terça-feira, 28 de junho de 2011

Os emergentes dos emergentes, Marcelo Neri, para o jornal Valor

Os emergentes dos emergentes
Marcelo Côrtes Neri
28/06/2011

Achamada nova classe média tem ocupado destaque na agenda das empresas privadas, dos gestores públicos, dos políticos e dos demais mortais no Brasil como em outros lugares. A pesquisa homônima a este artigo encontrada em www.fgv.br/cps/brics foi lançada ontem no seminário Oportunidades para Maioria, do BID, que visa formentar negócios na base da pirâmide. Abrimos a nova classe média brasileira pelas dimensões globais, nacionais, locais e atuais. Senão vejamos:

Global - Inicialmente, analisamos diferenças e semelhanças de grupos emergentes entre países emergentes. Especial destaque é dado ao grupo dos Brics, contrastando elementos diversos:

Quanto o crescimento macroeconômico se reflete no bolso do cidadão comum? O Brasil mais do que outros Brics, apresentou um crescimento de pesquisas domiciliares 11,3 pontos de porcentagem superior ao PIB acumulada no período 2003 a 2009. A novidade é que essa diferença tem aumentado. Mesmo no caso do "pibão" de 2010, que cresceu a 6,5% per capita contra 9.6% da renda da PME, a desaceleração do PIB do começo de 2011 não se reflete ainda no mercado de trabalho metropolitano em 2011 onde a renda domiciliar per capita do trabalho cresce a 6.1% acima novamente do PIB.

Abrimos a nova classe média brasileira pelas dimensões globais, nacionais, locais e atuais
Quem melhora mais em cada país: a base ou o topo da distribuição de renda? Para além da média, essas mesmas pesquisas permitem ver que a desigualdade de renda cai aqui e aumenta alhures. No Brasil já cai há dez anos seguidos, já entrando no 11º ano. Os 20% mais ricos do Brasil tiveram na década passada um crescimento inferior ao dos 20% mais ricos de todos os demais Brics, já nos 20% mais pobres acontece o oposto.

Para além de melhoras objetivas, como estão atitudes e expectativas das pessoas em relação ao presente e ao futuro?

Segundo o Gallup World Poll, o grau de satisfação com a vida no Brasil em 2009 era 8,7 numa escala de 0 a 10. Superamos os demais: África do Sul (5,2), Rússia (5,2), China (4,5) e India (4,5). Mais do que isso, o Brasil é o único dos BRICS que melhora no ranking mundial de felicidade, saindo do 22º lugar em 2006 para 17º em 2009 entre 144 países.

O Brasil é o recordista mundial de felicidade futura. Numa escala de 0 a 10, o brasileiro dá uma nota média de 8,70 à sua expectativa de satisfação com a vida em 2014 superando todos os demais 146 países da amostra cuja mediana é 5,6. Essa interpretação permite entender o Brasil: "o país do futuro" criada a exatos 70 anos atrás por Stefan Zweig. O sonho representa o espírito da nova classe média tupiniquim.

Nacional - Quanto cresceu em termos líquidos diferentes estratos econômicos da sociedade brasileira no período recente?

Desde 2003 um total de 50 milhões de pessoas - mais do que uma Espanha - se juntaram ao mercado consumidor. Nos últimos 21 meses até maio de 2011 as classes C e AB cresceram 11,1% e 12,8% respectivamente. Neste período 13,3 milhões de brasileiros foram incorporadas às classes ABC, adicionando-se aos 36 milhões que migraram entre 2003 e 2009.

Atual - Indicadores antecedentes sugerem melhoras. A última semana do mês de maio 2011 pela PME Semanal sugere viés de queda para pobreza e viés de alta para a classe AB em relação ao mês completo. Não há sinais de desaceleração trabalhista.

A taxa de redução de desigualdade nos últimos 12 meses é um pouco acima daquele observado nas séries da PNAD entre 2001 e 2009 no período de marcada redução da desigualdade. O comportamento anticíclico da desigualdade sugere a ausência de dilemas equidade versus eficiência no período sob análise.

Empregos Formais - O grande símbolo da nova classe média é a carteira de trabalho. Entre janeiro e abril de 2011 houve a criação líquida de 798 mil novos postos de trabalhos, o terceiro melhor desempenho desde 2000, ficando abaixo do mesmo período em 2010 (962 mil) e 2008 (849 mil). Não há sinal de desaquecimento trabalhista.

Local - Qual é a recordista de nova classe média? Onde a pobreza e a riqueza são maiores?

O município mais classe A é Niterói com 30,7% na elite econômica. Depois vem Florianópolis (27,7%), Vitória (26,9%), São Caetano (26,5%), Porto Alegre (25,3%), Brasília (24,3%) e Santos (24,1%).

Se formos menos elitistas e incluirmos as classes B e C no páreo, o município gaúcho de Westfália apresenta a maior classe ABC com 94,2% nas Classes ABC. Quase todos os 30 municípios com maiores participações nas classes ABC estão na região Sul do país, fruto da menor desigualdade de renda lá observada.

Quais são as prescrições de políticas para a nova classe média brasileira?

É preciso "Dar o mercado aos pobres", completando o movimento dos últimos anos quando pelas vias da queda da desigualdade "demos os pobres aos mercados (consumidores)". "Dar o mercado" significa acima de tudo melhorar o acesso das pessoas ao mercado de trabalho. Os fundamentos do crescimento econômico e as reformas associadas são fundamentais aqui. A educação regular e profissional funciona como passaporte para o trabalho. O desafio é combinar as virtudes do Estado com as virtudes dos mercados, sem esquecer de evitar as falhas de cada um dos lados.

Marcelo Côrtes Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, Fundação Getulio Vargas. Autor dos livros "Ensaios Sociais", "Cobertura Previdenciária: Diagnóstico e Propostas" e "Microcrédito, o Mistério Nordestino e o Grammen brasileiro". mcneri@fgv.br.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O Brasil ousa novamente, José Graziano da Silva, para o jornal Valor

O Brasil ousa novamente
José Graziano da Silva
24/06/2011

A elaboração do plano Brasil Sem Miséria, lançado no início de junho, contou com a participação de dezenas de órgãos, gestores e especialistas. O resultado foi uma estrutura bem desenhada, abrangente, mas ao mesmo tempo assentada em metas claras. Esse processo, bem como a experiência acumulada durante os dois governos do presidente Lula, serve de referência para outros países também debruçados em reduzir a miséria e a fome.

Primeiro, é preciso definir um público e ter metas realistas. Isso foi feito com a expertise do IBGE, que, a partir da linha de pobreza extrema definida pelo governo federal, fixou uma metodologia que revelou a existência de 16,2 milhões de pessoas - cerca de cinco milhões de famílias - como público prioritário do programa.

A luta contra a fome pavimentou um poderoso mercado de massa, algo que foi menosprezado durante décadas
Segundo, é necessário caracterizar o público, conhecê-lo e analisar os determinantes da persistente exclusão. O Plano radiografou a face dessa pobreza, que muitos conheciam, mas não a sua exata magnitude e localização territorial. Alguns parâmetros obtidos: as áreas de concentração da miséria são as mesmas onde há déficit de provisão de serviços, como acesso à água e saneamento; metade dessa pobreza está nas áreas rurais; a maioria das pessoas tem descendência negra; a grande maioria é analfabeta ou não completou o ensino fundamental.

Terceiro, definir como fazer para que as políticas públicas cheguem até essas famílias. O fato é que muitas iniciativas, sejam elas de transferência de renda, de crédito ou de qualificação não atingem ou nem sempre estão adequadas a esse público.

Foi preciso elencar um conjunto de políticas, algumas novas outras já existentes para "chegar" até elas e, como diz a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, pegá-las pela mão, trazendo-as para dentro da política pública. Em seguida, identificar suas inúmeras carências - a falta de documentação, de educação formal, e até de um par de óculos.

O pulo do gato do programa é que ele não simplifica a travessia da exclusão à inclusão. A universalização do Bolsa Família a quem realmente necessita é associada a políticas de inclusão produtiva. Não teóricas. Uma referência é o mapa de oportunidades geradas pelas obras do governo federal, bem como a oferta de serviços básicos, a exemplo da assistência social, atendimento básico à saúde, habitação etc.

Essa interação aperfeiçoada é um ativo precioso que foi agregado ao patrimônio das políticas sociais brasileiras nos últimos anos. Ações isoladas ajudam famílias e núcleos isolados. Ações coordenadas de segurança alimentar promovem mudanças significativas, materializando uma dinâmica de desenvolvimento que reconcilia o imperativo social e o produtivo. Se o grande assunto da economia hoje é a força do mercado interno é porque o país soube estender essas linhas de passagem que fazem a interligação entre o amparo à emergência e a superação da lógica que a reproduz.

Na crise mundial iniciada em 2007, as políticas desdobradas do guarda-chuva inicial do Fome Zero - entre elas, a transferência de renda que redundou no Bolsa Família, mas também a expansão e o reforço da merenda escolar, as aquisições diretas da agricultura familiar e a ampliação do Pronaf entre outras- consolidaram a legitimidade da agenda da segurança alimentar em nosso país.

A capacidade que tem a luta contra a fome de pavimentar um poderoso mercado de massa - algo menosprezado durante décadas - conquistou então o devido respaldo estatístico e estratégico. Tornou-se um eixo indissociável da agenda de desenvolvimento.

Uma das primeiras medidas do governo Lula no âmbito do Fome Zero, por exemplo, foi promover a atualização dos valores repassados à merenda escolar. Parecia algo tangencial. Hoje, porém, o Brasil tem um dos maiores programas de merenda escolar do planeta, que atende 47 milhões de crianças e adolescentes diariamente. Seu orçamento é de R$ 3 bilhões, três vezes superior ao de 2003, com uma singularidade adicional: hoje pelo menos 30% desses recursos, obrigatoriamente, se destinam à aquisição de produtos da pequena agricultura local. Adicionou-se assim uma receita cativa de R$ 1 bilhão aos produtores familiares brasileiros, com encadeamentos previsíveis na renda e no consumo rural. Canaliza-se assim uma parcela da demanda adicional de alimentos para um dos segmentos mais carentes da agricultura brasileira, os pequenos produtores, transformando o que era visto como um problema em parte da solução.

O Brasil Sem Miséria pertence, portanto, à mesma cepa de ações integradas que distinguiram a concepção original do programa Fome Zero, dotado agora da estrutura administrativa que faltava antes. Suas ações de inclusão produtiva envolvem um conjunto de iniciativas voltadas para os trabalhadores das áreas urbanas e os residentes rurais, com enfoque territorial para garantir a sinergia entre elas. O Brasil Sem Miséria prevê, inclusive, a qualificação dos servidores que estão na ponta do atendimento público, credenciando-os para lidar com a complexidade destas famílias, identificando suas múltiplas carências e a melhor inserção em ações integradas.

Por último, é importante mencionar o envolvimento dos governos estaduais. Não dá para supor que o governo federal tenha todas as respostas e os instrumentos. A pactuação federativa, politicamente correta, é sobretudo necessária do ponto de vista da gestão. Ter 27 estados trabalhando em prol do mesmo público multiplica pelo mesmo número a possibilidade de êxito da meta. Estamos, portanto, diante de um novo degrau que consolida e aprimora o patrimônio brasileiro de políticas sociais. No Brasil sem Miséria a concepção transversal do combate à exclusão e à desigualdade alia-se à expertise administrativa que isso requer e, sobretudo, ao lastro de legitimidade e apoio político que os avanços anteriores propiciaram, dentro e fora do país.

José Graziano da Silva está licenciado do cargo de Representante Regional da FAO para a América Latina e Caribe

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sexta-feira, 24 de junho de 2011

Morte ao amanhecer, Eric Nepomuceno

Eric Nepomuceno | Para o Valor, do Rio


Durante quase toda sua vida adulta, Ernest Hemingway teve um lema que serviu de norte e de guia para tudo que fez: "Il faut (d'abord) durer". Era assim que via a vida: era preciso, acima de tudo, resistir. Até que um dia cansou, ou achou que as coisas já não tinham mais graça, ou se deixou sucumbir. Seja pela razão que for, pouco antes do amanhecer do domingo, 2 de julho de 1961, ele resolveu que havia resistido o suficiente. E como tudo em sua vida havia sido absolutamente intenso, cada minuto vivido com sofreguidão, resolveu fazer jus à própria história, indo embora de vez.

Na casa de campo de Ketchum, uma cidadezinha mineira cinzenta e sem graça no Estado de Idaho, só havia silêncio. Ele foi até o armário onde guardava as espingardas e carabinas de caça, escolheu uma das favoritas, uma velha Boss de cano duplo. Sentou-se na cadeira de que mais gostava, apoiou a carabina no chão de madeira polida, pôs os dois canos na boca e, com os dedos do pé, apertou o gatilho. Era como se, com a vida que viveu, ele não pudesse se matar de um jeito convencional, se é que existe uma forma convencional de se matar. Era preciso partir do mesmo jeito que havia vivido: com a mais absoluta das paixões.

Continuo acreditando que, em seu tempo, Ernest Hemingway se considerava, de certa maneira, o último dos grandes cavalheiros medievais, o último dos grandes guerreiros. Chegou a pensar que tinha certeza absoluta de que compreendia a pena, a dor e a tristeza em todas as suas formas, incluindo as dele. Sua moral foi, em última instância, a do amo diante do vassalo: a do homem que vive da vitória, do prestígio; a de quem não aceita o cativeiro, aceita a morte: quem aceita a vida cativa são os vassalos, que jamais dominarão. O amo pode ser destruído, mas não pode ser vencido. Foi, aliás, o que disse um de seus personagens permanentes e invulneráveis, o velho Santiago de "O Velho e o Mar": "Mas o homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas não pode ser derrotado".

"O homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas não pode ser derrotado", falou pela boca de um personagem
É possível que Hemingway jamais tenha lido Georges Bataille. Mas certamente concordaria com ele, quando diz que, sem a intensidade da paixão, "a vida é, sem dúvida, uma cilada cujo limite é a comodidade, cuja verdade é o medo de ir longe demais". Quando a paixão se apagou para Hemingway, o limite veio na forma de uma velha carabina de cano duplo. Como se ele tivesse de repente entendido que tudo estava, de certa maneira, imóvel para sempre e só havia aquela saída.

Na derradeira noite, a do sábado, 1º de julho de 1961, ele foi com a mulher, Mary Welsh, e um velho amigo, George Brown, jantar no restaurante Christiana. Depois, em casa, ouviu Mary cantar uma canção italiana, "Tutti mi Chiamano Bionda", e chegou a fazer coro em alguns versos mais alegres. Então foi para o quarto, vestiu seu pijama azul e acendeu a luz da cabeceira, como se fosse ler alguma coisa. No amanhecer do dia seguinte, Mary Welsh acordou com o estrondo do tiro.

"A vida de qualquer homem termina da mesma maneira", disse ele certa vez. "São os detalhes de como ele viveu e de como ele morreu que distinguem um homem de outro." Bom: não resta dúvida alguma de que, no seu caso, os detalhes de como viveu já o distinguiriam da maioria de seus contemporâneos. Foi tamanho seu protagonismo, deu a si mesmo tamanha visibilidade, que acabou se tornando personagem de si próprio. Cada uma das experiências pelas quais passou - e foram inúmeras, de todo tipo - acabou sendo levada para a sua escrita. Todas essas experiências foram vividas intensamente e revividas na memória. Sua obra gira ao redor de um certo número de aventuras que, somadas, fizeram de sua vida uma aventura que se renovava sem cessar. Quando as circunstâncias interromperam esse ritmo renovador, esse ciclo permanente, o caminho mais lógico foi a velha carabina.


Ele sempre quis ter tudo. O menino que se orgulhava de não sentir medo de nada virou o adulto que fez um personagem, Harry, o escritor moribundo do esplêndido conto "As Neves do Kilimanjaro", dizer o seguinte: "Não gosto de abandonar nada. Não gosto de deixar nada atrás de mim". Hemingway definiu Harry como um homem que "havia amado demais, perdido muitíssimo e acabado com tudo". Era como se estivesse descrevendo a si mesmo: alguém que quis ver tudo, capturar tudo, aprender tudo, evitando sempre as pedras que pudessem facilitar naufrágios.

Em seus livros, Hemingway quis escrever o que de verdade acontecia na vida real. Insistia nisso: bom livro é o que parece ter acontecido de verdade, que passe ao leitor a sensação concreta de ter, ele mesmo, vivido aquela história. Talvez por isso tenha se obstinado tanto em se apropriar da realidade das pessoas, em possuir completamente a própria vida.

Claro que muitas vezes a tal vida real não passou de inventos de quem sentia uma atração irresistível pela aventura. Foi assim que, em 1942, conseguiu convencer o embaixador dos Estados Unidos em Cuba, Spruille Braden, a autorizá-lo a organizar um "serviço particular de contrainformação" e transformar seu iate de pesca, o Pilar, em barco de espionagem, para detectar submarinos alemães. Para convencer Braden, não titubeou em mentir, dizendo que havia ajudado os republicanos espanhóis a armar um sistema parecido na Madri de 1937, quando a cidade estava acossada pelas tropas de Francisco Franco. A aventura durou alguns meses, não rendeu fruto algum e fez que Hemingway fosse, até o fim da vida, espionado. É que para o diretor do FBI, Edgar Hoover, ele era claramente um simpatizante do comunismo.

Insistia nisto: bom livro é o que parece ter acontecido de verdade, que passe ao leitor a sensação concreta de ter vivido aquela história
Poucos escritores tiveram, enfim, sua vida tão devassada, estudada, revirada pelo avesso, do que Ernest Hemingway. Sabe-se dele, provavelmente, mais do que de qualquer outro escritor contemporâneo. Claro que, com seu exibicionismo, foi o próprio Hemingway quem mais contribuiu para isso. Soube ser "bwana" em suas andanças na África, pescador em Cuba, deixou-se deslumbrar entre os cavalheiros aristocráticos italianos, foi um camarada inquieto - e muitas vezes irresponsável - nas trincheiras da Guerra Civil Espanhola, foi egoísta, vaidoso, impertinente, dono de um sentido muito peculiar de machismo, um tanto fanfarrão, briguento, um tanto mentiroso, quase sempre mal-educado. Mas foi também um homem generoso, leal, tinha obsessão pela honestidade, foi amigo fraterno de seus amigos. E tudo isso está em seus personagens, todas as contradições da alma humana, todos os desvãos do medo e da coragem.

Certamente, nos dias de hoje ele seria uma figura absolutamente contraditória e criticável. Da mesma forma que sempre haverá dúzias de críticos de plantão, prontos para fulminar sua obra cheia de falhas, cheia de anacronismos.

Certamente, nos dias de hoje ele continua sendo um referencial básico para quem se lança no mais solitário de todos os ofícios, o de escritor. Deixou lições exemplares em suas entrevistas e, claro, em seus escritos. "Uma vez que escrever tenha se transformado no vício principal e no maior prazer", disse ele na célebre entrevista a George Plimpton, da "The Paris Review", "só a morte pode dar-lhe um fim." Foi como ele viveu, foi o que ele fez.


Até hoje se discute a distância, em termos de qualidade, de obra finalizada, entre seus contos e seus romances. A exemplo de outros grandes autores, Hemingway poucas, raríssimas vezes alcançou em seus textos mais longos o mesmo brilho e a mesma permanente consistência de seus relatos breves. Um de seus discípulos confessos, Gabriel García Márquez, certa vez deu uma explicação para isso. Disse ele: "É compreensível. Uma tensão interna como a dele, submetida a um domínio técnico tão severo, é insustentável dentro do âmbito vasto e incerto de um romance".

Deve ter razão. Muitos de seus romances parecem contos que foram esticados além da conta. Mas mesmo neles (e, claro, principalmente nos contos) aparecem relances de perfeição, com descrições insólitas, diálogos essenciais, de uma tensão única. E em tudo, ou praticamente tudo o que escreveu, Hemingway conseguiu alcançar seu objetivo mais complexo e difícil: passar ao leitor a sensação de que ele próprio, leitor, tenha estado lá, vivido aquilo tudo que está escrito. Porque o autor, o homem que queria ter tudo, não queria perder nada, não queria deixar nada atrás de si, mostrava um enorme poder de se apoderar da vida e do mundo enquanto escrevia.

Tudo aquilo que Hemingway escreveu revela um instante que foi dele. Tudo aquilo que Hemingway escreveu pertence a ele. Para sempre.

Há 50 anos, Ernest Hemingway se despediu da vida com a mesma dureza que havia vivido. Deixou instruções claras: as caixas de papelão que guardavam sua correspondência e seus manuscritos frustrados e abandonados só deveriam ser abertos a estudiosos de seus livros. Jamais deveriam ser publicados. Deixou intacta a sua casa de San Francisco de Paula, a lendária Finca Vigía, a meia hora de carro de Havana.

Bem: o conteúdo das caixas foi quase todo publicado. Um de seus filhos chegou a reescrever e completar um manuscrito deixado pela metade. Suas cartas estão à disposição de qualquer curioso. O quadro "La Masía", fundamental na obra de seu amigo Joan Miró, foi tirado de Cuba. Em seu lugar deixaram uma reprodução, da mesma forma que o original de Juan Gris foi substituído por uma cópia.

Em 1983, na Fundação Miró, em Barcelona, pude ver "La Masía". Impossível não lembrar sua história: nos anos 20, Hemingway e Miró moravam pobres em Paris. Os dois lutavam boxe. Serviam de "sparring" a troco de um punhado de francos. Quando não havia ninguém, os dois lutavam, um com o outro. Até hoje imagino o gigante Hemingway contra o miúdo Miró. Certo dia, Miró terminou de pintar "La Masía". E vendeu para o amigo. O quadro era muito grande, foi preciso alugar um carrinho de mão para levar até o apartamento minúsculo onde ele vivia com Hadley, sua primeira mulher, mãe de seu primeiro filho.

Impossível não pensar em que tempos foram aqueles, naquela cidade luminosa. Impossível não pensar que Ernest Clarence Miller Hemingway, um dos seis filhos do médico Clarence Edmond Hemingway, nascido em Oak Park, Illinois, em 21 de julho de 1899, soube se apoderar desse tempo, daquela e de muitas cidades mais. Foi um caçador solitário de verdades absolutas e de leões africanos. Viveu o que se vivia nas grandes touradas: o perigo e a coragem, o medo e a malícia, a dignidade e a honra, o silêncio e a alegria, o respeito e o desprezo, o sol e a sombra.

Resistiu o que pôde. E, quando se foi, se fez acompanhar por um estrondo.

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terça-feira, 21 de junho de 2011

Entrevista do governador Marcelo Deda para o jornal Valor

"Responsabilidade do PT em defender Dilma é maior que a do PMDB"
Raymundo Costa e Ribamar Oliveira | De Brasília


Deda:"A única reforma fiscal merecedora desse nome é aquela que repactuar a apropriação do resultado da arrecadação"Petista histórico, o governador de Sergipe, Marcelo Déda, está preocupado com a atuação de seu partido, especialmente o PT da Câmara, onde os líderes estão em guerra aberta uns contra os outros. "A instabilidade não pode partir do PT", adverte Déda. Ele acha que o governo Dilma, depois das nomeações das ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvati (Relações Institucionais) deve deslanchar, mas acha que a própria presidente é que deve assumir a liderança do processo político.

Déda estava entre os 16 governadores do Norte e Nordeste que tomaram café da manhã com a presidente Dilma Rousseff na semana passada. Acha que a presidente foi franca, soube dizer não com delicadeza, sem fechar portas, mas acha que os desafios impostos pelo ajuste fiscal são enormes. No Nordeste - diz - nenhum governador tomou a iniciativa de divulgar seus planos de investimentos para 2011-2014. Ninguém sabe se terá dinheiro.

O governador está particularmente temeroso com os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal que derrubou as leis estaduais de incentivos e acabou com a guerra fiscal. E indaga sobre o que vai acontecer com situações já consolidadas.

Déda está particularmente irritado com o Ministério da Fazenda: a proposta de reforma tributária apresentada, diz, não passa de uma regulação do ICMS. "A questão federativa real não é a guerra fiscal", diz o governador, mas a repactuação da "apropriação da arrecadação" federativa, inclusive das contribuições que a União não reparte com os Estados. A seguir, a entrevista ao Valor:

Valor: Como o sr. avalia a saída do ex-ministro Antonio Palocci (Casa Civil). Fogo amigo, fritura, ajuste fiscal ou aperto da política econômica?

"O hegemonismo paulista tanto do PT quanto do PSDB transforma conflitos paroquiais em crises nacionais"
Marcelo Deda: Um problema de ordem pessoal que por uma perda de 'timing' quase se transforma em crise política. Se no início do problema tivessem sido adotadas medidas rápidas - explicações imediatas, negociar uma explicação ao Congresso -, talvez houvesse capacidade de gerir a crise. Como não houve isso e se trabalhou como se o tempo fosse aliado, quando o tempo se mostrou inimigo, a situação estava perdida, que nem um fato político da maior relevância como a declaração do procurador-geral da República de que não havia indício de crime na evolução patrimonial do ministro, resolveu.

Valor: Lula acertou vindo a Brasilia negociar a crise?

Deda: Eu não sei qual foi objetivamente a tarefa central dele. Mas acho que ele não viria a Brasília sem ter conversado com a presidente Dilma. Eu não tenho sombra de dúvidas de que a vinda do presidente a Brasília foi não apenas comunicada, como discutida com a presidente.

Valor: A nova modelagem da coordenação política pode dar certo?

Deda: O próprio fato de a Presidência ter construído uma nova estrutura na Casa Civil e na Secretaria de Relações Institucionais já revela iniciativa do governo, já é positivo. Não há uma regra geral de como se organizar a articulação política, mas há um princípio.

Valor: Que é qual?

Deda: A articulação política precisa refletir a ação do presidente, seja ele quem for. O que sustenta a articulação política é o interlocutor no Congresso saber que aquele ministro tem mandato do presidente para resolver questões, encaminhar problemas com o protagonismo do presidente. Nesse sentido, os últimos gestos da presidente revelam disposição maior de enfrentar a questão da política. O que eu vi no café da manhã dos governadores foi uma presidente extremamente preparada para enfrentar agendas complexas.

Valor: O PT não deveria ceder mais espaço ao PMDB para apaziguar a base política?

Deda: Ceder é um verbo que não existe nem no dicionário do PMDB nem no do PT. Talvez haja grandes divergências de fundo na atuação e no histórico de ambos. Mas há uma grande coincidência: como grandes partidos, costumam buscar ocupar mais espaço e não recuar no espaço que já conquistaram. Acredito que o problema não é do PT nem do PMDB. A presidente é a juíza, e a árbitra da ocupação dos espaços do governo.

"Os Estados estão segurando investimentos para rediscutir o indexador da dívida; viramos remuneradores da União"
Valor: O PT entende é isso?

Deda: O PT está no seu mais absoluto e justo direito quando preserva suas posições e reivindica mais. E o PMDB, do mesmo modo. Mas tanto o PMDB quanto o PT precisam entender que na democracia presidencial a última palavra é da presidente, ela está mandatada pelo povo brasileiro para definir o perfil do seu governo, e portanto é ela que deve dar a palavra final. E sobre a palavra da presidente não pode haver intrigas, operações de sabotagem, bairrismos e partidarismos. Nesse caso a responsabilidade do PT é maior que a do PMDB em defender a presidenta como a grande coordenadora do governo e líder do projeto. É muito mais nossa essa obrigação do que do PMDB. É nesse sentido que o PT precisa estar atento.

Valor: PT e PSDB, curiosamente, fizeram uma inflexão em relação a suas seções paulistas, sempre as mais poderosas. Como o sr. analisa esse fenômeno?

Deda: Acho que não existiria PT sem São Paulo. Meu problema não é nenhum questionamento antipaulista. Eu sempre reclamei por equilíbrio, pelo reconhecimento do avanço que o partido alcançou em outras regiões. O avanço que o partido experimentou no Nordeste, a própria votação obtida por Lula e por Dilma na região revelam que o grande dilema do PT é se adequar à nova geografia política do petismo, que teve uma expansão mais promissoras nos Estados do Norte e do Nordeste.

Valor: Nenhum dos novos ministros - Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais) é paulista. A presidente não enquadrou o PT de São Paulo?

Deda: Acho que a presidente, ao compor o governo trazendo para o centro da cena política Estados do Sul e do Nordeste, apenas traduz o significado da realidade política do PT e não da realidade burocrática do PT. Se do ponto de vista do aparelho partidário o PT é ainda um partido paulista, do ponto de vista da urna, do eleitorado, da presença política o PT é hoje cada vez mais um partido nacional, no qual o peso de São Paulo ainda é o maior de todos. Aí sim, não é um peso artificial. É um peso real, econômico, social, da própria realidade econômico social paulista. O que nós divergimos não é da presença até majoritária de São Paulo. O que nós contestamos é um tipo de hegemonismo paulista que transforma os conflitos paroquiais em crises nacionais. Esse é o modelo que já abalou várias vezes o PT e que está levando à penúria o PSDB.

Valor: É o que ocorre atualmente na Câmara?

Deda: Eu acho que está recrudescendo esse tipo de disputa paulista com reflexos na estabilidade nacional do partido.

Valor: E que em última análise reflete no governo.

Deda: É por isso que a responsabilidade maior é nossa. O PT não pode perder de vista que é o partido da presidente. E que tem a primeira das responsabilidades na garantia da estabilidade. Isso significa compreender seu papel de partido, e lutar por espaços e pelas diretrizes políticas do governo, como compete a um partido com vocação dirigente, e ao mesmo tempo reconhecer que na democracia brasileira o papel do presidente é insubstituível. Está acima de hegemonismos partidários. Ela tem que ser o árbitro da governabilidade. O PT tem que entender isso e não fomentar a instabilidade.

Valor: O deputado estadual paulista Rui Falcão substituiu um aliado e conterrâneo seu na presidência do PR, o José Eduardo Dutra, que saiu para tratamento de saúde.

Deda: Rui é do PT paulista, mas está guiando o partido com cabeça nacional. Isso é um ponto positivo. Ele terá meu integral apoio, como o de todos os companheiros das demais regiões. A grande preocupação que o Rui tem que ter é esta, a responsabilidade para entender que política não é filantropia: o PT não tem o direito de ceder espaço ao PMDB. Mas o PT tem que ter a consciência de apoiar as decisões da presidente Dilma e entender que a última palavra é dela.

Valor: Isso significa um partido a reboque do governo?

Deda: Significa um partido propositivo. A saudade que eu sinto hoje é que o PT aparece mais na mídia pedindo cargos do que apresentando propostas concretas ao governo. Nós precisamos continuar a reivindicar o nosso espaço, até porque o governo é nosso e quem vai dar a cara a esse governo somos nós. Isso não é hegemonismo, é apenas compreensão da nossa responsabilidade política de ser o partido da presidente, mas ao mesmo tempo precisamos qualificar nossa relação com o governo.

Valor: O Supremo suspendeu a guerra fiscal em seis Estados que concediam incentivo fiscal. Como isso afeta a vida de vocês?

Valor: Em duas palavras: insegurança jurídica. As decisões do Supremo colocaram um grau de insegurança na relação dos Estados com empresas beneficiárias de incentivos que praticamente paralisaram as negociações em curso e criaram um processo de extrema angústia naquelas que já se encontram instaladas há décadas nos Estados. Não temos o que discutir com relação à postura do Supremo. Mas temos o que discutir com relação à forma. E à maneira como aquela decisão vai ser aplicada. Tratar a guerra fiscal como um tema judiciário clássico pode produzir efeito danoso não apenas aos Estados que são mais eficientes na captação de empresas com esses recursos. Não tenho estatística, mas diria que um terço do PIB industrial brasileiro tem algum tipo de incentivo praticado por leis estaduais que o Supremo decretou inconstitucional. Empresas como Ambev, Volks, Ford, como a Fiat que vai agora para Pernambuco, como ficam? A imensa maioria delas, com ações na Bolsa, têm que fazer provisão para possível pagamento do imposto que foi isentado? Como serão tratadas situações consolidadas? A decisão terá repercussão só para o futuro ou é aplicável imediatamente?

Valor: Os Estados vão ao STF?

Deda: O DF está entrando (com uma ação). O que o Supremo disse? Nenhuma lei que cria incentivo fiscal é válida se os benefícios criados não forem objeto de convênio no Confaz. O Confaz é por unanimidade. Então o DF entrou também com uma ação específica para questionar a constitucionalidade do critério de unanimidade, que ofende o principio de construção da maioria numa democracia. A Constituição não fala em unanimidade, fala em Confaz. A lei que regulou o dispositivo constitucional é que tocou na unanimidade. Com isso a gente tenta, do ponto de vista de estratégia, equilibrar. Isso ajuda a criar um contraponto que, possibilite aos Estados uma negociação mais equilibrada.

Valor: O senhor disse que a justiça não poderia ter uma "decisão típica" nessa questão da guerra fiscal. O que é uma decisão atípica da Justiça?

Deda: É simples, a Justiça já agiu de maneira diferente com relação ao FPE. Decretou que o Congresso deveria ter aprovado nova lei complementar há cinco ou seis anos, e estabeleceu prazo para o Congresso regular. O Supremo é uma Corte constitucional, mas é uma instância política da República. Aplica a lei mas é guardiã da Constituição. Então é uma Corte com poderes para, ao aplicar uma decisão, estabelecer o alcance no tempo dessa decisão, e para modular cronologicamente sua aplicação. Zerar um jogo desse porte, de uma hora para outra, não é um problema para Sergipe, Bahia, Alagoas. É um problema para a economia brasileira. Os reflexos são imprevisíveis.

Valor: Ainda há espaço para guerra fiscal?

Deda: Há um esgotamento da guerra fiscal. O que era um instrumento de defesa das regiões menos desenvolvidas se disseminou. São Paulo faz guerra fiscal, o Rio faz. Leis de São Paulo foram questionadas, Minas faz guerra fiscal na fronteira, todo mundo faz guerra fiscal. Se disseminou, o que de certo modo reduziu a eficácia do instrumento. A guerra fiscal hoje já não é mais os pequenos versus os grandões, não é mais um filme de cowboy clássico. Alagoas faz guerra com Sergipe, que faz com Alagoas. É um abraço de afogados. Mas ainda tem alguma eficácia. Para acabar, é preciso uma transição.

Valor: O que vocês querem do governo federal?

Deda: Uma política de compensação para Estados que venham a perder nesse processo de alteração das alíquotas. Mas que essa política de compensação não seja um número do grande circo Bartolo, tipo a Lei Kandir. Não dá para trabalhar com compensação tributária que todo mês de dezembro tem que sentar, segurar o orçamento e fazer pressão. O fim da Lei Kandir é o mais nobre possível, desonerar as exportações e jogar o Brasil no mercado internacional com mais competitividade. Mas vamos admitir que comércio externo não é a tarefa do Estado federado. É competência da União que faz grande cortesia com os exportadores, os Estados. Tendo mecanismos como PIS/Cofins e as contribuições de uma maneira geral que nós não compartilhamos.

Valor: Como foi a reunião com o ministro da Fazenda sobre a reforma tributária?

Deda: Ele chamou para conversar sobre reforma tributária, sentamos à mesa e percebemos que não era nada de reforma. Era uma nova regulação do ICMS. Então vamos chamar o bicho pelo nome, porque sabemos se morde ou não. Foi uma valsa vienense mal executada.

Valor: O senhor diz que o projeto do governo não é uma reforma tributária, mas mera regulação do ICMS. O governo diz que é uma reforma, fatiada, mas reforma.

Deda: Qualquer coisa fatiada, fora salame, dá indigestão.

Valor: Como essa conjuntura interfere na gerência dos Estados?

Deda: Nenhum governador, pelo menos da minha região, se atreveu ainda a lançar seu plano de investimentos do período de 2011 a 2014. Todo mundo está com a caixinha de projetos cheia, mas não tem dinheiro agora e não está posta a perspectiva. Nesse clima, os governadores não vão entrar numa dança dessa sem que o governo explicite garantias. Vamos discutir a dívida? O IGPDI produz situações absurdas, impagáveis como é o caso da Paraíba, Alagoas e Maranhão. Na prática, a União está aplicando. Viramos remuneradores de investimento da União, que está se capitalizando às custas dos Estados.

Valor: Como está sendo tratada a questão dos royalties?

Deda: No café da manhã, a Dilma falou assim: 'Quando eu era ministra achava que era inviável a proposta do Rio passar pelo Congresso. Mas acho que a resposta que veio de lá radicalizou. Não vou entrar no mérito com relação à participação dos Estados nos royalties. O que quero pedir é que busquem acordo. Procurem o Geraldo Alckmin (SP), o Sérgio Cabral (RJ), o Renato Casagrande (ES)'. Eduardo Campos (PE) procurou o Casagrande. Procurei o Sérgio. Entrei na comissão. Sou eu e o Eduardo que vamos cuidar dessa parte dos royalties com os coleguinhas lá.

Valor: Ela está recuando do projeto do Lula?

Deda: Ela não está recuando. Está dizendo que o governo vai ter o dever de defender o veto [da emenda Ibsen]. Tem um fator que é concreto: um veto do presidente que tem que ser apreciado pelo Congresso. Esse trunfo é favorável a nós. Fui infeliz na frase, disse que estava lá como bombeiro. Esqueci que os bombeiros estão invadindo quartel (no Rio). Aí disse: vim apagar fogo, e não invadir quartel.

Valor: Dilma vai sustentar o veto?

Deda: Se não houver negociação, ela vai perder conosco trabalhando contra. Não fica em pé. Ela falou: 'Se o veto cair, vou ver se a AGU vai ao Supremo'. O veto não caiu porque não foi votado. Quem segura o veto é a gaveta do Sarney.

Valor: Sabe-se que a reunião com Mantega foi tensa. O que o sr. falou quando viu que a reforma é só para uma mexida no ICMS?

Deda: Falei o seguinte: 'Todo mundo aqui vai dizer que é a favor da reforma tributária, mas se na hora que fizer a apreciação do impacto, meu Estado perder um real, sou petista, sou fundador do PT, mas vou lá e orientar a minha bancada a votar contra. Senão vou ser crucificado na praça principal de Aracaju'. Não dá para falar de reforma tributária sem mexer na questão federativa real, que não é a guerra fiscal. A questão central é a seguinte: a única reforma fiscal que prefeitos e governadores admitirão merecedoras desse nome é aquela que diga vamos repactuar a apropriação do resultado da arrecadação tributária da Federação, incluindo contribuições. Vamos discutir que a União não pode operar renúncia fiscal envolvendo tributos compartilhados sem um processo de aquiescência daqueles que são vítimas da queda de arrecadação. Vamos discutir com clareza ferramentas e instrumentos para que nós possamos monitorar o Fundo de Participação dos Estados (FPE), que é uma caixa preta'.

Valor: Mas não tem uma proposta de compensação?

Valor: Tem um fundo teórico de compensação. O que ele quer propor? É mandar a nova do ICMS no café da manhã e mandar as compensações na sobremesa do jantar. Nós queremos garantia constitucional do fundo de compensação, vinculação explícita, porque não queremos repetir o blefe da Lei Kandir.