*um** passo à frente, dois passos atrás*
Mensagem da Liga de Socialistas do Século XXI ao Movimento Nacional de
Direitos Humanos, seções do Tortura Nunca Mais, ONGS, movimentos sociais,
ex-presos e perseguidos políticos, familiares e amigos de desaparecidos,
parlamentares de todo o país, magistrados, procuradores, oficiais da ativa
das Forças Armadas, jornalistas e demais membros da sociedade civil.
Companheiros e amigos,
Sabemos que existe uma diferença fundamental entre a abordagem
política e a abordagem
moral, religiosa ou jurídica dos fatos. Enquanto estas só admitem
caminhar para a frente, em marcha batida, a primeira procura dar conta das
leis da vida, a partir da premissa de que política é correlação de forças,
a arte de avançar em combate, numa relação dialética com o adversário
ou inimigo. Às vezes é preciso recordar o óbvio para não se alienar do
sentido
da história. A análise e a prática políticas dependem da correta
identificação das forças em confronto, sem perder de vista as possibilidades
abertas e os limites impostos pela conjuntura, para evitar a armadilha da
esfera estritamente ideológica, enquanto imagem invertida da realidade.
Somos socialistas do Século XXI, democratas sem pejo de se proclamar
radicais, adversários de quaisquer muros à livre formação da consciência. E
é desse ponto de vista que interpretamos e nos pronunciamos sobre o decreto
presidencial de 13/1/2010 que institui a Comissão Nacional da Verdade.
O problema é o seguinte: a conjuntura política mudou com o decreto que dá
nova redação à diretriz 23 do Decreto 7.037, de 21 de dezembro de 2009. Para
alguns companheiros e entidades, ainda sujeitos à lógica paralisante da
metade do século passado, entretanto, a mudança teria sido para pior,
mediante uma virtual capitulação a pressões golpistas. Segundo essa
interpretação equivocada, a alteração do terceiro Plano Nacional de Direitos
Humanos (PNDH) teria como objetivo principal não a apuração das torturas,
assassinatos e desaparecimentos, mas a punição, pela segunda vez, das
vítimas da ditadura. Tememos que esse raciocínio se paute por uma lógica
alucinada, como costuma ser a dos apressados e principistas. Vamos direto
ao assunto e falar de dois pontos que para nós, Inquietos da LS-21, são
essenciais e constituem o cerne da questão.
PRIMEIRO PONTO: Comparemos a realidade político-jurídica de 20/12/2009 e a
de 14/1/2010. Vinte e cinco dias são a distância entre duas conjunturas.
Antes estávamos no mesmo patamar de 22 anos atrás: como em 1988, os arquivos
da ditadura continuavam sumidos, os destinos dos companheiros desaparecidos
envoltos em brumas, a anistia era considerada como perdão recíproco e os
torturadores andavam livres por aí publicando sites, blogs e bravatas. Enquanto isso o pau de arara continuava com fila de espera nas delegacias e
presos comuns seguiam submetidos às mesmas humilhações e suplícios. Neste
início de 2010, embora as sensações cotidianas pareçam inalteradas, bem ou
mal temos um decreto assinado pelo Presidente da República, pactuado com o
Ministro da Defesa e os comandantes militares, criando um Grupo de Trabalho
que tem o prazo-limite de abril próximo para apresentar a minuta de um
projeto de lei instituindo a Comissão Nacional da Verdade. O Grupo de T
rabalho será presidido pela Casa Civil, ou seja, passou a ser coordenada
pelo próprio Presidente via ministra Dilma Rousseff, virtual candidata a
Presidente da República e crítica notória da fase de nossa história em que a
tortura consistia no principal método de governo. O GT será integrado por
seis membros: um deles do Ministério da Defesa e cinco interessados, em
tese, numa verdadeira Comissão da Verdade. Dito de outra forma, o GT contará
em princípio com a direção moral e intelectual de membros das sociedades
política e civil.
No final de dezembro não tínhamos nada. No ano novo temos um GT que
produzirá um Projeto de Lei até abril, com uma composição que é amplamente
favorável à verdade histórica. Sem contar que a verdade tem uma força que
lhe é própria, imanente, independente de maiorias ou minorias. A diferença é
da água para o vinho... É certo que houve um recuo semântico, de apuração
dos crimes da repressão para apuração da verdade nos conflitos políticos.Mas
isso não é o mais importante! De que adiantaria obter uma vitória semântica
e sofrer uma derrota política que perpetuasse o imobilismo? Talvez tenha
havido um recuo do ponto de vista estritamente normativo, mas, do ponto de
vista político, tivemos inegavelmente um avanço. Não reconhecer isso pode
ser um grave equívoco.
SEGUNDO PONTO: A interpretação errônea dada à mudança semântica é que os
perseguidos do passado seriam recolocados novamente no banco dos réus. Essa
análise equivale a tomar a sombra pela árvore, a árvore pela floresta e o
detalhe pelo conjunto. Em primeiro lugar, é preciso reafirmar que os
perseguidos pela ditadura militar não têm armários e nenhum deles coleciona
esqueletos. Logo, não tememos a verdade. Os segredos da chamada esquerda
política foram extraídos dela pela força e toda sua trajetória foi esmiuçada
em processos ilegítimos; milhares de militantes foram condenados em
tribunais de exceção e centenas executados ou exilados sem o direito a um
processo legal. Após a redemocratização, por amor à transparência e à
verdade histórica, mesmo os raros aspectos preservados da sanha repressiva,
foram espontaneamente relatados pelos próprios protagonistas em centenas de
entrevistas a especialistas, documentários e livros biográficos. Em segundo
lugar, não há como apurar os crimes da repressão sem que eles tragam de
volta também a história de suas vítimas, as cenas dos interrogatórios, os
dados fornecidos sob tortura e os relatados por agentes infiltrados. Para
ficar claro: não há como projetar luz sobre os métodos da repressão e manter
no escuro o histórico das oposições, como tratar da tortura desconsiderando
sua finalidade, seus resultados e conseqüências.
Se a história das oposições é transparente, a que permanece oculta é a dos
porões e dos altos escalões da ditadura. Permanecem longe das vistas das
autoridades até os próprios arquivos do regime que infelicitou a nação entre
1964 e 1985. Onde estão as ordens e decretos secretos? Como era a linha de
comando do regime militar? De que forma eram tomadas as decisões mais
sinistras, como elas eram cumpridas por subalternos sem escrúpulos? Tudo
isso foi descrito pela burocracia. O que não foi registrado pode ser
revelado por funcionários se, sobre eles, deixarem de ter força as ameaças
explícitas e veladas dos mandantes. É preciso tornar públicas as ordens do
dia dos quartéis, os boletins e os registros carcerários das unidades
militares, os decretos, portarias, ofícios, os quadros de pessoas lotadas em
cada unidade dos DOI-CODI e suas respectivas funções. É importante não
esquecer as atas das entidades empresariais, os nomes dos grupos
eindivíduosque financiavam os esquemasindiscriminadosde terror.
Énecessário, ainda, apurar quem
produzia os *press-rele*ases dos DOI-CODIs e quem, nos jornais, os recebia e
ordenava que fossem publicados!
Uma Comissão da Verdade baseada no princípio do contraditório deve ser
válida para todos os lados - e não poderia ser diferente. Em termos
políticos ela trará à luz o que permanece escondido e segue estritamente
protegido pelos próprios criminosos! E histórica e juridicamente é isso que
importa.
Concluímos alertando fraternalmente os companheiros e amigos de que os
dois pequenos passos atrás representam, em
nossa interpretação, um gigantesco passo à frente. Pela primeira vez estamos
efetivamente caminhando para a implantação da Comissão Nacional da Verdade.
Seu conteúdo ainda é uma questão em aberto, que pode variar conforme a
correlação de forças. Não considerar isso pode levar à perda de aliados, ao
alvejamento de companheiros com fogo amigo e a não nos organizarmos
à altura para conferir o conteúdo que a Comissão da Verdade pode e
precisa ter.
Resumindo, é preciso reconhecer que a luta se coloca hoje num outro patamar,
acima e diferente do patamar em que se encontrava anteriormente. Dado o
avanço conquistado, as respostas antigas estão superadas e já fazem parte da
História. O que para nós, Inquietos, se recoloca agora é, novamente, a
eterna pergunta que não quer calar: O QUE FAZER?
São Paulo, janeiro de 2010.
LIGA DE SOCIALISTAS DO SÉCULO XXI LS-21 (Inquietos@grupos.com.br)
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
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