JIM YARDLEY / THE INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE - O Estado de S.Paulo
A Índia tem vivido uma temporada de abraços geopolíticos - com uma notável exceção. Um após o outro, os líderes do cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas foram à Índia, acompanhados por delegações de líderes empresariais, em busca de laços mais próximos com esse gigante ascendente do Sul da Ásia. A mídia indiana, aproveitando-se da grande dose de atenção, apelidou o grupo de "P-5".
O primeiro-ministro britânico, David Cameron, foi calorosamente recebido em meados do ano. Então, o presidente Obama impressionou o cético establishment indiano durante sua visita em novembro. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, assinou acordos nucleares com o país no início de dezembro, enquanto o presidente russo, Dmitri Medvedev, deixou a Índia no final de 2010 com um punhado de contratos de defesa depois de conquistar para Moscou uma "parceria especial".
A exceção ao clima amistoso foi a visita do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, em meados de dezembro. Wen estabeleceu acordos comerciais, anunciou novas metas econômicas e ofereceu garantias das intenções amigáveis da China. Mas a viagem sublinhou também uma piora em muitos pontos de atrito entre as duas gigantes asiáticas - desequilíbrios comerciais, disputas de fronteira e o status da Caxemira. E os principais nomes da política externa indiana, antes receosos em desafiar a China, estão assumindo uma linha mais dura.
"A visita de Wen alargou publicamente o abismo que existe entre Índia e China", disse Ranjit Gupta, diplomata indiano aposentado e um dos mais expressivos analistas que propõem uma posição aguerrida em relação à China.
A Índia deseja fazer parte do Conselho de Segurança da ONU, e a China é agora o único membro permanente que ainda não apoiou explicitamente tal medida. Mas o motivo de maior inquietação entre os líderes indianos tem sido o que eles consideram provocações chinesas deliberadas na Caxemira conforme o país se aproxima do Paquistão, antigo aliado da China e velho arquirrival da Índia. A China também tem agido para expandir sua influência diplomática e econômica por todo o sul da Ásia, ampliando seu envolvimento nas questões relativas ao Sri Lanka, Nepal e às Maldivas.
A visita de Wen deveria ajudar a amenizar tais tensões num momento em que a Índia começa a se aproximar mais dos Estados Unidos. Entre os líderes chineses, Wen é visto como amigo da Índia, e sua visita ao país em 2005 foi considerada um marco depois que ele e o primeiro-ministro Mammohan Singh chegaram a acordos amplos para solucionar as disputas de fronteira entre os dois gigantes.
Depois de se envolver numa breve guerra de fronteiras, os dois países passaram décadas debatendo uma remarcação territorial, com a China reclamando o estado indiano de Arunachal Pradesh e a Índia reclamando porções do Tibete que fazem fronteira com a Caxemira indiana. O acordo de 2005 levou os mais otimistas a acreditarem que algum tipo de concessão mútua pudesse encerrar a questão. O comércio entre ambos decolou: o aumento foi da ordem de dez vezes, chegando a um volume de quase US$ 60 bilhões. Wen estabeleceu como nova meta o volume de US$ 100 bilhões.
Os líderes indianos se queixam agora de que o comércio é muito mais favorável para a China e dizem que as empresas indianas enfrentam obstáculos demais para entrar no mercado chinês. Wen prometeu ajudar as empresas indianas a vender seus produtos na China, mas os indianos mantêm o ceticismo.
Diplomacia "consultiva". Enquanto isso, a China enfureceu a Índia ao começar a emitir vistos especiais de papel grampeado - em lugar do visto comum - para aqueles na Caxemira indiana que desejem viajar para a China, com base no argumento de que se trata de um território em disputa. A China posteriormente se opôs à inclusão de um dos principais generais indianos responsáveis pela Caxemira numa troca militar com a China. Em resposta, representantes do governo indiano suspenderam, furiosos, todas as trocas militares entre os dois países. Representantes indianos pensaram que Wen poderia reverter a política dos vistos grampeados durante sua visita ao país. Em vez disso, ele só pediu uma diplomacia mais consultiva.
Os comentaristas indianos repararam que os artigos publicados na mídia estatal chinesa renovaram a afirmação chinesa de que a fronteira disputada entre os dois países corresponde a cerca de 2 mil km - enquanto a Índia diz que a distância é de aproximadamente 3,5 mil km. A diferença corresponde aproximadamente à fronteira entre a Caxemira indiana e o Tibete chinês. Ao omitir este trecho, os chineses questionam o status da Caxemira indiana, posição que reforça as ambições do Paquistão, de acordo com numerosos analistas indianos.
A prova mais visível de uma piora em relação a estes problemas estava num comunicado conjunto emitido por ambos os países ao fim da visita de Wen. A China costuma exigir que os demais países apoiem a política de uma só China, segundo a qual Taiwan seria uma parte inalienável do território chinês. Em comunicados anteriores, a Índia concordou com tais termos, mas, desta vez, a menção de apoio foi omitida - um sinal claro da irritação indiana.
"A menção esteve presente em todos os comunicados anteriores, mas os chineses sequer citaram o assunto", disse um funcionário do alto escalão do governo indiano. "Acho que eles sabiam que, se tocassem no tema, nós exigiríamos alguma providência em relação à questão dos vistos e da Caxemira."
Índia e China ainda cooperam na luta contra a mudança climática e nas políticas de comércio internacional, e alguns diplomatas indianos se queixam de que os aspectos positivos do relacionamento são frequentemente ignorados pelas agressivas organizações da mídia enquanto um ousado grupo de analistas estratégicos pressiona pela adoção de uma linha mais dura. Os veículos da mídia estatal chinesa transmitiram recentemente imagens de um novo túnel em construção no Himalaia perto da fronteira com a Índia. Alguns acreditam que tais reportagens são uma forma do país se gabar dos feitos de sua engenharia chinesa. Na Índia, foram apresentadas como alerta para o fato de que a China constrói sua infraestrutura cada vez mais próxima do território indiano.
Ao mesmo tempo, a Índia observa atentamente enquanto a China desenvolve projetos hidrelétricos que podem afetar o curso do Rio Brahmaputra, no território indiano.
Alguns analistas indianos destacam que as tensões com a China aumentaram conforme aumenta a aproximação entre Índia e EUA. Durante sua visita, Obama falou em uma "parceria definidora" entre Índia e EUA e encorajou os indianos a desempenharem um papel mais ativo não apenas no Sul da Ásia como também no Leste Asiático, tradicionalmente considerado quintal da China. Singh, na verdade, acaba de voltar de uma viagem ao Japão, Malásia e Vietnã como parte da política indiana de "Olhar para o Oriente" e reforçar os laços comerciais e diplomáticos com a região.
"Nosso desafio será construir nosso próprio poder de influência", disse o funcionário do alto escalão do governo indiano. "É por isso que o relacionamento com EUA, Japão e outros parceiros do Sudeste Asiático se tornará cada vez mais importante."
TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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