segunda-feira, 11 de abril de 2011

As moedas do futuro, Ernesto Lozardo para o Valor

O poder da moeda sempre esteve ligado ao poder econômico da nação. Até o início do século passado, a libra esterlina foi a moeda de reserva de valor no mercado internacional. Daí em diante, o dólar americano tornou-se a moeda líder para a estabilidade do sistema de pagamentos internacionais, como foi estabelecido no acordo de Bretton Woods (1947-1971).
Isso se deveu à liderança econômica dos Estados Unidos no período pós-guerra, o qual ficou conhecido como a era dourada do crescimento econômico mundial. Na época, o país produziu quase 50% do PIB mundial, foi responsável por 85% do total dos investimentos diretos internacionais, possibilitou a reconstrução da Europa, contou com poupança superior à demanda de investimentos domésticos, superávit nas contas públicas e na conta corrente e construiu-se um grandioso e sofisticado mercado financeiro.

Essas condições já não existem há décadas. Os Estados Unidos produzem 23% do PIB mundial, responde por 20% do total dos investimentos diretos internacionais, a poupança líquida é mínima. Desde o governo do presidente Reagan (1980), o país apresenta déficit na conta corrente como fator de obtenção de recursos externos para atender à demanda de investimentos. Trata-se de uma sociedade que gasta além dos limites da renda.

O elevado deficit público induz a elevação de impostos, inflação e juros, redução da renda real do trabalhador e dólar mais desvalorizado. Esse deverá ser o cenário da economia americana nesta década.

Os reflexos dessa queda gradual da economia dos Estados Unidos têm influenciado a composição das reservas monetárias internacionais. Em 1973, o dólar representou 85% do total dessa reserva. O marco alemão representou 6,7% e a libra esterlina, 5,9% do total. Em 2009, o dólar americano caiu para 62% no total, uma queda de 23 pontos percentuais. Nesse tempo, surge o euro, que poderá compensar as incertezas da moeda americana, mas não substituí-lo.

O euro representou 27% do total da reserva. O euro ainda não se apresenta como alternativa, mas pode-se traçar um cenário com mais de uma moeda nas transações comerciais. Embora não se conheça o comportamento das moedas de países emergentes nas reservas e nas transações internacionais, pode-se prever o papel de liderança de moedas de países emergentes nas transações financeiras e comerciais futuras.

A história não confirma essa hipótese, porém a realidade mundial é distinta da que prevaleceu no período do acordo de Bretton Woods. Existirão outras moedas nas transações internacionais: além do dólar, teremos o euro, o renminbi, a rúpia e o real.

Outras nações alcançarão elevado grau de prosperidade ao longo deste século pondo fim ao monopólio do dólar

A previsão é de que, em 2050, a economia dos Estados Unidos representará 12% do Produto Interno Bruto (PIB) global; a da China, 22%; a da União Europeia (27 países), 10%; a da Índia, 7%; e a do Brasil, 4%. Isso não significará enfraquecimento do dólar nas transações internacionais, mas o fim do monopólio da moeda americana pelo fato de que outras nações alcançarão elevado grau de prosperidade ao longo deste século.

O euro está sendo objeto da reserva monetária entre os países da região. A rúpia (Índia) e o renminbi (China) já são moedas de reserva entre países asiáticos. O real será a moeda líder na América do Sul e estará no conjunto das reservas de moedas dos países que tenham comércio com o Brasil.

Será comum bancos aceitarem depósitos em moedas internacionais, por exemplo, em euro, e emprestarem renminbi ou vice-versa. Provavelmente, também teremos uma nova moeda representada por uma cesta de moedas de países emergentes, tendo o dólar e o euro como integrantes dela. Essa deverá ser a nova arquitetura monetária, que dependerá de uma profunda reforma no sistema financeiro internacional e de amplo processo de abertura econômica entre nações desenvolvidas e emergentes.

Acredito que a moeda brasileira poderá figurar entre as que farão parte das transações internacionais. Para tanto, há de se fazer a reforma tributária, tendo em vista a flexibilidade, a redução do percentual das alíquotas sobre a produção e a folha de pagamento, bem como sobre a renda social da classe média. Esse balizamento de carga tributária deverá ser compatível com a existente entre os emergentes. A meta de curto prazo de se eliminar a miséria está correta. No médio prazo, deve manter-se, como estratégia, maior abertura econômica e prover o país de infraestrutura adequada, tornando-o mais eficiente e competitivo. Isso não é um sonho, mas uma oportunidade factível.

A história de que o câmbio mata uma nação não passou de uma crítica à inconsistência da política monetária e fiscal da época. A taxa de câmbio em si não tem esse poder devastador. No entanto, a fragilidade dos fundamentos macroeconômicos, a dívida pública crescente e o regime tributário adverso causam danos irreparáveis ao progresso de uma nação.

O século XXI será de aprofundamento nas relações multilaterais com base em uma nova ordem monetária, na qual várias moedas coexistirão, integrando países em regiões comerciais. O real será moeda utilizada nas transações comerciais entre seus parceiros emergentes globais.

O Brasil, portanto, precisará estar preparado para enfrentar esse novo mundo financeiro, comercial e de moedas globais. Os bancos residentes terão a missão de promover o Brasil na economia financeira global. A política econômica deverá assegurar a estabilidade do crescimento real da renda das pessoas, a redução contínua do custo da produção nacional, o aumento da produtividade da mão de obra, a capacidade competitiva global de todos os setores produtivos e a plena distribuição da renda. Nada disso é impossível ou improvável.

A crença nessas possibilidades está alicerçada na história recente desses países: União Europeia, Brasil, China, Índia e vários do Pacífico Asiático estão construindo seus sonhos de nação em um mundo global, enquanto que os Estados Unidos terão de reconstruir um novo sonho para sua liderança.

Ernesto Lozardo é professor de Economia da EAESP-FGV e autor de "Globalização: a certeza imprevisível das nações".

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