quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A força unilateral do bem, por Luiz Carlos Azenha

A força unilateral do bem


Assim o Comando Militar Sul dos Estados Unidos propagandeia sua própria
atuação em 2009*

"Virtualmente todos os povos com vizinhos mais fracos atacaram e
saquearam os vizinhos e quando possível os subjugaram, às vezes os
dizimaram. Competição por poder e riqueza sempre esteve interligada com as
outras forças que movem a História"*. *Victor Kiernan em Impérios e
Exércitos Coloniais, 1815-1960.*

por Luiz Carlos Azenha

Diz-se, nos Estados Unidos, que a política externa de Washington é ditada
pelas necessidades domésticas do ocupante da Casa Branca. É verdade.

O presidente Barack Obama acaba de resgatar George W. Bush das trevas para
encarregá-lo, ao lado de Bill Clinton, de liderar uma campanha nacional para
levantar fundos e dirigir a aplicação do dinheiro no Haiti.

Os Estados Unidos são o único país do mundo com o poder logístico
suficientemente sofisticado para atender aos milhões de haitianos que
tiveram as vidas completamente devastadas por um terremoto. Dispõem de alta
tecnologia, de Forças Armadas numerosas e do poder político necessário para
deslocá-las para qualquer parte do mundo.

O constrangimento a que o Brasil foi submetido nas últimas horas é natural
em circunstâncias extraordinárias como as atuais. Washington pode deslocar
com facilidade 10 mil soldados para o Haiti em algumas horas, mais do que
todo o contingente da Missão de Estabilização das Nações Unidas, a Minustah,
presente no país.

O Exército americano dispõe de tradutores, de equipamento e de provisões
para cumprir todas as tarefas necessárias em um desastre como o do Haiti, ou
pelo menos cumprí-las melhor que uma tropa da ONU que fala diversos idiomas,
tem dificuldades para se comunicar em francês com os haitianos ou não dispõe
de um porta-aviões com aeronaves que facilitam o transporte.

Mais do que isso, é preciso considerar que o Pentágono passou a enfatizar
as ações humanitárias para dar cobertura ao seu envolvimento na política
interna de seus vizinhos de Hemisfério.

Durante o governo de George W. Bush, houve um deslocamento da política
externa dos Estados Unidos dos diplomatas do Departamento de Estado para os
militares e os formuladores do Pentágono, com grande ênfase em ações
humanitárias. Os fuzileiros navais desembarcariam não mais para trocar
governos ou matar a população civil, mas em nome de salvá-las de desastres
naturais, ecológicos, caos social ou outras emergências do gênero.

Os dois maiores projetos militares dos Estados Unidos para a América Latina
são apresentados com um tom humanitário e/ou policial: o combate ao
narcotráfico na Colômbia e a *Iniciativa Mérida*,
no México.

Para combater as consequências da desigualdade social resultante da
política de governos que tiveram o apoio dos Estados Unidos, Washington não
prega reformas econômicas ou sociais, nem o atendimento das demandas
políticas da população local. Propõe uma política salvacionista, que
aprofunda a dependência das elites locais da benesse dos Estados Unidos.

Podem chamar de imperialismo com outro nome. É este o sentido da oposição
dos Estados Unidos a Hugo Chávez: o presidente venezuelano representa o
ressurgimento do nacionalismo na América Latina e a pregação dele em defesa
da soberania local se contrapõe diretamente ao controle dos Estados Unidos
sobre o hemisfério que é extensão do território estadunidense.

Embora Washington tenha se "distraído" durante o governo Bush com aventuras
militares no Oriente Médio, razão pela qual concordou em dividir com o
Brasil algumas das atribuições de patrulhar a América Latina, os
formuladores da política externa americana se deram conta de que é preciso
assumir o controle regional, especialmente num quadro de escassez de
recursos energéticos, da invasão de sua zona de influência por paises como a
China e a Rússia e da ascensão de um modelo alternativo expresso por
Chávez-Morales-Correa.

Chávez está sentado sobre gigantescas reservas de petróleo. Morales, sobre
gigantescas reservas de gás. Correa desmantelou uma base militar importante
para os Estados Unidos na costa da América do Sul.

É nesse quadro que devemos entender o comportamento dos Estados Unidos em
Honduras, na ampliação de sua presença militar na Colômbia e agora, diante
do terremoto no Haiti.

A proposta do presidente francês Nicolas Sarkozy de uma reunião entre
Brasil, França e Estados Unidos para discutir o futuro do Haiti foi
descartada por Washington em um primeiro momento.

Para se contrapor ao controle dos Estados Unidos sobre a América Latina o
Brasil tem tentado atrair a França para uma parceria militar estratégica. A
França, além de ter um território ultramarino na América do Sul, a Guiana
Francesa, tem interesses no Caribe (Martinica, Guadaloupe, San Martin) e
uma história (trágica) no Haiti.

Para além dessas considerações geopolíticas, no entanto, é preciso
considerar a política doméstica dos Estados Unidos.

Barack Obama, depois de aprovar uma reforma do sistema de saúde que reduziu
a sua aprovação interna junto ao eleitorado, especialmente depois de ter
usado bilhões em dinheiro público para resgatar os bancos -- 117 bilhões de
dólares, pelas contas da Casa Branca --, precisa urgentemente de "vitórias
políticas" que sustentem a coalizão que pode levá-lo à reeleição.

No Haiti, ele só tem a ganhar. Primeiro, por se tratar de uma ação
humanitária que poderá reconstruir a imagem dos militares dos Estados Unidos
diante do mundo ocidental -- depois dos desastres que resultaram da invasão
do Iraque e do escândalo da tortura em Guantánamo e outras instalações.

Segundo, pela demonstração de interesse pelo destino de milhões de negros
como ele, Obama, embora seja conveniente esquecer aqui que eles são vítimas
de regimes políticos que tiveram pleno endosso dos Estados Unidos -- Papa
Doc e Baby Doc, os ditadores do Haiti, foram anticomunistas sanguinários que
serviram quando foi preciso conter a "infecção" cubana.

O presidente "populista" e "autoritário" do Haiti, Jean Bertrand Aristide,
foi uma espécie de Hugo Chávez antes-da-hora: foi eleito justamente quando
as políticas neoliberais propostas por Washington como saída para a América
Latina estavam no auge. Talvez isso ajude a explicar porque ele curte exílio
na África do Sul e o partido dele foi banido no Haiti.

Ao resgatar George W. Bush das trevas, Obama agora pode posar de "caminho
do meio" diante do eleitorado dos Estados Unidos, como homem que não guarda
ressentimentos, que coloca o interesse humanitário acima das disputas
políticas. Num quadro político altamente polarizado como é o dos Estados
Unidos hoje, o presidente fica bem na fita tanto com republicanos moderados
quanto com a centro-esquerda do Partido Democrata da qual havia se afastado
para salvar os banqueiros. Coloca os pés firmemente no centro político,
entre George W. Bush e Bill Clinton, onde estão os independentes sem os
quais jamais conseguirá se reeleger.

Obama resgata George W. Bush da mesma forma que resgata os haitianos e será
o caudatário da gratidão de ambos. Através dos dois ex-presidentes, que com
certeza levantarão milhões de dólares para aplicar no Haiti, os Estados
Unidos farão esse resgate dentro de um modelo político e econômico aceitável
para seus próprios interesses.

Nesse momento, não interessa a Washington atuar através da ONU ou de
supostos parceiros. Faz muito mais sentido para o governo dos Estados
Unidos, tão castigado nos últimos anos pelo recurso unilateral à força para
matar, saquear e controlar outros povos, agir agora como uma força
unilateral do bem.

O futuro do Haiti pertence ao *Clinton-Bush Fund*e ao
Comando Militar Sul dos Estados Unidos

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Mensagem da Liga dos socialistas do século XXI

*um** passo à frente, dois passos atrás*

Mensagem da Liga de Socialistas do Século XXI ao Movimento Nacional de
Direitos Humanos, seções do Tortura Nunca Mais, ONGS, movimentos sociais,
ex-presos e perseguidos políticos, familiares e amigos de desaparecidos,
parlamentares de todo o país, magistrados, procuradores, oficiais da ativa
das Forças Armadas, jornalistas e demais membros da sociedade civil.



Companheiros e amigos,

Sabemos que existe uma diferença fundamental entre a abordagem
política e a abordagem
moral, religiosa ou jurídica dos fatos. Enquanto estas só admitem
caminhar para a frente, em marcha batida, a primeira procura dar conta das
leis da vida, a partir da premissa de que política é correlação de forças,
a arte de avançar em combate, numa relação dialética com o adversário
ou inimigo. Às vezes é preciso recordar o óbvio para não se alienar do
sentido
da história. A análise e a prática políticas dependem da correta
identificação das forças em confronto, sem perder de vista as possibilidades
abertas e os limites impostos pela conjuntura, para evitar a armadilha da
esfera estritamente ideológica, enquanto imagem invertida da realidade.
Somos socialistas do Século XXI, democratas sem pejo de se proclamar
radicais, adversários de quaisquer muros à livre formação da consciência. E
é desse ponto de vista que interpretamos e nos pronunciamos sobre o decreto
presidencial de 13/1/2010 que institui a Comissão Nacional da Verdade.

O problema é o seguinte: a conjuntura política mudou com o decreto que dá
nova redação à diretriz 23 do Decreto 7.037, de 21 de dezembro de 2009. Para
alguns companheiros e entidades, ainda sujeitos à lógica paralisante da
metade do século passado, entretanto, a mudança teria sido para pior,
mediante uma virtual capitulação a pressões golpistas. Segundo essa
interpretação equivocada, a alteração do terceiro Plano Nacional de Direitos
Humanos (PNDH) teria como objetivo principal não a apuração das torturas,
assassinatos e desaparecimentos, mas a punição, pela segunda vez, das
vítimas da ditadura. Tememos que esse raciocínio se paute por uma lógica
alucinada, como costuma ser a dos apressados e principistas. Vamos direto
ao assunto e falar de dois pontos que para nós, Inquietos da LS-21, são
essenciais e constituem o cerne da questão.

PRIMEIRO PONTO: Comparemos a realidade político-jurídica de 20/12/2009 e a
de 14/1/2010. Vinte e cinco dias são a distância entre duas conjunturas.
Antes estávamos no mesmo patamar de 22 anos atrás: como em 1988, os arquivos
da ditadura continuavam sumidos, os destinos dos companheiros desaparecidos
envoltos em brumas, a anistia era considerada como perdão recíproco e os
torturadores andavam livres por aí publicando sites, blogs e bravatas. Enquanto isso o pau de arara continuava com fila de espera nas delegacias e
presos comuns seguiam submetidos às mesmas humilhações e suplícios. Neste
início de 2010, embora as sensações cotidianas pareçam inalteradas, bem ou
mal temos um decreto assinado pelo Presidente da República, pactuado com o
Ministro da Defesa e os comandantes militares, criando um Grupo de Trabalho
que tem o prazo-limite de abril próximo para apresentar a minuta de um
projeto de lei instituindo a Comissão Nacional da Verdade. O Grupo de T
rabalho será presidido pela Casa Civil, ou seja, passou a ser coordenada
pelo próprio Presidente via ministra Dilma Rousseff, virtual candidata a
Presidente da República e crítica notória da fase de nossa história em que a
tortura consistia no principal método de governo. O GT será integrado por
seis membros: um deles do Ministério da Defesa e cinco interessados, em
tese, numa verdadeira Comissão da Verdade. Dito de outra forma, o GT contará
em princípio com a direção moral e intelectual de membros das sociedades
política e civil.

No final de dezembro não tínhamos nada. No ano novo temos um GT que
produzirá um Projeto de Lei até abril, com uma composição que é amplamente
favorável à verdade histórica. Sem contar que a verdade tem uma força que
lhe é própria, imanente, independente de maiorias ou minorias. A diferença é
da água para o vinho... É certo que houve um recuo semântico, de apuração
dos crimes da repressão para apuração da verdade nos conflitos políticos.Mas
isso não é o mais importante! De que adiantaria obter uma vitória semântica
e sofrer uma derrota política que perpetuasse o imobilismo? Talvez tenha
havido um recuo do ponto de vista estritamente normativo, mas, do ponto de
vista político, tivemos inegavelmente um avanço. Não reconhecer isso pode
ser um grave equívoco.

SEGUNDO PONTO: A interpretação errônea dada à mudança semântica é que os
perseguidos do passado seriam recolocados novamente no banco dos réus. Essa
análise equivale a tomar a sombra pela árvore, a árvore pela floresta e o
detalhe pelo conjunto. Em primeiro lugar, é preciso reafirmar que os
perseguidos pela ditadura militar não têm armários e nenhum deles coleciona
esqueletos. Logo, não tememos a verdade. Os segredos da chamada esquerda
política foram extraídos dela pela força e toda sua trajetória foi esmiuçada
em processos ilegítimos; milhares de militantes foram condenados em
tribunais de exceção e centenas executados ou exilados sem o direito a um
processo legal. Após a redemocratização, por amor à transparência e à
verdade histórica, mesmo os raros aspectos preservados da sanha repressiva,
foram espontaneamente relatados pelos próprios protagonistas em centenas de
entrevistas a especialistas, documentários e livros biográficos. Em segundo
lugar, não há como apurar os crimes da repressão sem que eles tragam de
volta também a história de suas vítimas, as cenas dos interrogatórios, os
dados fornecidos sob tortura e os relatados por agentes infiltrados. Para
ficar claro: não há como projetar luz sobre os métodos da repressão e manter
no escuro o histórico das oposições, como tratar da tortura desconsiderando
sua finalidade, seus resultados e conseqüências.

Se a história das oposições é transparente, a que permanece oculta é a dos
porões e dos altos escalões da ditadura. Permanecem longe das vistas das
autoridades até os próprios arquivos do regime que infelicitou a nação entre
1964 e 1985. Onde estão as ordens e decretos secretos? Como era a linha de
comando do regime militar? De que forma eram tomadas as decisões mais
sinistras, como elas eram cumpridas por subalternos sem escrúpulos? Tudo
isso foi descrito pela burocracia. O que não foi registrado pode ser
revelado por funcionários se, sobre eles, deixarem de ter força as ameaças
explícitas e veladas dos mandantes. É preciso tornar públicas as ordens do
dia dos quartéis, os boletins e os registros carcerários das unidades
militares, os decretos, portarias, ofícios, os quadros de pessoas lotadas em
cada unidade dos DOI-CODI e suas respectivas funções. É importante não
esquecer as atas das entidades empresariais, os nomes dos grupos
eindivíduosque financiavam os esquemasindiscriminadosde terror.
Énecessário, ainda, apurar quem
produzia os *press-rele*ases dos DOI-CODIs e quem, nos jornais, os recebia e
ordenava que fossem publicados!

Uma Comissão da Verdade baseada no princípio do contraditório deve ser
válida para todos os lados - e não poderia ser diferente. Em termos
políticos ela trará à luz o que permanece escondido e segue estritamente
protegido pelos próprios criminosos! E histórica e juridicamente é isso que
importa.

Concluímos alertando fraternalmente os companheiros e amigos de que os
dois pequenos passos atrás representam, em
nossa interpretação, um gigantesco passo à frente. Pela primeira vez estamos
efetivamente caminhando para a implantação da Comissão Nacional da Verdade.
Seu conteúdo ainda é uma questão em aberto, que pode variar conforme a
correlação de forças. Não considerar isso pode levar à perda de aliados, ao
alvejamento de companheiros com “fogo amigo” e a não nos organizarmos
à altura para conferir o conteúdo que a Comissão da Verdade pode e
precisa ter.
Resumindo, é preciso reconhecer que a luta se coloca hoje num outro patamar,
acima e diferente do patamar em que se encontrava anteriormente. Dado o
avanço conquistado, as respostas antigas estão superadas e já fazem parte da
História. O que para nós, Inquietos, se recoloca agora é, novamente, a
eterna pergunta que não quer calar: O QUE FAZER?

São Paulo, janeiro de 2010.

LIGA DE SOCIALISTAS DO SÉCULO XXI – LS-21 (Inquietos@grupos.com.br)

sábado, 16 de janeiro de 2010

Continua a farra dos bônus a executivos de bancos

Enquanto a população norte-americaca amarga o desemprego e em decorrência disso o crescimento da pobreza, em 2009 US$ 145 bilhões em bônus foram pagos a executivos de bancos, superando em 18% os valores de 2007, que já havia sido recorde. O Estudo é do Wall Street Journal. É provável que parte dos bônus sairão dos bilhões de dólares injetados pelo governo dos EUA, para salvar o sistema financeiro da falência.

A atitude dos bancos reforça nos norte-americanos a sensação de que os banqueiros não estão nem ai para os efeitos perversos da crise. Só pensam neles. Certamente por isso o presidente Obama, de olho nas eleições deste ano, endurece contra os bancos, criando um imposto financeiro, segundo ele para trazer de volta o dinheiro repassado pelo Tesouro e FED no auge da crise financeira. Mas a saída não é só cobrar imposto; trata-se de fazer uma profunda regulamentação do setor, sem o que vão se repetir os erros de total desregulamentação, levando a crises como a que estamos passando.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Banqueiros só pensam neles

Para salvar o sistema bancário de uma crise sistémica, Barak Obama levou os contribuintes a uma perda de pelo menos US$ 120 bilhões, canalizados para os cofres dos bancos. Medida necessária mas que pegou mal aos norte-americanos, que sofrem com o desemprego.

Agora, o governo baixa taxa para ressarcir o Tesouro. Segundo as previsões em doze anos serão recuperados o que foi tirado dos contribuintes. Mesmo assim o setor já se articula no Congresso para derrubar o imposto.

Como se vê, lá como cá, e em qualquer outro lugar, banqueiros são todos iguais. Só pensam neles.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Henrique Meirelles no Conselho Diretor do BIS

O presidente do Banco Central,Henrique Meirelles, passou a integrar Conselho Diretor do BIS-Banco de Compensações Internacionais,banco dos bancos centrais. Criado 1930, o BIS tem o papel de fomentar a cooperação monetária e financeira.
Essa decisão é histórica, é o reconhecimento da importância do Brasil no novo cenário gobal, principalmente na era pós-crise financeira global.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Crise na Argentina serve de parâmetro para o debate sobre autonomia do BC

A crise aberta na recusa do presidente do Banco central da Argentina, Martin Redrado, de deixar o posto a pedido da presidente Cristina Kirchner, serve de parâmetro, no Brasil, ao debate a respeito da autonomia do BC.

Na Argentina o BC, desde de 1992, é uma instituição autônoma, o presidente tem mandato fixo, não podendo ser trocado por iniciativa do presidente de plantão.

Do ponto de vista legal, o governo argentino nada pode fazer, a não ser pressão pela saída de Redrado; embora haja motivação política justificada, no momento em que o presidente do banco recusa-se a usar US$ 6,5 bilhões das reservas(hoje estão em US$47,980 bilhões), para pagar títulos da dívida externa que vencem em 2010. Para que servem as reservas, então? São usadas para colchão contra crises, como a que estamos passando, mas servem ao mesmo tempo para socorrer as finanças púplicas em situações como a que vive a Argentina.

No Brasil uma leva de economistas são a favor da autonomia, principalmente com mentes monetaristas ortodoxas ou ligada ao pensamento neoliberal.

O Senado discute projeto de autoria do senador Antônio Carlos Magalhães Junior que concede autonomia ao presidente da autoridade monetária, como na Argentina. O projeto passou na CCJ e vai agora para a Comissão de Assuntos Econômicos, antes de seguir à votação em plenário.

Acho uma temeridade aprovar um projeto dessa natureza. Banco Central é parte de uma estrutura que pratica uma determinada política econômica. Não pode estar descolada disso. No limete pode funcionar como é hoje, uma quase autonomia, onde o presidente não se mete nas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom). No entanto é prerrogativa do presidente da Rpública mudar a direção do BC quando houver incompatibilidade entre ambos. Essa conversa de autonomia do BC serve apenas aos interesses apetitosos do mercado financeiro.

Esse é um bom debate a ser feito dentro do Partido dos Trabalhadores, por ocasião do 4° Congresso Nacional da leganda, que será realizado em fevereiro deste ano.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O debate da política externa: a moral internacional e o poder

José Luiz Fiori (Valor Econômico 30/12/2009)



"No grau de cultura em que ainda se encontra o gênero humano, a guerra é um meio inevitável para estender a civilização, e só depois que a cultura tenha se desenvolvido (Deus sabe quando), será saudável e possível uma paz perpétua". Immanuel Kant, "Começo verossímil da história humana", 1796.
A confusão já era grande, e ficou ainda maior depois do discurso do presidente norte-americano, Barack Obama, em defesa da guerra, ao receber o Prêmio Nobel da Paz de 2009. Como liberal, Obama poderia ter utilizado os argumentos do filósofo alemão, Immanuel Kant (1724-1804), que também defendeu, na sua época, a legitimidade das guerras, como meio de difusão da civilização européia, até que chegasse a hora da "paz perpétua".
Mas Obama preferiu voltar à Idade Média e recorrer às idéias de Santo Agostinho (354-430) e de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), sobre a legitimidade moral das "guerras justas". A opção do presidente Obama não foi casual: com os santos católicos, em vez dos filósofos iluministas, ele tentou retomar a tese medieval de que existiria uma única moral internacional, situada acima de todas as culturas e civilizações, capaz de embasar juízos objetivos e imparciais, sobre a conduta de todos os povos e todos os estados.
E não deve ter passado despercebido do presidente Obama, que o argumento da "guerra justa" - sobretudo no caso de Santo Tomas de Aquino - estava associado ao projeto de construção de uma monarquia universal, da Igreja Católica, dos séculos XII e XIII. O que talvez ele tenha esquecido ou desconsiderado é que esse projeto "cosmopolita" de Roma foi derrotado e desapareceu depois do nascimento dos estados nacionais europeus. Da mesma forma que a tese da "guerra justa" foi engavetada, depois da crítica demolidora de Hugo Grotius (1583-1645), o jurista holandês e liberal que demonstrou que no novo sistema inter-estatal que havia se formado na Europa, era possível que frente à uma única "justiça objetiva", coexistissem várias "inocências subjetivas".
Em outras palavras: mesmo que se acreditasse na existência de uma única moral internacional, dentro de um sistema de estados equipotentes não haverá jamais como arbitrar "objetivamente", sobre a legitimidade de uma guerra entre dois estados. Por isso, na prática, essa arbitragem coube sempre, através dos tempos, aos estados que tiveram capacidade de impor seus interesses e seus valores como se fossem interesses e valores universais. Nos séculos seguintes, esse "paradoxo de Grotius", se transformou na principal contradição e limite da utopia liberal inventada pelos europeus. Thomas Hobbes (1588-1679) e Immanuel Kant (1724-1804) perceberam, desde o primeiro momento do novo sistema, que a garantia da ordem dos estados e da liberdade dos indivíduos exigia a presença de um poder soberano absoluto, acima de todos os demais poderes e até da própria liberdade dos indivíduos.
Por outro lado, François Quesnais (1694-1774) e a escola liberal dos fisiocratas franceses também concluíram que o bom funcionamento de uma economia de mercado requereria sempre um "tirano esclarecido" que eliminasse, pela força, os obstáculos políticos ao próprio mercado. E finalmente, Immanuel Kant concluiu que as guerras eram um meio inevitável de difusão da civilização europeia.
Em todos os casos, se pode identificar o mesmo paradoxo, no reconhecimento liberal da necessidade do poder e da guerra para difundir e sustentar a própria moral em que se funda a liberdade, e o reconhecimento de que no campo das relações internacionais, o que se chama de "moral internacional" será sempre a "moral" dos povos e dos estados mais poderosos. Edward Carr (1892-1982), o pai da teoria política internacional inglesa, referiu-se a esses países como sendo membros de um "círculo dos criadores da moral internacional"1 , formado nos dois últimos séculos pela Grã Bretanha, EUA e França.
Para entender como se dão essas relações, basta olhar hoje para a posição dos anglo-saxões e dos franceses, frente ao programa nuclear do Irã. Os Estados Unidos patrocinaram o golpe que derrubou o presidente eleito do Irã, em 1953, e sustentaram o regime autoritário do Xá Reza Pahlavi e seu programa nuclear, até sua deposição em 1979. Mas, antes disso, já tinham permitido que Israel tivesse acesso à tecnologia nuclear, com o auxílio da França e da Grã Bretanha, por volta de 19652.
Quando entrou em vigor o Tratado de Não Proliferação Nuclear, em 1970, EUA, Grã Bretanha e França nunca protestaram contra Israel por não ter assinado o Tratado e ter negado as inspeções da Agência de Energia Atômica das ONU, além de ter rejeitado a Resolução 487, de 1981, do Conselho de Segurança das ONU, que se propunha colocar as "facilidades atômicas" de Israel, sob a salvaguarda da IAEA. Assim, existe hoje uma assimetria gigantesca de poder militar dentro do Oriente Médio: são 15 países, com 260 milhões de habitantes, e só Israel, com apenas 7,5 milhões de habitantes e 20 mil km2, detém um arsenal de cerca de 250 cabeças atômicas, com um sistema balístico extremamente sofisticado e com o apoio permanente da capacidade atômica e de ataque dos EUA, dentro do próprio Oriente Médio.
Nesse contexto, o esquecimento do "poder" no tratamento da "questão nuclear iraniana", e sua substituição por um juízo moral e de política interna, é uma hipocrisia e uma manipulação publicitária. Quando se lê hoje a imprensa americana - em particular os jornais liberais de New York ) - fica-se com a impressão que as bombas de Hiroshima e Nagasaki caíram do céu, sem qualquer interferência dos aviões norte-americanos no único ataque atômico feito à populações civis na história da humanidade. Fica-se com a impressão que o arsenal atômico de Israel também caiu do céu, sem interferência da França e da Grã Bretanha, e com aquiescência dos EUA, os "criadores de moral internacional!". E o que é pior, fica-se com a impressão que o Holocausto aconteceu no Irã, ou no mundo islâmico, e não na Alemanha do filósofo Immanuel Kant, situada no coração da Europa cristã.
1 - E. Carr, "The Twenty Years Crisis, 1919-1939", Perennial, 1964, p:80
2- B. Rigg, "Smoke and mirrors in nuclear Middle East", in Wellington's Dominion Post
José Luís Fiori é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ e autor do livro "O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações" (Ed. Boitempo, 2007). Escreve mensalmente às quartas-feiras.