quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A força unilateral do bem, por Luiz Carlos Azenha

A força unilateral do bem


Assim o Comando Militar Sul dos Estados Unidos propagandeia sua própria
atuação em 2009*

"Virtualmente todos os povos com vizinhos mais fracos atacaram e
saquearam os vizinhos e quando possível os subjugaram, às vezes os
dizimaram. Competição por poder e riqueza sempre esteve interligada com as
outras forças que movem a História"*. *Victor Kiernan em Impérios e
Exércitos Coloniais, 1815-1960.*

por Luiz Carlos Azenha

Diz-se, nos Estados Unidos, que a política externa de Washington é ditada
pelas necessidades domésticas do ocupante da Casa Branca. É verdade.

O presidente Barack Obama acaba de resgatar George W. Bush das trevas para
encarregá-lo, ao lado de Bill Clinton, de liderar uma campanha nacional para
levantar fundos e dirigir a aplicação do dinheiro no Haiti.

Os Estados Unidos são o único país do mundo com o poder logístico
suficientemente sofisticado para atender aos milhões de haitianos que
tiveram as vidas completamente devastadas por um terremoto. Dispõem de alta
tecnologia, de Forças Armadas numerosas e do poder político necessário para
deslocá-las para qualquer parte do mundo.

O constrangimento a que o Brasil foi submetido nas últimas horas é natural
em circunstâncias extraordinárias como as atuais. Washington pode deslocar
com facilidade 10 mil soldados para o Haiti em algumas horas, mais do que
todo o contingente da Missão de Estabilização das Nações Unidas, a Minustah,
presente no país.

O Exército americano dispõe de tradutores, de equipamento e de provisões
para cumprir todas as tarefas necessárias em um desastre como o do Haiti, ou
pelo menos cumprí-las melhor que uma tropa da ONU que fala diversos idiomas,
tem dificuldades para se comunicar em francês com os haitianos ou não dispõe
de um porta-aviões com aeronaves que facilitam o transporte.

Mais do que isso, é preciso considerar que o Pentágono passou a enfatizar
as ações humanitárias para dar cobertura ao seu envolvimento na política
interna de seus vizinhos de Hemisfério.

Durante o governo de George W. Bush, houve um deslocamento da política
externa dos Estados Unidos dos diplomatas do Departamento de Estado para os
militares e os formuladores do Pentágono, com grande ênfase em ações
humanitárias. Os fuzileiros navais desembarcariam não mais para trocar
governos ou matar a população civil, mas em nome de salvá-las de desastres
naturais, ecológicos, caos social ou outras emergências do gênero.

Os dois maiores projetos militares dos Estados Unidos para a América Latina
são apresentados com um tom humanitário e/ou policial: o combate ao
narcotráfico na Colômbia e a *Iniciativa Mérida*,
no México.

Para combater as consequências da desigualdade social resultante da
política de governos que tiveram o apoio dos Estados Unidos, Washington não
prega reformas econômicas ou sociais, nem o atendimento das demandas
políticas da população local. Propõe uma política salvacionista, que
aprofunda a dependência das elites locais da benesse dos Estados Unidos.

Podem chamar de imperialismo com outro nome. É este o sentido da oposição
dos Estados Unidos a Hugo Chávez: o presidente venezuelano representa o
ressurgimento do nacionalismo na América Latina e a pregação dele em defesa
da soberania local se contrapõe diretamente ao controle dos Estados Unidos
sobre o hemisfério que é extensão do território estadunidense.

Embora Washington tenha se "distraído" durante o governo Bush com aventuras
militares no Oriente Médio, razão pela qual concordou em dividir com o
Brasil algumas das atribuições de patrulhar a América Latina, os
formuladores da política externa americana se deram conta de que é preciso
assumir o controle regional, especialmente num quadro de escassez de
recursos energéticos, da invasão de sua zona de influência por paises como a
China e a Rússia e da ascensão de um modelo alternativo expresso por
Chávez-Morales-Correa.

Chávez está sentado sobre gigantescas reservas de petróleo. Morales, sobre
gigantescas reservas de gás. Correa desmantelou uma base militar importante
para os Estados Unidos na costa da América do Sul.

É nesse quadro que devemos entender o comportamento dos Estados Unidos em
Honduras, na ampliação de sua presença militar na Colômbia e agora, diante
do terremoto no Haiti.

A proposta do presidente francês Nicolas Sarkozy de uma reunião entre
Brasil, França e Estados Unidos para discutir o futuro do Haiti foi
descartada por Washington em um primeiro momento.

Para se contrapor ao controle dos Estados Unidos sobre a América Latina o
Brasil tem tentado atrair a França para uma parceria militar estratégica. A
França, além de ter um território ultramarino na América do Sul, a Guiana
Francesa, tem interesses no Caribe (Martinica, Guadaloupe, San Martin) e
uma história (trágica) no Haiti.

Para além dessas considerações geopolíticas, no entanto, é preciso
considerar a política doméstica dos Estados Unidos.

Barack Obama, depois de aprovar uma reforma do sistema de saúde que reduziu
a sua aprovação interna junto ao eleitorado, especialmente depois de ter
usado bilhões em dinheiro público para resgatar os bancos -- 117 bilhões de
dólares, pelas contas da Casa Branca --, precisa urgentemente de "vitórias
políticas" que sustentem a coalizão que pode levá-lo à reeleição.

No Haiti, ele só tem a ganhar. Primeiro, por se tratar de uma ação
humanitária que poderá reconstruir a imagem dos militares dos Estados Unidos
diante do mundo ocidental -- depois dos desastres que resultaram da invasão
do Iraque e do escândalo da tortura em Guantánamo e outras instalações.

Segundo, pela demonstração de interesse pelo destino de milhões de negros
como ele, Obama, embora seja conveniente esquecer aqui que eles são vítimas
de regimes políticos que tiveram pleno endosso dos Estados Unidos -- Papa
Doc e Baby Doc, os ditadores do Haiti, foram anticomunistas sanguinários que
serviram quando foi preciso conter a "infecção" cubana.

O presidente "populista" e "autoritário" do Haiti, Jean Bertrand Aristide,
foi uma espécie de Hugo Chávez antes-da-hora: foi eleito justamente quando
as políticas neoliberais propostas por Washington como saída para a América
Latina estavam no auge. Talvez isso ajude a explicar porque ele curte exílio
na África do Sul e o partido dele foi banido no Haiti.

Ao resgatar George W. Bush das trevas, Obama agora pode posar de "caminho
do meio" diante do eleitorado dos Estados Unidos, como homem que não guarda
ressentimentos, que coloca o interesse humanitário acima das disputas
políticas. Num quadro político altamente polarizado como é o dos Estados
Unidos hoje, o presidente fica bem na fita tanto com republicanos moderados
quanto com a centro-esquerda do Partido Democrata da qual havia se afastado
para salvar os banqueiros. Coloca os pés firmemente no centro político,
entre George W. Bush e Bill Clinton, onde estão os independentes sem os
quais jamais conseguirá se reeleger.

Obama resgata George W. Bush da mesma forma que resgata os haitianos e será
o caudatário da gratidão de ambos. Através dos dois ex-presidentes, que com
certeza levantarão milhões de dólares para aplicar no Haiti, os Estados
Unidos farão esse resgate dentro de um modelo político e econômico aceitável
para seus próprios interesses.

Nesse momento, não interessa a Washington atuar através da ONU ou de
supostos parceiros. Faz muito mais sentido para o governo dos Estados
Unidos, tão castigado nos últimos anos pelo recurso unilateral à força para
matar, saquear e controlar outros povos, agir agora como uma força
unilateral do bem.

O futuro do Haiti pertence ao *Clinton-Bush Fund*e ao
Comando Militar Sul dos Estados Unidos

Um comentário:

  1. Campos Meu Bom !!!
    Te achei neste teu necessário blog !!!
    Gostei, acho que é a melhor forma de comunicar nossa luta e os nosso sonhos.
    Não nos vemos faz algum tempo, a minha "distrofia muscular" que voce tão sabe agora agravou-se, Fiquei "cadeirante" ( E DOS BONS !!! PRECISA VER !!! ) com isso encontrei essa mesma forma de continuar militando. Também tenho um blog !!!
    http://optremdastreze.blogspot.com/

    Claro que não é como este teu, bem mais sério, no meu eu trato de "políticas escatológicas", conto "causos" e procuro o humor. Tenho sido convidado a participar de várias redes na blogosfera "lulapetista". Fiz amigos no Brasil inteiro, venha me visitar.
    Já incluí este teu nos meus favoritos, dada a grande admiração que tenho por ti, meu amigo. E É CLARO para divulgar os teus textos para o quanto mais longe e mais gente !!!
    Gostaria muito de conversar contigo. O meu telefone é (011) 3798-2065 e o meu e-mail é eniobarroso@ig.com.br

    Fico aguardando o teu retorno.
    Saudades, meu bom !!!

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