e os textos budistas como possíveis antídotos a ideologias regressivas. Deve-se concluir que o progresso econômico não significa nada em termos de crescimento cultural?

Não afirmo tanto, porque temo as frases peremptórias. Lembrei apenas que certas correntes filosóficas e religiosas da mais alta espiritualidade ainda nos servem de guias de conduta, ensinando-nos o respeito mútuo e a compaixão. Tudo indica que não dependeram do progresso econômico para aparecerem. Não consigo ver um elo necessário entre fases de ascenso econômico e doutrinas voltadas para o aperfeiçoamento moral desta nossa pobre condição humana.








Fui à inauguração da sede dp PT em Moreira Cesar-Pindamonhangaba

Ontem à noite fui à inauguração da sede do PT no distrito de Moreira Cesar em Pindamonhangaba. Muito bom! Fazia tempo que não ia a Pinda. Encontrei pessoas que gosto demais. A Sil, presidente do PT municipal, como sempre ativa, carregando o PT. Temos naquela cidade uma direção muito competente, combativa, que organiza e mobiliza o partido. Parabéns!!
Merece mensão a presença do prefeito do PPS, João Ribeiro. Estamos no governo municipal. O João faz uma administração transparente, com um olhar para a periferia.
Merece nota a animação da militância com a candidatura do Mercadante para governador e Marta para senadora. Acho que vamos ter uma campanha no estado com empenho de todo o partido pra derrotar os tucanos.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Para Dilma, PSDB detonou indústria naval

Autor(es): Sérgio Bueno, de Rio GrandeValor Econômico - 12/05/2010


Principal palestrante de um seminário sobre a implantação do polo da indústria naval em Rio Grande, patrocinado pelas empresas Engevix Engenharia e Toniolo Busnello e pela prefeitura da cidade, administrada pelo PMDB, a pré-candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, aproveitou o evento para apresentar credenciais como gestora de grandes projetos e disparar críticas ao PSDB. Ela também voltou a defender a autonomia operacional do Banco Central e chegou a dizer que, "como onze entre dez brasileiros", gostaria de ver os jogadores Neymar e Ganso, do Santos, convocados para a seleção brasileira, o que acabou não acontecendo.
Segundo Dilma, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva promoveu uma "verdadeira Cruzada" para reativar a indústria naval brasileira, que chegou a empregar 40 mil pessoas em 1979, mas foi "detonada" e caiu para menos de 2 mil empregos em 1998, durante a gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso. Hoje, segundo ela, o setor ocupa 45 mil empregados no país graças aos estímulos federais para a construção de navios e plataformas de exploração de petróleo e gás e para a qualificação profissional.
Dilma também afirmou que não vê necessidade de modificar o modelo que garante autonomia operacional do Banco Central. Na véspera, o pré-candidato do PSDB, José Serra, criticou o BC por não baixar os juros durante a crise econômica global, mas para a petista o sistema atual funciona bem. Questionada sobre o que o governo deveria fazer diante das denúncias de envolvimento do secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, com a máfia chinesa no país, ela afirmou que se ele deveria ser afastado do cargo se as acusações tiverem "fundamento".
O restabelecimento da indústria naval brasileira começou a ser gestado no início do mandato de Dilma, então ministra das Minas e Energia, como presidente do conselho de administração da Petrobras. Na cidade gaúcha, a iniciativa do governo já resultou na construção de plataformas de exploração de petróleo e gás e na construção de um estaleiro e um dique seco que deverão ser inaugurados no fim deste mês pelo presidente Lula.
De acordo com a pré-candidata, na campanha eleitoral de 2002 o PSDB provocou uma polêmica "ácida" quando afirmou que o programa do PT era "irresponsável" por propor a reativação da indústria naval. "Diziam que o Brasil faria navios inadequados, não competitivos, e acabaria prejudicando a Petrobras". Mas agora, segundo ela, o setor corre o risco de sofrer um "acidente de percurso". "Depende de quem estiver à frente disso", afirmou, numa alusão a uma eventual vitória do PSDB em outubro.
Segundo Dilma, a aposta do governo no setor, que incluiu o estímulo à descentralização dos novos estaleiros e ao aumento gradual do conteúdo local dos navios e plataformas, significou também a retomada da política de desenvolvimento industrial para o país. "Essa história de que o Brasil não pode ter uma política industrial é uma visão ultrapassada", disse. Para ela, um eventual novo governo do PT tem condições de fazer "muito mais" porque foi o partido que criou a "base" para o crescimento atual.
Para a ex-ministra, o Brasil "dificilmente" seria respeitado apenas por ter estabilizado a economia (a partir da implantação do Plano Real, em 1994, quando FHC era ministro da Fazenda). "Somos respeitados por isso, mas também porque deixamos de ser devedores do Fundo Monetário Internacional e porque mostramos que o Brasil podia, com estabilidade, crescer, distribuir renda e melhorar a vida das pessoas", afirmou.
A pré-candidata admitiu que não tem experiência eleitoral, mas afirmou que essa condição poderá aparecer ao eleitor como uma "lufada de ar novo numa situação mais tradicional de fazer política". Em contrapartida, lembrou a experiência acumulada como secretária da Fazenda em Porto Alegre, como secretária de Minas e Energia em dois governos do Rio Grande do Sul e como ministra das Minas e Energia e chefe da Casa Civil do governo federal. "O carisma do presidente Lula não é passível de comparação, mas participei com ele da gestão dos principais projetos do governo".